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Com a presente entrada chamamos a atenção dos leitores para um estudo, da autoria da Professora Doutora Maria do Rosário Barbosa Morujão, o qual nos permite conhecer como, nos seus tempos iniciais, se organizava a Sé de Coimbra.
Op cit., capa.
Pormenor do jacente do Bispo D. Tibúrcio (Sé Velha de Coimbra). Fotografia de Anísio Miguel de Sousa Saraiva .Op. cit., pormenor da capa
A obra que agora se dá à estampa tem como base a dissertação de doutoramento em História da Idade Média apresentada, em 2005, à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. O tema que aborda encontra-se claramente definido no seu próprio título: A Sé de Coimbra: a lnstituição e a Chancelaria (1080-1318). Com efeito, o objeto do estudo elaborado é a catedral conimbricense, ao longo de uma cronologia que se estende desde a restauração da diocese, após a reconquista definitiva da cidade, até ao final do episcopado de D. Estêvão Eanes Brochardo, falecido em 1318.
A data de início da investigação explica-se por si mesma: começa precisamente quando a diocese é restaurada, no ano em que encontramos provas de que o primeiro bispo, D. Paterno (1080-1087) já ocupava a cátedra conimbricense, dezasseis anos depois de ter sido escolhido para o cargo pelo rei Fernando Magno e pelo conde Sesnando, mas só tendo podido assumir funções depois de Afonso VI se ter tornado imperador da Hispânia.
Já a escolha do «terminus ad quem» é menos óbvia justificando-se pelo desejo de incluirmos na análise realizada os episcopados de dois chanceleres de D. Dinis, D. Pedro Martins (1296-1301) e D. Estêvão Eanes Brochardo (1303-1318). Efetivamente, pareceu-nos que a prática adquirida pelos prelados no serviço de escrivaninha do monarca se poderia refletir na organização da chancelaria da catedral. Assim se explica a data de 1318, e fica definida a amplitude desta abordagem no tempo longo, que nos permitiu acompanhar a história da diocese desde a sua restauração até à primeira década do século XIV ou seja, do tempo em que Coimbra, recém-conquistada era sede de um condado no limite meridional do mundo cristão peninsular, até quase ao final do reinado de D. Dinis, quando Portugal adquiriu as suas fronteiras definitivas.
Antiga Sé de Coimbra em meados do séc. XIX. Acervo RA
…. [A] Primeira Parte, dedicada, como dissemos, ao estudo da Sé enquanto instituição, é composta por quatro capítulos. No primeiro, abordámos a restauração e a organização da diocese, traçando as linhas gerais da sua história desde os mais recuados tempos, analisando o processo de restauração que se seguiu à reconquista cristã, a integração de Coimbra na província bracarense e a definição das fronteiras do território diocesano.
No segundo capítulo, procedemos ao estudo dos bispos que Coimbra conheceu durante este período: ao todo contam-se dezoito prelados, cujas vidas, percursos e formas de atuação à frente da diocese procurámos reconstituir, no decurso de três períodos de características bem definidas, cuja existência se tornou evidente à medida que progredíamos na investigação.
O terceiro capítulo versou sobre a organização do cabido: a sua evolução ao longo dos séculos, desde o tempo em que os cónegos viviam em comunidade, em torno da Sé recém-restaurada, passando pelo processo de secularização ocorrido entre o século XII e as primeiras décadas de Duzentos, caracterizando-se, por fim, a estrutura da canónica tal como ficou definida pelos estatutos recebidos em 1229, que estabeleceram as suas bases para todo o restante período abrangido pela cronologia do nosso trabalho.
Morujão, M.R. B. Sé de Coimbra: A Instituição e a Chancelaria (1080-1318). 2010. Coimbra, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Técnica.
Prosseguindo a tarefa de divulgação dos seus “tesouros”, através da sua página no facebook, https://www.facebook.com/ArquivodaUniversidadedeCoimbra, o Arquivo da Universidade de Coimbra apresentou no mês em curso dois documentos.
Incluído na série, o «Documento do Mês», é revelado um belo fragmento, datado do XV-XVI(?), de um códice litúrgico que foi reaproveitado em encadernação.
AUC. PT/AUC/COL/FCP – IV-3.ª- Gav. 42, n.º 1. Acedido em https://www.facebook.com/photo/?fbid=142271051884521&set=a.133428292768797
O outro documento surge acompanhado do seguinte texto.
Sabes qual é o mais antigo documento do acervo arquivístico do AUC?
Temos presente o mais antigo documento existente no acervo do AUC - ano 983. Não podemos deixar de admirar, como este suporte em pergaminho, bem conservado, apesar dos vincos de dobragem e de algumas manchas, nos apresenta um admirável texto redigido em latim, em letra visigótica, que coloca à prova, uma atenta leitura paleográfica.
Está inserido no acervo da Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimarães (PT/AUC/DIO/CSMOG), tendo já sido estudado por Alexandre Herculano, apesar do ilustre historiador ter utilizado cópias tardias do documento em questão. Esta Colegiada teve origem no antiquíssimo Mosteiro fundado pela Condessa Mumadona Dias, cerca de 950. Todos os monarcas exerceram a proteção régia sobre a Colegiada, razão pela qual se intitulava Insigne e Real Colegiada.
A datação do presente documento encontra-se em Era Visigótica, tendo sido o seu ano convertido para a Era Cristã.
AUC-V-3ª-Mov.4-Gav.1. Documento acedido em https://www.facebook.com/photo/?fbid=144161861695440&set=a.133428292768797
Será curioso referir que em 983, como se pode ler em https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_monarcas_de_Le%C3%A3o, era Bermudo II que reinava, efetivamente desde 981, na Galiza e em Portugal, em estado de guerra com Ramiro III, rei de Leão, pela posse de todo o reino de Leão.
Bermudo II. Imagem acedida em https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_monarcas_de_Le%C3%A3o#/media/Ficheiro:Bermudo_II_of_Le%C3%B3n.jpg
Ou seja, o documento foi lavrado quando ainda faltavam dois séculos e meio para D. Afonso Henriques ser aclamado como Rei de Portugal.
AUC. Informações acedidas em, https://www.facebook.com/ArquivodaUniversidadedeCoimbra
De como as Reis de Leão ganharão Coimbra, antes do Imperador D. Fernando, e de como se sustentou na Fé.
Antes que o Imperador D. Fernando Magno libertasse Coimbra, a ganhou aos infiéis D. Ramiro, Rei de Leão [770-850] e a tirou do poder de Haneh, Rei tyranno della.
Ramiro I, Rei de Leão
Acedido em: http://www.barrosbrito.com/1386.html
Depois deste heroico Principe a conquistou outra vez D. Affonso, o Terceiro Rei de Leão [866-910]… quando castigou o traidor Vostisa.
Vindo sobre ela com hum grande exercito no anno do Senhor de 838, a 30 de Dezembro, dia da Trasladação do Apostolo Sant-Iago. Nesta batalha se achou com elle o Conde Hermenegildo seu parente, e seu Capitão General, de Nação Portuguez.
Afonso III, o Magno
https://ww.alamy.com/stock-photo-afonso-iii-o-magno-tumbo-a-r-132573717.html
Representação de Hermenegildo Guterres
Acedido em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/69/Estacao_de_Rio_Tinto_Azulejo_07.jpg
Mas logo foi conquistada por El-Rei Almaçor [938c.-1002], com que chegou a tal desventura, que sete annos esteve despovoada, e quasi arruinada, no fim dos quaes os Mouros a reedificarão.
El-Rei Almanzor, acedido em
https://alchetron.com/Almanzor#demo
Busto de Almaçor em Algeciras de onde era natural
Acedido em https://pt.wikipedia.org/wiki/Almançor#/media/Ficheiro:Question_book-4.svg
…. Vendo-se seus nobres moradores deitados de suas casas, despojados dos sues patrimonios; mas de continuo alegres por terem suas Igrejas, e Mosteiros concedidos de E-Rei Alboacem, neto de Tarif, aquelle forte vencedor de Hespanha, que foi Senhor e Principe della. E toda a mais terra, que banha os rios Alva e Mondego. Hum deles foi de clérigos claustraes, que estava em Santa Justa, que o fez hum D. Rodrigo … Os mesmos Religiosos tinhão em S. Bartholomeu, que o dotou o Sacerdote Samuel a Lorvão nestes infelices dias.
… Aquelle bellicoso Rei Mouro Alboacem … que reinou prosperamente em Coimbra, inda que bárbaro, Principe clementíssimo, foi o que benignamente concedeo nova Lei, que os Catholicos, que estavão debaixo do seu Senhorio, tivessem Condes para com elles serem governados, conforme seus Institutos, e Fóros. E sendo Rei desta Cidade Marvam Ibenzorach, foi Conde della hum generoso varão, chamado Theodoro, descendentes dos Serenissimos Reis Godos.
Gasco, A.C. Conquista, Antiguidade, e Nobreza da mui Insigne, e inclita Cidade de Coimbra… Recolha de textos e notas por Mário Araújo Torres. 2019. Lisboa, Sítio do Livro. 51
Esta entrada, que reproduz um artigo publicado na revista O Panorama, carece de uma explicação.
O Panorama. Jornal litterário e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, foi publicado aos sábados, entre 1837 e 1868, estando a digitalização dos seus índices e das revistas disponível em:
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/OPanorama/OPanorama.htm.
Folha do rosto de O Panorama
A maioria dos artigos ali publicados não são assinados, embora a sua paternidade seja comumente atribuída a Alexandre Herculano, a alma e o motor deste projeto.
Daí o título aposto à entrada, que reproduz na íntegra um texto ali publicado – cuja ortografia foi atualizada para facilitar a sua leitura – e que consideramos de uma grande beleza.
Importa sublinhar que se trata de uma síntese, escrita em 1836, onde se dá conta dos conhecimentos de então relacionados com a história de Coimbra e com a de alguns dos seus monumentos; os conhecimentos atuais relacionados com estas temáticas são muito mais aprofundados e desenvolvidos.
O artigo em causa insere uma gravura onde também se não vislumbra a assinatura do autor, mas cuja autoria poderá ser atribuída a Manuel Maria Bordalo Pinheiro ou a José Maria Baptista Coelho, porque foram estes dois artistas que, maioritariamente, colaboraram na revista.
Coimbra xilogravura de autor desconhecido. In O Panorama, n.º 51
O Panorama esteve entre as primeiras publicações portuguesas que inseriram gravuras, a impropriamente chamada xilogravura, ou seja, a gravura aberta em blocos de madeira; mas utilizou a “xilogravura de fio”, também conhecida como madeira à veia ou madeira deitada, porque o bloco foi cortado longitudinalmente em relação ao caule da árvore e trabalhado com canivete ou goiva, procurando aproveitar as fibras rígidas e salientes. Posteriormente, noutras publicações, passou a ser utilizada a “xilografia de topo”, porque o bloco que vai ser utilizado se obtém cortando a madeira no sentido horizontal; esta trabalha-se com buris das mais variadas secções, semelhantes aos utilizados pelo gravador na chapa de metal.
Por último uma nota pessoal. Dos textos de Alexandre Herculano que tenho lido ressalta o pouco apreço do autor por Coimbra e, principalmente, pelo ensino que então se ministrava na Universidade. O texto ora apresentado vai, inequivocamente, nessa linha.
Apesar do profundo respeito pela figura maior que Herculano é, não posso esquecer que foi ele o responsável pela saída de Coimbra das duas cousas mais importantes que havia no convento [de Santa Cruz e que] eram a livraria e o sanctuario: as preciosidades d’um e d’outro foram levadas para a cidade do Porto.
COIMBRA
Depois de Braga é Coimbra, em nosso entender, a mais bem assentada cidade de Portugal; e até não sabemos se a vizinhança do Mondego lhe dá a primazia sobre a antiga capital do Minho. É verdade que as sendas [o nome de estradas não o merecem] que de várias partes conduzem a Braga, acompanhadas em quase toda a sua extensão de vales cultivados, de ribeiros deleitosos, de montes selvosos, de pequenas povoações, não contrastam com o painel que descobrimos ao aproximarmo-nos da cidade; enquanto as estradas que do Porto ou de Lisboa conduzem a Coimbra, comumente por brenhas cerradas, descampados inférteis, pinhais extensíssimos, mas sem majestade, e povoações pobres e derramadíssimas, preparam o caminhante com hábitos de tristeza e de tédio, para contemplar a cena de Coimbra, que, semelhante a uma pirâmide esculpida, se levanta dominadora dos seus fresquíssimos e saudosos arredores, e do tranquilo Mondego, que se revolve mansamente a seus pés, como uma fita branca, lançada por meio de um tapete de verdura.
Da «Collimbria», «Conimbrica» ou «Conimbriga» dos romanos já não existem há seculos, senão umas gastas ruinas, no sitio chamado Condeixa velha, a duas léguas da moderna Coimbra. Esta, fundada por Ataces, segundo dizem, só data do tempo da dominação dos Alanos e Suevos. Da época da sua fundação pretendem alguns ainda sejam as armas atuais da cidade; mas semelhante crença tem todos os visos de fabulosa.
No tempo da invasão dos mouros, Coimbra, como todas as demais povoações de Portugal, caiu debaixo do jugo dos conquistadores. Seguiu-se a longa luta dos cristãos com os muçulmanos: no mesmo século Coimbra foi resgatada; mas no século seguinte tornou ao poder dos infiéis, até que em 1064 D. Fernando o Magno, rei de Castela e Leão, a conquistou pela última vez. Parece que os monges beneditinos de Lorvão, que tinham trato com os cristãos da cidade, ajudaram D. Fernando a levá-la de salto, entrando pela porta da traição. – Houve aqui grande estrago de mouros, e querem afirmar que o arco de Almedina é um monumento desta vitória, dando aquela palavra a significação de «porta do sangue»; mas nem esta é a verdadeira tradução do vocábulo arábico, nem por certo o arco que existe junto á igreja de S. João d’Almedina, é de tão remota antiguidade.
Divididas as conquistas de D. Fernando entre seus filhos, guerrearam uns com os outros por causa da herança paterna, pertencem essas guerras á historia de Espanha. Basta saber que no tempo de D. Afonso 6.º de Leão, neto do conquistador de Coimbra, a cidade foi entregue ao conde D. Henrique com o resto de Portugal, dado em dote da rainha D. Tareja, sua mulher. Desde este tempo até o de D, João 1.º Coimbra foi o principal assento da corte dos reis portugueses; porque a sua posição geográfica, a salubridade do clima, e a fertilidade do território lhe davam jus a semelhante primazia. Lisboa, entretanto, crescia em poder e riqueza, que lhe atraía o seu porto magnifico, propriíssimo para o trato de comércio, e nas cortes celebradas na mesma Coimbra, em tempo de D. João 1.º, os povos pediram a el-rei mudasse a residência da corte para a cidade do Tejo.
O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 121
O facto de Afonso Henriques em 1128 ter derrotado a mãe em São Mamede pode não ter acontecido apenas com o assentimento dos magnates portucalenses que o promoviam, nos quais o arcebispo de Braga se incluía, mas ainda com o apoio tácito ou talvez mesmo formal do próprio rei de Leão, Afonso VII, com quem ... numa primeira fase do seu domínio, parece ter mantido excelentes relações ...pelo menos antes da mudança do infante para Coimbra, em 1130, não se detetaram hostilidades ou problemas.
... durante o reinado de Afonso Henriques, parece-me inegável a influência determinante que os arcebispos e o seu cabido tiveram na nomeação e no tipo de chanceleres do rei. Talvez não seja uma coincidência que a maioria destes homens provenha do cabido da sé de Braga, e que possam ser relacionados de uma forma ou de outra com os meios crúzios de Coimbra, o mosteiro em cuja fundação e vida o arcebispo João Peculiar teve papel tão destacado ... pelo menos cinco dos chanceleres de Afonso Henriques saíram do cabido de Braga, e muitos dos seus notários e escribas tinham sido recrutados nos meios conimbricenses, na sé de Coimbra e no Mosteiro de Santa Cruz.
... parece provado, que os documentos da chancelaria eram guardados em Santa Cruz de Coimbra nesta primeira fase, a hipótese de que, embora os arcebispos de Braga não exercessem a chancelaria régia diretamente, deveriam ter em Santa Cruz de Coimbra um reduto de influência considerável.
Coimbra é sem dúvida o ponto focal do reinado de Afonso Henriques, quer por ser o núcleo urbano para onde o jovem infante vai transferir o centro de ações quer pelo que representa culturalmente e intelectualmente, na confluência de uma fortíssima tradição moçárabe com os representantes das novas correntes filosóficas e religiosas, encarnados nos cónegos da sé, nos crúzios de Santa Cruz de Coimbra e na influência crescente dos cistercienses de Alcobaça.
Branco, M.J. Antes da independência de Portugal. In Portugal e Espanha. Amores e desamores. Volume I. Coordenação de Matos, A.T., Costa, J.P.O. e Carneiro, R. 2015. Lisboa. Círculo de Leitores. Pg. 84, 80, 90 e 91, 93
Na verdade, algo já deveria estar mal entre o rei (D. Afonso VI de Leão) e o genro Raimundo, pelo menos em 1095, pois nesse ano o rei desloca-se em pessoa aos confins meridionais do condado, onde, quer em Lisboa e Santarém, quer em Coimbra, o encontramos a gerir o território de forma direta, ultrapassando a autoridade e a jurisdição que ele mesmo concedera a Raimundo para esse efeito. Pouco depois, o rei desmembrava a parte meridional do condado que dera a Raimundo em 1090 e depois em 1094, retirando-lhe a parte que ficava entre o Minho e o Tejo e recriando desse modo as fronteiras dos anteriores condados portucalense e conimbricense dos séculos IX e X, que agora entregava a Henrique, com a cedência hereditária do domínio sobre as regiões dos antigos condados portucalense e conimbricense, o que lhe deve ter dado largos poderes senhoriais que geriu ao modo de qualquer senhor «feudal»
... À distância a que estamos, é possível entender que Teresa não soube jogar as suas redes de aliança com a mesma habilidade do marido, e acabou por fazer perigar uma considerável parte do que Henrique conseguira assegurar para o Condado Portucalense como a posse de Coimbra e Porto a Braga, a independência perante a Galiza, a guerra de fronteira com os muçulmanos e, sobretudo, o apoio dos nobres portucalenses ... Ausente do condado na maioria do tempo que decorreu entre 1112 e 1116, encontramo-la envolvida nas questões sucessórias travadas na Galiza ... sofrendo duas investidas da irmã na fronteira galega, aliando-se com Pedro Froilaz no cerco a Urraca em Sabroso em 1116 ... Estas tréguas, que durariam três anos, obrigaram Teresa a suspender as suas ambições e a regressar ao condado ... a debilidade de que padeciam as forças militares portugueses numa altura em que os almorávidas redobravam em agressividade e força e em que Coimbra sofreria um dos mais perigosos cercos desde a conquista de D. Fernando I.
... Desde 1117, Teresa começou a usar o título de rainha e continuaria a sua política pró-galega ... nomeação de Fernão Peres de Trava como governador de Coimbra e Porto e da inoportunidade da maioria das ocasiões em que decidiu hostilizar a irmã Urraca ... resultando a maioria das suas investidas em perdas de território.
... A necessidade de afastar Teresa do Condado Portucalense para garantir a estabilidade do mesmo e até a pacificação na Galiza e em Leão deveria parecer cada vez mais evidente ... Teresa governou como senhora do Condado Portucalense desde o ano da morte de Henrique até ao seu afastamento forçado, em 1128, quando uma aliança entre os nobres destacados do seu condado, os eclesiásticos mais relevantes, o seu único filho de Henrique, Afonso Henriques e, muito provavelmente, o então já rei de Leão, Afonso VII, apoiaram uma ação militar que derrotaria a condessa-rainha e a afastaria do poder.
Branco, M.J. Antes da independência de Portugal. In Portugal e Espanha. Amores e desamores. Volume I. Coordenação de Matos, A.T., Costa, J.P.O. e Carneiro, R. 2015. Lisboa. Círculo de Leitores. Pg. 43 e 44, 54 a 56, 61 e 62
As opiniões sobre a data das muralhas de ‘Aeminium’ são diversas. Fernandes Martins atribuiu-as ao século V. Nogueira Gonçalves concluiu que a data «mais provável é a da primeira reconquista, no governo de Afonso III, no século IX, a seguir à tomada de 878». Vergílio Correia admitiu uma data visigótica. A incorporação na cerca citadina de grandes silhares romanos de pedra branca, de elementos arquitetónicos, de lápides, cistas e cipos era, em sua opinião, prova indireta da construção das muralhas numa altura em que «aflorassem ainda na terra, ou constituíssem ‘res nullius’ os edifícios de que faziam parte». «Por outro lado, acrescenta, não se encontraram, até agora, nas muralhas, pedras de ornato paleocristão ou bárbaro». Ora, Coimbra foi cidade importante na época visigótica e quatro reis visigóticos cunharam aqui moeda. Esta principalidade politica poderia explicar a fortificação da cidade. Acrescentemos que a transferência da sede episcopal de Conimbriga para ‘Aeminium’, ocorrida entre 569 e 589, isto é, por alturas da queda do reino suévico, poderia ter contribuído para a edificação das muralhas.
Estabeleça-se, porém, um paralelo com as muralhas de Conimbriga, que são, sem dúvida, da época romana. Já existiam pelo menos em 468, pois nessa data tomaram os Suevos a cidade, destruindo parte da cerca. São mesmo anteriores aos inícios do século V, pois nessa época se fez um enterramento que temos de supor, pela sua posição, anterior à muralha. Ora, silhares de boa pedra branca idênticos aos que aparecem na muralha de Coimbra, elementos arquitetónicos, inscrições, também se encontram nas muralhas de Conimbriga. Nada obsta a que as de ‘Aeminium’ sejam contemporâneas. A cronologia das muralhas romanas peninsulares é ainda um problema, mas os elementos reunidos inclinam-nos a atribuí-las a um grande plano de fortificação de Dioclesiano e Maximiniano, iniciado nos fins de século III e naturalmente continuado pelo IV … Se estas datam dos inícios do século IV, não podemos, porém, deixar de admitir reconstruções posteriores, talvez profundas nalgumas zonas.
Em diversos pontos do recinto amuralhado da cidade se tem descoberto vestígios romanos, para além do criptopórtico e do arco à Estrela … Estes materiais, dispersos em vários pontos da cidade, sugerem, embora não provem, que a área circuitada pela muralha era toda ela ocupada. Aliás, seja a muralha do século IV ou do IX, não é muito verosímil que se tenha construído com largueza, incluindo amplos espaços não habitados.
Alarcão, J. 1979. As Origens de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 36 a 39
Era o ano de 878 … segundo a contagem comum da sucessão dos tempos, ano de novecentos e dezasseis, da hispânica, que nessa época se usava.
Ano glorioso este, ano pedra angular em que assenta o teor da vida moderna da cidade e da região.
Feito de tal grandeza e que, contudo, hoje, passado um milénio e centena de anos, o seu conhecimentos nos é dado por breve nota da ‘Chronicon Laurbanense’: "Era DCCCCXVI prendita est conimbrie ad ermenegildo comité". Na era de 916 foi tomada Coimbra pelo conde Ermenegildo.
Era este conde de Portucale e Tui e procedeu por ordem do rei asturo-leonês D. Afonso III – o grande, aquele que de Oviedo veio assentar a sede do governo em Leão.
Oito palavras somente a rememorar esse facto de extraordinário alcance. Comentado singelamente pelo ‘Chronicon Gotorum’, na ementa de resenha da vida daquele rei … Coimbra, possuída pelo inimigo, fora ermada e povoada a seguir por gente vinda de acima Douro.
Ação epopeica consideramo-lo, como em todos os tempos os vencedores julgaram as suas; porém, nós, com a sensibilidade moderna, meditamos nos morticínios a seguir à tomada e na redução ao cativeiro dos moradores restantes.
… E esse período, essa primeira reconquista cristã, permaneceu por um século, até às razias de Almançor, o que na mesma ementa é comentado sumariamente: … Almançor, pois, tomou Coimbra e, como a muitos foi ouvido dizer, ficou deserta sete anos, sendo reedificada pelos ismaelitas, que a conservaram em seu poder.
Era o ano de 987, como para Montemor se daria em 990. Se foi despovoada a cidade, o território permaneceu com a gente adstrita.
… a tomada de Coimbra, leva-nos … a da restaurada diocese visigótica conimbricense, a qual tinha por limite norte a corrente do rio Douro, desde Gaia (‘Castrum Antiquum’), com o distrito de Aveiro, prolongando-se para sul do Mondego.
… a vida (em Coimbra) podia decorrer normalmente, só entrecortada das lutas domésticas que não foram pequenas e dos ataques muçulmanos na fronteira sul, porque aqui, como diz Gonzaga de Azevedo … «Coimbra, cidade de fronteira com os sarracenos, mudou frequentemente de possuidor no decurso do século X. Libertada por S. Rosendo, em 968, voltou ao poder dos muçulmanos, que a dominaram até 981, e, em 975, percorriam e despovoavam a terra, até ás vizinhanças do Douro, sem obstáculo».
Gonçalves, A. N. 1978. Evocação do XI Centenário da Primeira Reconquista Cristã de Coimbra. Separata das Actas das I Jornadas do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Coimbra, Edição do GAAC. Pg. 3 a 5
Os forais primitivos
Anteriormente conhecera Coimbra vários documentos de carater foraleiro. O primeiro com essas características, embora não se possa considerar verdadeiramente um foral, data do ano de 1085, anterior, portanto, à fundação da nacionalidade, e foi concedido por Afonso VI de Leão, do qual dependia então o território do termo de Coimbra. Em 1111, novo foral foi outorgado à cidade, dado pelo conde D. Henrique e sua mulher D. Teresa, pais de D. Afonso Henriques. E foi este, o rei fundador, que em 1179 deu a Coimbra uma nova carta de foral, que viria a ser confirmado em 1217 por D. Afonso II. Finalmente em, em 1516, um foral novo é concedido à cidade, agora pelo rei D. Manuel.
Andrade, C.S. Nota Introdutória, In Foral de Coimbra de 1516. Edição fac-similada. Coimbra, 1998, pg. 88
D. Teresa tinha-se apossado, segundo todas as possibilidades em 1116, de uma parte do território da Galiza, e com certeza era senhora de Tui e Orense no ano de 1119, em que os bispos daquelas duas dioceses seguiam a sua corte e confirmavam em Coimbra as mercês que ela fazia aos seus súbditos de Portugal. … Na assembleia de Oviedo a infanta dos portugueses tinha de certo modo definido a sua situação política relativamente a D. Urraca: a independência completa de Portugal, a sua desmembração da monarquia não estava consumada.
…
Os escritores modernos … esqueceram-se de lhe fazer justiça como rainha ou regente de Portugal … Todavia, durante catorzes anos os atos da viúva do conde Henrique mostram bem a perseverança e destreza com que buscou desenvolver e realizar o pensamento de independência que ele lhe legara. Cedendo à força das circunstâncias, não duvidava de reconhecer, a supremacia da corte de Leão para obter a paz quando dela carecia. Associando-se habilmente aos bandos civis que despedaçavam a monarquia leonesa, ia criando no meio dela para si e os seus uma pátria. Apesar das invasões de cristãos e sarracenos e das devastações e males causados por uns e por outros nos territórios dos seus estados, estes cresceram em população, em riquezas e em forças militares.
Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. II. Lisboa, Circulo de Leitores, pg.57 e 79
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