Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Conclusão do texto assinado pelo Professor Doutor Pedro Dias, publicado na revista Munda em novembro de 1981.
Até 1537, o aglomerado urbano de Coimbra manteve-se sem grandes alterações: pequenas e acanhadas ruelas que serpenteavam nas encostas, adaptando-se às construções que sempre, precediam e definiam os traçados das vias. Nunca a almedina esteve superlotada. Continuando a existir, intramuros hortas e quintais, onde se praticou a horticultura, até à atualidade. O crescimento era moderado e fez-se sem sobressaltos. Mas nesse ano, D. João III reinstalou os Estudos Gerais, na cidade e a sua fácies começou a mudar. Frei Brás de Braga, reformador do mosteiro crúzio, com o beneplácito do monarca, abriu a Rua da Sofia que viria a ser o orgulho dos conimbricenses quinhentistas, cantada mesmo. em versos latinos, por Inácio de Morais. Aí se edificaram os Colégios de S. Miguel e de Todos os Santos, de S. Bernardo, do Carmo, da Graça, de S. Pedro, de S. Boaventura e de S. Tomás, além do Convento Novo de S. Domingos e a nova igreja de Santa Justa. O frade reformador urbanizou outras áreas, como a de Montarroio. incluindo o largo que se viria a chamar Pátio da Inquisição, as ribas de Corpus Christi e das Figueirinhas, o Largo de Sansão, etc. Já antes, o Bispo D. Jorge de Almeida dera maior dignidade ao adro da Catedral, e a Camara arranjara de novo a ponte, os cais do Mondego e algumas ruelas que calcetou.
Mas foi a partir de 1537 que se operou a grande mudança. com a instalação de inúmeros colégios universitários, que todas as ordens religiosas quiseram fundar na cidade, para alojarem os seus religiosos que, em Coimbra, buscavam o Saber e os graus académicos.
Grandes edifícios, planeados por arquitetos de mérito e construídos com apreciáveis meios económicos por construtores hábeis, surgiram, em poucas décadas. em zonas desabitadas do arrabalde ou mesmo na almedina, cabendo salientar os grandes complexos da Companhia de Jesus, e de Santa Cruz.
Os próprios burgos vizinhos de Celas e Santa Clara, que tinham nascido à sombra de mosteiros, desenvolveram-se fornecendo mão de obra para os trabalhos de construção.
Em poucos anos, o número de habitantes de Coimbra duplicou, e aos 5.200 de 1527 opunham-se os 10.000 de 1570. Não eram só estudantes, mas também todo um grupo social que nascera, para garantir a alunos e mestres os serviços necessários para a sua permanência na cidade. No fim do séc. XVI a zona urbana crescera e redefinira-se, para não mais se alterar até ao final do séc. XIX. As zonas agora ocupadas, além das que já o eram em 1537, situavam-se entre o Mondego o a parte final da Rua da Sofia, nos arnados, que foram sendo conquistados para a construção e para pequenas hortas, e na encosta de Montarroio.
Terminou-se a ligação entre os adros de Santa Justa, o largo de Sansão e a Praça Velha, formando-se um aglomerado contínuo.
Largo de Sansão no final do séc. XVIII. Op. cit., pg. 6
No séc. XVII a evolução é lenta e a população aumenta gradual e sistematicamente, mas, para além de construções pontuais, algumas de grande volume, viário ou os limites da urbe não sofrem alterações, o mesmo se passando ao longo de toda a primeira metade do séc. XVIII. Em 1765 os alunos matriculados na Universidade eram já 4.629 que, juntos com os dos colégios, perfaziam o elevado número de cerca de 8.000, ou seja, metade de toda a população de Coimbra. A vocação académica da cidade mantinha-se.
Foi nesta época que o Marquês de Pombal, desejou mudar o aspeto e a estrutura da sua cidade universitária, mas dos seus planos mais não resultou que a criação da praça que hoje tem o seu nome, em terrenos e edifícios da Companhia de Jesus, onde fez levantar dois institutos universitários ao gosto da moderna Europa de além-Pirenéus. Na Quinta dos Bentos levantou também o Jardim Botânico que seria um novo polo de atração e iria fazer a ligação com novos bairros da cidade contemporânea, mas antes, ainda, no séc. XVIII, com o Seminário e o Colégio de S. José dos Marianos.
Durante o séc. XIX a cidade só aumentou o seu número de habitantes em 6.000 e ao ser implantada a República viviam aqui 29.115 almas. Foi a partir de 1880 que a fácies de Coimbra mudou e acompanhou a modernização que também Lisboa conheceu, quem sabe se não influenciada pelas obras que corriam na capital. É o momento em que a malha quinhentista rompe os seus tradicionais limites e se espalha por zonas antes desabitadas ou, quando muito, onde se implantavam algumas moradias rodeadas de quintas de pleno carácter rural.
Junto ao rio, arranjam-se as margens, sobretudo a do lado Norte, alarga-se a Portagem e a avenida e parque juntos, cujas obras se prolongam durante váriasdécadas, a partir de 1888. Aí nasce a estação de caminho de ferro e se instalam as unidades hoteleiras mais importantes da cidade novecentista. Em 1882. na Quinta de Santa Cruz, começa a abrir-se a que haveria de ser a mais larga e bela das novas artérias citadinas, hoje a Avenida Sá da Bandeira. que termina na Praça da República, local onde, já em 1901 os académicos disputavam as suas partidas de um novo desporto importado das Ilhas Britânicas: o futebol. As vias adjacentes, de traçado regular e com largura invulgar para a época. em breve servidas por transportes públicos, são projetadas e começam a ser abertas, a partir de 1889: Rua Castro Matoso, Rua Alexandre Herculano Rua Garret, etc. A ligação da Praça da República com Celas – a rua Lourenço Almeida Azevedo – inicia-se em 1893, e a vizinha Rua Tenente Valadim é traçada entre 1894 e 1903. É toda uma nova zona onde se vão levantar prédios elegantes, uma escola, na esquina da Rua da Manutenção Militar que, em 1901 vai estabelecer a ligação com Montarroio e com a Conchada, e um teatro circo, já inaugurado em 1892.
Em 1918 a zona residencial estende-se a outras áreas, sendo nesse ano regularizada a Alameda do Jardim Botânico. e dois anos depois, a região da Cumeada, com a definição da sua espinha dorsal, a Avenida Dias da Silva.
Só em meados do século. Coimbra conheceria novas alterações em alguns dos seus pontos mais centrais, multo especialmente na Alta, onde. para se construíram novos edifícios universitários, se destruíram grandes áreas de antiga ocupação. incluindo muitos edifícios notáveis, como as igrejas de S. Bento e de S. Pedro, e os Colégios dos Militares e dos Loios.
Planta da Alta com indicação das áreas destruídas, para a construção dos novos edifícios universitários. Op. cit., pg. 10
É também, por outro lado. o momento em que se constrói o primeiro bairro periférico dentro de um plano ordenado e com finalidade de alojar condignamente, em moradias. famílias de recursos médios;
Urbanização inicial do Bairro Marechal Carmona. Op cit., pg. 9
nascia assim o Bairro Marechal Carmona, ao dobrar-se o meado do século.
Dias, P. Evolução do Espaço Urbano em Coimbra. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2, pg. 5-11.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.