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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 06.04.23

Coimbra: A Tricana, outra visão 1

Ficou a dever-se a Octaviano de Sá, um historiador de Coimbra, uma visão da tricana na vivência coimbrã bem diferente daquela que nos é dada por A Soares na “Illustração Portugueza” e que temos vindo a publicar.

O artigo A Tricana no Folclore Coimbrão, inicialmente publicado em O Instituto, edição de 1942, deu lugar, ainda no mesmo ano e por iniciativa da Comissão Municipal de Turismo, a uma separata.

Estamos perante um trabalho de investigação histórica, em que o autor faz uma recolha e uma análise profunda do tema, despido de opiniões que as não decorrentes da investigação realizada.

A tricana no folclore coimbrão. Octaviano de Sá

Imagem acedida em http://www.livro-antigo.com/autor/sa-octaviano/

Desse texto aguçamos o interesse dos nossos leitores, através dos seguintes trechos do mesmo.

 «A Tricana», figura característica para o chamado «panorama coimbrão»; as cantigas os versos de inspiração vindos às suas gargantas • de oiro; e o bailar, inquieto, vivo e gracioso, interpretativo das canções próprias dos folguedos sãojoaninos.

Daqui resulta, naturalmente, um aspeto próprio, a caracterizar um povo ou um sector duma região.

Tricana de Coimbra. Imagem não identificada.jpg

Tricana de Coimbra. Imagem não identificada

 A figura singular da Tricana e os seus cantares são, pois, tema agradável e impressionante, para o qual procuro certa largueza sem a pretensão de esgotar um assunto de si dilatadamente vasto, mas simples contributo, por sinal de mera curiosidade, uma expressão bem admirável, bem distinta, desse ambiente popular.

Procuro fixar como seu determinante aqueles pontos que constituem alguns fundamentos do «folclore». Na definição de Saintyves, no seu magnífico livro «Manual de Folclore», este «é a ciência da tradição popular».

Será, pois, baseado nessa tradição e nos muitos depoimentos daqueles que se lhe referiram, que vão ser tratados os seguintes aspetos do folclore coimbrão ligados com a etnografia e a canção popular:

- O trajo das Tricanas.

- As Fogueiras de S. João.

Como subsídios para tais factos, indicarei algumas produções literárias, prosa e verso, de inspiração dessas moças, e trabalhos artísticos onde se admira o vestuário das Tricanas, o modelo maravilhoso que tem sido para pintores e escultores.

As Fogueiras de S. João são também o melhor e mais completo e sempre admirado aspeto da tradição popular desta terra.

Assim orientado este programa, começarei por apreciar a indumentária da nossa Tricana.

Borges de Figueiredo, no livro - «Coimbra antiga e moderna» - dá-nos uma impressão do trajo feminino nesta cidade pelas alturas de 1858 para 1859.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit.,, pg. 563.jpg

 Usavam então mantilha as mulheres da classe média, com este feitio, no seu dizer: — «Cumpunha-se duma tira de papelão grosso arqueada e convenientemente coberta de fazenda preta, colocada sôbre a cabeça e segura sob o queixo por fitas, caía o pano preto exterior pelas costas e peito a modo de manteo».

Por essa época havia, no entanto, outro trajo mais do povo, porque este era das damas do high-life — quem não trajava mantilha, tinha de pôr o capote de cabeção e o lenço de cambraia muito branco e muito gomado. O bico formado atrás da cabeça pelo lenço era a perfeita antítese do bico da mantilha.

O professor e arqueólogo ilustre sr. dr. Vergílio Correia, em quatro artigos -  «Sôbre o trajo regional» - no «Diário de Coimbra», trata o caso com admirável ciência e conhecimento.

…. Comenta tão erudito Mestre - «Que diferença entre a mulher, do campo e da cidade, de mantilha e tricana, e a tricana do século XIX!».

E na sua opinião - «Indubitavelmente mais graciosa, esta última, o exemplo pode servir para mostrar que a evolução do trajo popular se tem feito, em geral, no sentido da perfeição e da simplificação».

 

Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

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por Rodrigues Costa às 10:55

Sábado, 24.12.16

Coimbra: Coimbra antiga e moderna, um livro a ler 2

Guardei para as vésperas deste Natal, dois textos que Borges Figueiredo publicou, nos finais do século XIX, no seu livro Coimbra Antiga e Moderna.

São belo poema de amor a Coimbra escrito por um Coimbrinha como o são – por nascimento ou adoção – aqueles que vão tendo a paciência de ler os escritos que vou respigando das minhas leituras.

É esta a minha prenda de Natal esse e todos esses e os demais Coimbrinhas.

Feliz Natal

Rodrigues Costa

 

Uma vez na «gare», no meio de grande multidão de pessoas apressadas, que se cruzavam em todas as direcções, acottovelando-se, empurrando-se, batendo com as malas nas pernas dos que encontravam, senti eu uma pequena mão, lenta, que me produziu, ao contacto com a minha, a mesma impressão que me produziria o corpo d’uma cobra, animal que me repugna tanto como repugnava a Virgílio.

Ao mesmo passo que a mão alheia buscava tirar da minha a pequena mala que segurava, uma voz branda e insinuante, evidentemente de pessoa de humilde condição, mas que tinha a graciosa entoação e a correção da pronuncia que só possue o filho de Coimbra, uma voz me dizia:

- «Senhor doutor!» quer que lhe leve a mala? «Senhor doutor!»

Apezar de eu não ter a honra de ser «senhor doutor» (nem mesmo senhor bacharel, embora isto não venha para o caso). Fiquei logo tão convencido de que o rapaz falava commigo, como se elle me houvesse chamado pelo meu nome. E a razão d’isto é extremamente simples: todos em chegando a Coimbra são doutores, ou porque julgam sel-o ou porque lh’o chamam. O moço de fretes, o gaiato, a aguadeira, a servente d’estudantes, seja qual fôr a pessoa «limpa» a quem dirijam a palavra, distinguem-na com o título de «senhor doutor».

Conta-se, valha a verdade, que uma das vezes em que foi a Coimbra o rei D. Pedro V, indo vêr o jardim, succedeu que uma boa velha conseguiu estender a mão, por entre os cortezãos que acompanhavam o soberano, e pedira uma «esmolinha pelo amor de Seus». Os cortezãos, que passam todo o dia a pedir, senão com a bocca ao menos com os olhos, «esmolas» a seu amo, acharam um procedimento inaudito que a pobre mendiga lhe pedisse uma «esmolinha», e fizeram movimento de afastal-a. D. Pedro V, porém, deteve-os com um gesto e, tirando uns «ouros» (os reis não dão «cobres»; ou dão ouro ou não dão nada), depôl-os elle mesmo na mão tremula da velha, que lhe disse, com as lagrimas nos olhos e na voz:

- Muito obrigada, «senhor doutor».

Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 2-3


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por Rodrigues Costa às 10:20

Sexta-feira, 23.12.16

Coimbra: Coimbra antiga e moderna, um livro a ler 1

Caros Amigos

Guardei para as vésperas deste Natal dois textos que Borges Figueiredo publicou, nos finais do século XIX, no seu livro Coimbra Antiga e Moderna.

São um belo poema de amor a Coimbra escrito por um Coimbrinha como o são – por nascimento ou adoção – aqueles que vão tendo a paciência de ler os escritos que vou respigando das minhas leituras.

É esta a minha prenda de Natal esse e todos esses e os demais Coimbrinhas.

Feliz Natal

Rodrigues Costa

 

Coimbra – a lusa Athenas dos literatos, a rainha do Mondego dos poetas, antiga côrte portugueza dos historiadores, a cidade universitaria de Portugal, como adesignam os estrangeiros, - Coimbra é a cidade mais bella da patria de Camões, é aquella a que está ligado maior numero de nossas memorias gloriosas.

Se todo aquelle que durante algum tempo alli demorou, mórmente na mocidade, conserva d’ella uma indelevel recordação, quem a teve por patria quer-lhe muito, embora por apprehensão ou systema deixe de manafestal-o.

Eu não nego, nem alardeio, a minha affeição por Coimbra, mas declaro que, após muitos anos de auzencia, tive desejos de rever a terra natal. E, para que esses desejos se não convertessem naturalmente em nostalgia, parti para a cidade do Mondego, deliberado a passar lá alguns dias.

Embora sempre em mim produza somnolencia o «zum-tum» do comboio, não cerrei os olhos em toda a viagem; e, talvez por isso, pareceu-me o caminho tão longo... tão longo como a um deputado parece o caminho que leva a ministro.

Finalmente soou o aviso que indicava estarmos proximos de Coimbra; e, alongando eu a vista por entre os salgueiros do rio, onde algumas lavadeiras se entregavam a seu labor nas ilhotas de areia dourada, reconheci essa pinha de casas, a cuja alvura de cal davam os raios do sol poente uma côr graciosa, e em cujas vidraças elles se reflectiam, fazendo-as parecer enormes carvões ardentes.

Confesso francamente, embora isso faça sorrir maliciosamente o leitor, que uma certa melancolia se apoderou de mim n’aquelle momento. É que me assaltaram então mais vivas as doces lembranças  as dolorosas recordações, succedendo-se e combatendo-se à porfia, deliciando-me ou maguando-me o coração...

Mas já o rio tinha sido transposto; atravessáramos uma floresta de elevados salgueiros e copados eucalytos; parára a locomotiva em frente da estação.

Eu que antigamente, quando visitava Coimbra, encontrava logo um rosto amigo cujos olhos me procuravam ansiosos, ou ao menos um semblante conhecido, não vi pessoa alguma que me trouxesse á lembrança o tempo antigo.

Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 1-2

 

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por Rodrigues Costa às 10:17


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