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No Centro Dr. José Falcão, à Praça Velha, havia sessão permanente, em que se discutia, normalmente com veemência, tudo o que as novas autoridades republicanas faziam. Alguns dos filiados recentes – em que se contavam antigos monárquicos, convertidos de fresco à República – eram os discursadores mais acalorados. Ao contrário de Fernandes Costa, que, com o seu temperamento calmo, fazia por ignorar as atividades do Centro, Belisário Pimenta entendia que havia ali gente de “pouco senso”, convencida que “aquilo já não era o velho Centro Eleitoral, mas sim uma verdadeira Convenção”. Era sobre ele, na sua condição de Comissário, que recaíam os dissabores que resultavam do aventureirismo ali estimulado. Por sugestões saídas das exaltadas sessões do Centro, faziam-se assaltos à mão armada, arrombavam-se portas, faziam-se buscas – como aconteceu na Quinta de São Jorge, propriedade de um velho republicano do Porto, na Quinta das Varandas e na da Malavada –, tudo sem qualquer fundamento, mas sempre com o pretexto de se procurarem jesuítas escondidos. Naquelas semanas, em que se viveu numa atmosfera de suspeição e de balbúrdia, chegavam constantemente ao Comissariado informações que denotavam preocupação com uma eventual atividade conspirativa de monárquicos. Eles, que não se haviam de resignar à derrota, favorecidos pela benignidade do novo regime, pareciam já refazer-se da surpresa.
... Belisário Pimenta, num ou noutro caso, mandava vigiar os denunciados, mas, em geral, os avisos não tinham consistência e as averiguações não alcançavam resultados. Não podia confiar tais serviços à Judiciária – a polícia da secreta, como era geralmente conhecida –, constituída por homens vindos da Monarquia e, quase todos, ali colocados por monárquicos influentes. Encarregava das tarefas de vigilância “certos rapazes considerados republicanos sérios” ... Mas até estes lhe mereciam algumas reservas: as suas informações pareciam-lhe, muitas vezes, francamente fantasiadas.
No dia 16, ao fim da tarde, Belisário Pimenta foi procurado ... nessa noite ou na manhã seguinte, a Falange Demagógica iria deitar umas bombas na Universidade, “para acabar com aquilo”. A Falange Demagógica era um grupo aguerrido de estudantes anarquistas ... Ao ouvir que os estudantes escalariam as grades da Porta de Minerva e derramariam petróleo para incendiarem a Biblioteca e a Secretaria, reagiu vivamente...tranquilizou, dizendo-lhe que isso era apenas um desejo que não concretizariam, porque o grupo só queria meter um susto aos professores da Universidade ... naquela tarde na Universidade: foram lançadas bombas nos urinóis, ao fundo do corredor da capela; no vestiário dos professores, foi tudo desarrumado e foram levadas algumas borlas doutorais; na Sala dos Capelos, foram dados tiros no retrato de D. Manuel II, que foi também atingido por uma faca, que lhe causou um rasgão na tela; e foram destruídas as cátedras solenes das aulas.
... Num dos primeiros dias de Novembro, tomou posse como Governador Civil o Dr. Cerqueira Coimbra ... Terminada a cerimónia da tomada de posse do novo Governador Civil, Belisário Pimenta apresentou-lhe o seu pedido de demissão ... a sua presença no Comissariado se vinha tornando pouco desejada por alguns republicanos “vejo-me obrigado a ir embora, antes que a tal vox populi [a mesma que correu em 6 de Outubro, anunciando que ele seria nomeado Comissário] me ponha fora. E com motivos: eu não encontrei conspiração alguma, nas buscas realizadas, que fornecesse talassas para a cadeia ou até, quem sabe, para a forca; eu não mandei prender todo e qualquer indivíduo que coerentemente manifestasse desagrado à República […]; eu lançava baldes de água fria sobre a chama ardente do entusiasmo jacobino. […] julgo do meu dever ir embora. […] É um lugar sobre o qual caem as mais violentas e desencontradas opiniões, de forma que é de um equilíbrio, se não impossível, pelo menos difícil como todos os diabos. […].”
Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 63 a 69
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