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Entretanto, em 1872, com o avultar das obras relativas à viação municipal e pretendendo encetar a reforma de toda a frente ribeirinha, o município, encabeçado, por Lourenço de Almeida Azevedo, consciente do papel dos engenheiros nas reformas urbanas abriu um concurso para contratação do primeiro engenheiro municipal. No ano seguinte foi contratado António José de Sá, responsável pelo Plano de Melhoramentos do Largo da Portagem e das margens, mas que abandonou o lugar no ano seguinte.
Dois anos depois, novamente com Lourenço de Almeida Azevedo na presidência, deliberou-se contratar um novo engenheiro municipal, Alexandre Simões da Conceição a fim de estudar o projeto para um novo edifício dos Paços do Concelho, demolindo parte do antigo Mosteiro de Santa Cruz. A obra foi muito contestada pela imprensa local que reclamava contra o seu elevado custo e contra a destruição de um edifício histórico, mas para além das polémicas teve um processo problemático, com as obras a iniciarem-se antes da aprovação do projeto e com sucessivas alterações que aumentaram em muito os custos e as dificuldades da obra. Não obstante, no dia 13 de agosto de 1879, a vereação reuniu pela primeira vez no novo edifício, mas as obras arrastam-se até 1886.
No entanto esta intervenção, quer pela contestação que enfrentou, quer pelos avultados empréstimos que requereu, preconizou uma mudança de atuação do município, consciente da necessidade de se apoiar em técnicos para conduzir corretamente o desenvolvimento da cidade.
Plano de Melhoramentos da Quinta de Santa Cruz
Na mesma época, e firmando a consciência de planear com recurso aos novos meios e conhecimentos técnicos, foi mandada elaborar a Planta Topographica da Cidade de Coimbra. Executada entre 1873 e 1874 e desenhada à escala 1:500 em 19 lâminas de grandes dimensões (0,80x 1,25), constituiu o primeiro trabalho de cartográfica científica de Coimbra (Fernandes, 2011: 7), e até à década de 30 do século XX foi a base de todo o planeamento e intervenção na cidade.
Fig. 8. Composição da autora de 8 das 19 folhas que compõem a Planta Topographica da Cidade deCoimbra, por Francisco e Cesar Goullards
Como referimos, em 1843, a abertura da rua de ligação entre a Alta e a Baixa, atravessando o Pátio de Santa Cruz e o Vale da Ribela, ultrapassou pela primeira vez os limites seculares do antigo Mosteiro Crúzio. Depois desta rua foi implantado o Cemitério na Quinta da Conchada, para lá da cinta das antigas cercas e começou timidamente a urbanização do Montearroio em direção ao cemitério, mas à parte deste reduzido crescimento a cidade mantinha-se densamente concentrada na Baixa e na Alta. A referida estrada, aberta com 24 palmos para a circulação de carruagens entre a Baixa e a Alta, mantinha-se limitada pela Quinta de Santa Cruz, adquirida por um particular e pela cerca dos Jesuítas, entregue aos Hospitais da Universidade, não deixava antever qualquer possibilidade de crescimento urbano.
Foi o Presidente Lourenço de Almeida Azevedo quem anteviu a importância estratégica que a Quinta de Santa Cruz detinha, articulando a Alta e a Baixa, com uma área superior a qualquer um dos antigos bairros, e iniciou o processo para a compra e urbanização da Quinta.
Lourenço Almeida Azevedo
Para além da ligação entre a Alta e a Baixa, o plano esboçado pelo presidente previa o alargamento do mercado D. Pedro V, a construção do novo matadouro, a construção do troço da estrada real nº 48 entre Celas e a Baixa, a criação de um Jardim público e de um jardim-de-infância, um espaço para a Feira de Santa Clara e para a feira anual de S. Bartolomeu e, finalmente, aproveitar as águas da Quinta para o abastecimento de água da cidade.
Mas o processo não foi linear. O município, perante um investimento tão avultado, solicitou a expropriação da Quinta em fevereiro, mas no mês seguinte temendo que a mesma não fosse enquadrada no decreto de lei de 11 de maio de 1872, requereu antes autorização para aumentar o valor do empréstimo a contratar e concorrer à compra da Quinta.
Calveiro, M.R. Apropriação e conversão do Mosteiro de Santa Cruz. Ensejo e pragmatismo na construção da cidade de Coimbra. In: Cescontexto, n.º 6, Junho 2014. Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Pg. 227-240. Acedido em
A implantação dos novos equipamentos nos terrenos do extinto Mosteiro de Santa Cruz
Desde 1836 que as várias repartições públicas e a câmara municipal tinham sido instaladas no antigo mosteiro, mas faltava instalar o mercado e, em 1840, algumas vendedeiras foram transferidas para o Pateo de Santa Cruz. Esta medida foi mal aceite pelas próprias vendedeiras, que contestavam a localização fora dos circuitos habituais de circulação da cidade e marcou o início de uma acesa discussão sobre a localização dos modernos equipamentos públicos.
Efetivamente, se, por um lado, a opção de reutilizar os edifícios desocupados pelas ordens religiosas era sustentada por razões de economia e de rentabilização do Património do Estado, por outro, a reforma e o saneamento do denso tecido urbano existente só seria viável com a implantação destes novos equipamentos.
Fig. 5. Planta da autora com a indicação, a verde, da localização da Horta de Santa Cruz e a laranja a localização do Largo da Sota.
Neste sentido, o processo de construção do Mercado Municipal constitui o melhor exemplo do confronto entre a estratégica pragmática da Câmara Municipal e os desejos de progresso e modernidade idealizados pela população, que se opunha ao aproveitamento dos terrenos da Horta de Santa Cruz, cedidos ao município em favor da reforma e alteamento do Largo da Sota, no interior da baixa e junto às entradas da cidade, do cais das Ameias e do Largo da Portagem.
O primeiro estudo elaborado pelo município concluía que a hipótese de implantação no Largo da Sota, pelas vultosas expropriações e pelo alteamento de toda a área, correspondia a um aumento de cerca de 30% dos custos da construção do mercado na Horta de Santa Cruz. Pese embora este acréscimo de custos, esta seria a oportunidade de ouro para se proceder à reforma urbanística da Baixa, alteando o solo e rasgando novas ruas, saneando, assim, o antigo tecido insalubre. Tudo isto explica as hesitações do município e o tempo longo até à decisão final, contudo as debilidades financeiras do concelho acabaram por ditar a solução e as obras na Horta de Santa Cruz iniciaram-se em outubro de 1866, sendo o novo Mercado D. Pedro V inaugurado no dia 17 de novembro do ano seguinte.
Fig. 6 e 7. Planta de reconstituição da autora, com a implantação do Mercado D Pedro V. Fotografia do final do século XIX do antigo mercado. Imagoteca/Câmara Municipal de Coimbra
Para além do mercado, também a implantação do matadouro, aproveitando um antigo palheiro do Mosteiro de Santa Cruz, gerou controvérsia. Era apontada a precaridade da construção, que obrigou a várias intervenções de reparação e a reduzida distância à povoação, não cumprindo os padrões de salubridade. A partir de 1866 apontou-se mesmo a necessidade urgente de construir um novo edifício noutro local, conduzindo, na década de 1880, à compra de um terreno junto ao Rio, mas a necessidade de grandes aterros foi sucessivamente adiando a construção e mantendo o existente.
A segunda metade do século XIX correspondeu a um período de forte transformação na cidade. Primeiro chegou a Mala-posta que em 1855 ligava a cidade ao Carregado, depois instalou-se a iluminação a gás em 1856, seguiram-se os equipamentos sanitários, como o cemitério construído no Alto da Conchada inaugurado em 1860 e a transferência do Hospital da Conceição para o Colégio das Artes em 1857, a primeira operação de reforma urbanística, que decorreu entre 1858 e 1866 e correspondeu ao alargamento da antiga rua de Coruche e os aterros e regularização dos cais do Mondego que começaram a ser construídos com consistência a partir de 1872 e 1873, ao mesmo tempo que se construía a nova ponte de ferro.
Neste quadro de modernização, o município revelou a vontade de construir um novo edifício para albergar a Câmara Municipal e, em 1869, solicitou à Rainha a autorização para encarregar a Direção de Obras do Distrito dos estudos necessários, mas o pedido foi recusado, lembrando a criação no ano anterior da Repartição Distrital de Obras Públicas, dependente dos cofres do concelho e a ideia foi adiada.
Calveiro, M.R. Apropriação e conversão do Mosteiro de Santa Cruz. Ensejo e pragmatismo na construção da cidade de Coimbra. In: Cescontexto, n.º 6, Junho 2014. Coimbra, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Pg. 227-240. Acedido em
O conde do Ameal, Dr. João Maria Correia Aires de Campos, após a morte de seu pai, resolveu mandar construir, no cemitério da Conchada, um mausoléu condigno, de acordo com o seu estatuto social e com a fortuna pessoal que detinha.
Jazigo dos Condes do Ameal
… Embora seja, normalmente, atribuída a paternidade do edifício ao escultor [Costa Mota (Tio)] e até eu mesma já o tenha, com base nas notícias da época, escrito, a verdade é que atualmente perfilho outra posição.
O arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto que nasceu em Lisboa a 7 de Maio de 1865, projetara, em 1892, de parceria com Costa Mota, o monumento a Afonso de Albuquerque que se ergue em Lisboa na antiga praça de D. Fernando, hoje chamada do Império.
Jazigo e monumento
… Parece-me lícito pensar que Silva Pinto, ao mesmo tempo que traçou a silhueta do monumento lisboeta, embora a estudar em Paris, tenha projetado o jazigo que Costa Mota se encarregou de acompanhar na sua execução.
… Como quer que seja perece-me, até pela proximidade cronológica existente entre o projeto do monumento a Afonso de Albuquerque (1892) e a feitura do panteão conimbricense (1893), que não é descabido atribuir a autoria do neogótico jazigo dos condes ao lápis de Silva Pinto.
A capela tumular, “feita de pedra lioz de primeira qualidade, dos jazigos de Pero Pinheiro” custou ao seu proprietário 20 contos de réis, acrescidos de mais dois que se destinavam a custear a compra do terreno. Situa-se numa verdadeira praceta, como não há outra em todo o cemitério e é visível não só dentro do recinto, como também de vários pontos da cidade. O local de implantação do moimento no recinto foi escolhido bem de acordo com os teres e haveres do proprietário e com a sua condição social.
Capela com “o primeiro corpo em fórma de prisma octogonal” apresenta uma “cupula em pyramide, terminada por uma figura, representando a religião, de 2,m60 de altura”. O pórtico central devia ter (mas não tem), “duas figuras, terminando com um frontão, encimado com uma cruz. Desde a base até á cabeça da figura da religião mede 17 metros e meio”. O jazigo, no seu todo, mostra uma filiação muito próxima da batalhina Capela do Fundador sobretudo a partir do segundo piso e tendo em conta a inexistente, na atualidade, agulha terminal.
António Augusto da Costa Mota, nos primeiros dias de novembro de 1893 deslocou-se a Coimbra para tratar de assuntos relacionados com a construção do grande mausoléu que “será uma obra prima no seu genero em Portugal” e deixou encarregado de, na sua ausência, dirigir os trabalhos, o arquiteto Júlio César Bivar.
Jazigo dos Condes do Ameal. escultura
Jazigo dos Condes do Ameal, porta
Jazigo dos Condes do Ameal, esculturas da porta
Jazigo dos Condes do Ameal, interior 1
Jazigo dos Condes do Ameal, interior 2
Jazigo dos Condes do Ameal, interior 3
Jazigo dos Condes do Ameal, interior 4
Anacleto, R. Catálogo. In: O Neomanuelino ou a reinvenção da arquitetura dos descobrimentos. 1994. Lisboa, Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos portugueses. Pg. 198-199
Tags: Coimbra séc. XIX, Cemitério da Conchada, Jazigo dos condes do Ameal
A Senhora Professora Doutora Regina Anacleto vai voltar a realizar uma visita guiada ao Cemitério da Conchada, na próxima terça-feira, dia 9 de abril, às 15h00.
Esta visita, com a duração prevista de uma hora, foi solicitada pelo Delegado da Servilusa em Coimbra, estando aberta a todos os que nela queiram participar, não sendo necessária inscrição prévia.
O programa da visita é o seguinte:
- Concentração dos participantes no jardim fronteiro à porta principal do cemitério da Conchada.
- Breve exposição: o culto dos mortos ao longo dos tempos e o estabelecimento dos cemitérios em Portugal; as particularidades do cemitério da Conchada; projeto inicial e aumentos.
- Percurso:
1. Portão principal: Anjo da Paz Eterna (Autor: Daniel Rodrigues, 1941)
Cemitério da Conchada Portão
2. Jazigo modernista da Família Brinca Esteves. Anjo (Autor: Ana de Gonta Colaço, 1950)
3. Jazigo neomanuelino da Família de Francisco Mendes da Silva (Alberto Caetano, 1924)
4. Jazigo dos condes das Canas. [Jazigo subterrâneo ou mausoléu de mármore (1865) transformado depois de 1879 em mausoléu-capela]
5. Jazigo neorrenascença de António José de Moura Basto (João Machado, 1898)
6. Jazigo neorromânico da Família de Antonio José Gonçalves Neves (João Machado, 1896)
Cemitério da Conchada jazigo
7. Jazigo neogótico do Arcediago José Simões Dias e sua Família (J. C. Correa e C.ª (Primos) / 20 Rua do Corpo Santo 22 / Lisboa)
8. Jazigo da Família de Daniel Rodrigues (porta do jazigo: Daniel Rodrigues, 1938)
9. Jazigo neobarroco de José Barata da Silva (sem autor e sem data)
10. Jazigo arte nova de Evaristo Lopes Guimarães (João Machado, 1905)
11. Jazigo arte nova “À nossa Zira”. Família de Augusto F. Carvalho e Esposa Adelaide Eliseu Carvalho (Santos, Filho, 1931)
12. Mausoléu arte nova da Família Mattos Sobral Cid (João Machado, 1914)
13. Monumento funerário de homenagem a António Augusto Gonçalves (busto da autoria de Costa Mota, sobrinho) [depois de 1932, ano em que AAG morreu]
14. Arqueta neogótica da filha de Marques Ribeiro (João Machado, 1917)
15. Jazigo neoegípcio de João Jacintho da Silva Corrêa (João Machado, antes de 1925)
16. Jazigo neogótico dos condes do Ameal (Silva Pinto/Costa Mota Tio. c. 1890)
17. Jazigo neorrenascença de Maximino Augusto da Cunha (João Machado, 1915)
18. Jazigo neomanuelino de Luís de Sousa Gonzaga (José Barata, depois de 1921)
Cemitério da Conchada jazigo
19. Jazigo neoclássico de Maria do Céu (Medalhão de João da Silva, 1933)
20. Mausoléu de João Machado [1862-1925] (João Machado, Filho (?), depois de 1925)
Nota: O autor da peça e a data da sua execução vai indicado entre parenteses
A Senhora Professora Doutora Regina Anacleto vai voltar a realizar uma visita guiada ao Cemitério da Conchada, na próxima terça-feira, dia 9 de abril, às 15h00.
Esta visita, com a duração prevista de uma hora, foi solicitada pelo Delegado da Servilusa em Coimbra, estando aberta a todos os que nela queiram participar, não sendo necessária inscrição prévia.
O programa da visita é o seguinte:
- Concentração dos participantes no jardim fronteiro à porta principal do cemitério da Conchada.
- Breve exposição: o culto dos mortos ao longo dos tempos e o estabelecimento dos cemitérios em Portugal; as particularidades do cemitério da Conchada; projeto inicial e aumentos.
- Percurso:
1. Portão principal: Anjo da Paz Eterna (Autor: Daniel Rodrigues, 1941)
2. Jazigo modernista da Família Brinca Esteves. Anjo (Autor: Ana de Gonta Colaço, 1950)
3. Jazigo neomanuelino da Família de Francisco Mendes da Silva (Alberto Caetano, 1924)
4. Jazigo dos condes das Canas. [Jazigo subterrâneo ou mausoléu de mármore (1865) transformado depois de 1879 em mausoléu-capela]
5. Jazigo neorrenascença de António José de Moura Basto (João Machado, 1898)
6. Jazigo neorromânico da Família de António José Gonçalves Neves (João Machado, 1896)
7. Jazigo neogótico do Arcediago José Simões Dias e sua Família (J. C. Correa e C.ª (Primos) / 20 Rua do Corpo Santo 22 / Lisboa)
8. Jazigo da Família de Daniel Rodrigues (porta do jazigo: Daniel Rodrigues, 1938)
9. Jazigo neobarroco de José Barata da Silva (sem autor e sem data)
10. Jazigo arte nova de Evaristo Lopes Guimarães (João Machado, 1905)
11. Jazigo arte nova “À nossa Zira”. Família de Augusto F. Carvalho e Esposa Adelaide Eliseu Carvalho (Santos, Filho, 1931)
12. Mausoléu arte nova da Família Mattos Sobral Cid (João Machado, 1914)
13. Monumento funerário de homenagem a António Augusto Gonçalves (busto da autoria de Costa Mota, sobrinho) [depois de 1932, ano em que AAG morreu]
14. Arqueta neogótica da filha de Marques Ribeiro (João Machado, 1917)
15. Jazigo neoegípcio de João Jacintho da Silva Corrêa (João Machado, antes de 1925)
16. Jazigo neogótico dos condes do Ameal (Silva Pinto/Costa Mota Tio. c. 1890)
17. Jazigo neorrenascença de Maximino Augusto da Cunha (João Machado, 1915)
18. Jazigo neomanuelino de Luís de Sousa Gonzaga (José Barata, depois de 1921)
19. Jazigo neoclássico de Maria do Céu (Medalhão de João da Silva, 1933)
20. Mausoléu de João Machado [1862-1925] (João Machado, Filho (?), depois de 1925)
Nota: O autor da peça e a data da sua execução vai indicado entre parenteses
Folheando, tempos atrás, dois catálogos impressos aquando da realização de exposições de fotografias antigas de Coimbra, pertencentes à coleção de Alexandre Ramires, escolhi, de entre muitas que ali observei, três que me pareceu interessante divulgar.
A primeira diz respeito à Sé Velha e foi retirada de Revelar Coimbra. Os inícios da imagem fotográfica em Coimbra. 1842-1900, Lisboa, Instituto Português de Museus, 2001, imagem 48.
Sé Velha antes do restauro
A vetusta catedral conimbricense encontrava-se em franca deterioração e António Augusto Gonçalves, a alma, o mestre, o mentor da Escola Livre das Artes do Desenho tudo fez para que uma intervenção de fundo, capaz de preservar as velhas pedras de séculos, se viesse a concretizar.
As obras iniciaram-se a 30 de janeiro de 1893 e o portal principal foi intervencionado, já em 1898, por José Barata, que se encarregou de esculpir as colunas e por João Machado que tomou sob a sua responsabilidade o trabalho das almofadas. Eram dois artistas formados pela referida Escola e que integravam aquela “plêiade de rapazes que começavam a fazer lembrar a idade áurea da Coimbra artística do século XVI”.
A imagem leva-nos ainda a reparar na atual falta de harmonia existente no edifício, resultado do desaparecimento do terraço. Gonçalves reduziu a área desta plataforma e os Monumentos Nacionais, na reforma levada a cabo em meados da centúria de XX, sumiram-na. Filosofias de restauro mais do que discutíveis que não cabe aqui analisar.
Uma chamada de atenção para a torre sineira, um acréscimo à construção primitiva, que albergava o chamado sino balão, levado para a Sé Nova e a existência de dois janelões laterais também abertos nas grossas paredes dos inícios. No interior da Sé acolhiam-se indivíduos fugidos à justiça régia, os homiziados, pois ali, tal como na zona das lajes, isto é no terraço que circundava o templo, existia o chamado “direito de asilo”.
A segunda imagem refere-se à Praça de Sansão, atual Praça 8 de maio e foi retirada de Passado ao espelho. Máquinas e imagens das vésperas e primórdios da photographia, Coimbra, Museu de Física da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006, p. 60.
Praça de Sansão mercado
A Praça de S. Bartolomeu, Praça Velha ou Praça do Comércio era um dos locais onde, em Coimbra, se realizavam as trocas e a venda de produtos. A partir do momento em que este espaço se tornou exíguo para responder às necessidades da população aeminiense, a comercialização, sobretudo de aves e de grãos, transferiu-se, num primeiro momento, para a Praça de Sansão, atual 8 de maio. Posteriormente este “mercadinho” deslocou-se para a zona fronteira à esquadra da PSP e, e depois de 1867, instalou-se definitivamente mercado D. Pedro V.
À direita, a igreja de S. João, paroquial da freguesia de Santa Cruz (atual café), já se encontrava desativada, fora desamortizada e ali funcionava, ao tempo, um Armazem de Tecidos.
A fotografia é anterior a 1876, porque nesse ano se iniciou a construção do edifício da Câmara Municipal de Coimbra que aniquilou a parte esquerda do mosteiro, ainda intacta na imagem.
A terceira imagem que nos chamou a atenção é uma “Panorâmica de Coimbra” e encontra-se no catálogo Revelar Coimbra…, imagem 14.
Vista geral, 1860 c.
A foto, da autoria de Alfred Fillon, foi tirada c. de 1860. Numa rápida amostragem diremos que nela se pode ver, à direita, a ponte de pedra sobre o rio Mondego, o Largo da Portagem, a zona da Universidade com o Observatório Astronómico, riscado por Manuel Alves Macomboa, erguido na extremidade do Pátio e o complexo que pertencera outrora aos Jesuítas; mais para a esquerda fica a Torre de Anto, o Colégio da Sapiência e a Torre dos Sinos do mosteiro de Santa Cruz.
Visível ainda na imagem a Rua da Sofia com alguns dos seus muitos colégios e, mais em cima, uma estranha estrutura que deve ser constituída por muros da cerca de alguns colégios e suportes murados a formar socalcos que suportavam um frondoso olival outrora ali existente.
Como divulgamos no passado dia 1, a petição referida em epígrafe foi nesse dia enviada à consideração das Entidades diretamente envolvidas.
Informamos que:
- No passado dia 2, recebemos do Senhor Vereador Dr. Carlos Cidade, responsável pela área dos cemitérios, um email a informar que era do seu conhecimento estar em curso o processo de classificação do cemitério da Conchada.
Jazigo de Evaristo Lopes Guimarães
- Hoje recebemos da Direção Regional da Cultura do Centro um email do seguinte teor:
Relativamente ao assunto em epígrafe, informa-se V. Exª.s que, efetivamente, o conjunto do Cemitério da Conchada, de acordo com a área delimitada em planta, se encontra em vias de classificação por despacho de 2015.03.16 do Exº. Senhor então Diretor-Geral do Património Cultural, conforme publicação em Diário da República (Anúncio nº. 70/2015, publicado em DR, 2ª. série, nº. 78, de 22 de abril de 2015).
Desta forma, e atendendo ao valor patrimonial do referido conjunto, ao ser determinada a abertura do procedimento de eventual classificação pela DGPC, foi considerado que o processo em questão deveria prosseguir no sentido de uma eventual classificação de valor nacional (conjunto de interesse nacional/monumento nacional – MN, ou conjunto de interesse público - CIP).
O processo encontra-se em fase final da instrução processual, nomeadamente para definição das restrições estipuladas no artigo 54º do Decreto-Lei nº. 309/2009, de 23 de outubro, e para a eventual ponderação da fixação de uma zona especial de proteção (ZEP), caso seja considerada indispensável para assegurar o enquadramento arquitetónico, paisagístico, a integração urbana e as perspetivas de contemplação.
Ao dispor para eventuais esclarecimentos, com os melhores cumprimentos
Congratulamo-nos com o facto de o processo de classificação estar em curso e desejamos que o mesmo seja rapidamente concluído.
Os Promotores
Um outro artista do ferro, que não pode deixar de merecer uma referência específica é Daniel Rodrigues que nasceu a 26 de Março de 1886 no Largo das Ameias, em Coimbra, terra para onde os seus pais, oriundos de Penacova e de Figueira de Lorvão se haviam transferido.
... Iniciou a sua aprendizagem numa oficina de serralharia civil e a sua habilidade invulgar para o desenho e manejo do ferro terão despertado o interesse de António Augusto Gonçalves, que o levou a frequentar as aulas de Desenho Ornamental e de Modelação, ministradas na Escola Industrial Brotero ... Foi também aluno da Escola Livre.
Em 1933, conjuntamente com António Maria da Conceição e com Manuel de Jesus Cardoso, integra a direção daquela ‘universidade plebeia’, fazendo-se também sócio da Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Coimbra.
Morreu, com 84 anos, quase à beira de cumprir mais um, a 11 ou 12 de Fevereiro de 1971.
Para além das obras já mencionadas, começou a executar, em 1928, uma artística grade para o palacete Sotto-Mayor que foi construído na Figueira da Foz. A fundição deste trabalho esteve a cargo da casa Alves Coimbra, Sucessores, desta cidade, e a cinzelagem e acabamento foram feitos na oficina do mestre serralheiro. A peça, que foi muito apreciada e mereceu rasgados elogios.
... em 1934, por iniciativa do pároco daquela freguesia (Santo António dos Olivais) fez o desenho e executou duas artística grades de ferro, no estilo gótico, destinadas às capelas laterais da escadaria da igreja . Quatro anos depois, bateu uns artísticos portões para a capela de Nossa Senhora da Conceição e do Senhor dos Passos, da mesma igreja , bem como o lustre central do templo.
Daniel Rodrigues. Anjo da Paz Eterna
De entre as obras de Daniel Rodrigues, com temática religiosa, destaca-se o Anjo da Paz Eterna, feito em 1941, feito para ser colocado no portão do cemitério da Conchada, a substituir o esqueleto que ali havia . Trata-se de uma estátua vultuosa que teve por modelo uma das suas filhas; dir-se-ia que o artista trabalhou o ferro com a mesma facilidade com que as mãos do oleiro modelam o barro. O anjo ergue as suas asas e, segurando a cruz, como que aponta o céu, num sinal de esperança e de evasão que é, afinal, o estigma de toda a arte. Neste trabalho deve salientar-se a perfeita nitidez das feições do rosto e a execução do cabelo, o subtil drapeado da túnica, apertada na cintura com um cordão, deixando aparecer, ligeiramente, os pés descalços, simbolizando a humildade que é, afinal, a deste artista e a fragilidade inerente ao ser humano.
Nas horas vagas, vai trabalhando na porta do jazigo da sua filha ... A peça revela a forte sensibilidade do artista, que retrata, através da imagem esculpida no ferro duro e frio, o real-irreal ou o tempo-não-tempo, que é a transição vida-morte, numa quase ausência de dimensões. Retratou, ao mínimo pormenor o quarto, com o seu mobiliário, a janela que já não dá para este mundo e a jovem, soerguida no seu leito, enfrentando o Anjo da morte. Em baixo, visualizam-se dois santos, a velar a caminhada eterna que Cristo e sua Mãe, insertos nos grandes medalhões que se situam a meio dos batentes, asseguram, entre lírios e rosas, uma ressurreição.
Ao longo da sua vida, Daniel Rodrigues ... executa “relevos erguidos no ferro forjado à força de buris e martelada”. É um trabalho verdadeiramente “toledano, grosso de aspecto, mas de um valor que atesta bem as possibilidades da forja e do martelo ao serviço da arte”.
... Os seus trabalhos encontram-se espalhados por todo o país, desde a Régua, a Odemira, passando por Braga, Porto, Aveiro, Figueira da Foz, Torres Novas, Beja, Lisboa, Covilhã, Belmonte, Figueiró dos Vinhos, Espinhal, Santa Comba, Mortágua ou Coimbra.
Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 25-29.
MEMÓRIAS DE VIDA: CEMITÉRIO DA CONCHADA
Visita orientada por Regina Anacleto, com o apoio de Rodrigues Costa
Data do evento:
06.05.2017, sábado, às 10h30, com a duração prevista de 60 minutos
Organização:
A’Cerca de Coimbra (blogue)
Apoios:
Clube de Comunicação Social de Coimbra
Coimbra antiga e moderna (blogue)
Coimbra livre e aberta a todos (blogue)
"Cromos", Personalidades e Estórias de Coimbra (blogue)
Penedo da Saudade Tertúlia (blogue)
Público-alvo:
Todos os interessados na história e cultura coimbrã
Visita livre (sem prévia inscrição, ainda que agradecendo a manifestação de interesse na participação)
Objetivos:
- Integrar o espaço físico do conjunto cemiterial no tempo e no contexto socioeconómico
- Identificar alguns monumentos
- Sensibilizar os participantes para a necessidade de valorizar e preservar este tipo de património arquitetónico, artístico e cultural
Programa:
- Concentração dos participantes no jardim fronteiro à porta principal do cemitério da Conchada
- Breve exposição: o culto dos mortos ao longo dos tempos e o estabelecimento dos cemitérios em Portugal; as particularidades do cemitério da Conchada; o projeto inicial
Cemitério da Conchada projeto inicial
- Percurso
Coimbra, nos finais do século passado (XIX) e inícios deste (XX), apenas saía da pacatez que a envolvia, quando festejava qualquer santo da sua devoção, quando se realizavam as tradicionais feiras ou quando aqui se deslocavam personalidades, quase sempre, do foro político ou cultural. Nessa altura, o quotidiano das gentes do burgo sofria alterações.
Na urbe, grosso modo, intelectuais e artífices movimentavam-se em quadrantes espaciais diferentes e, enquanto os primeiros gravitavam em torno da velha alcáçova, os segundos haviam-se instalado na zona baixa, já fora de portas, em ruas estreitas, que se desenrolavam circularmente em torno dos já inexistentes muros, apenas a adivinharem-se no perímetro urbano da cidade.
Mas, em Coimbra, o desenvolvimento industrial era lento e penoso, até porque se tratava de uma terra quase provinciana, de parcos recursos económicos, onde muito pouco havia para investir.
Mesmo assim, nos finais de Oitocentos, existiam na cidade fábricas de fiação e tecelagem, de sabão, de lanifícios e de cerâmica e, para além destas, O Conimbricense, ainda referia as de massas, as de moagem e as padarias.
A fundição e a serralharia apresentavam então um certo desenvolvimento, não só porque os estabelecimentos existiam em número considerável, como eram credenciados, uma vez que recebiam “numerosas encomendas para esta cidade, e para fora d’ellla”. Contudo, parece-me que estas oficinas gravitavam em torno de trabalhos que se relacionavam, essencialmente, com as necessidades do quotidiano, com a lavoura e com os transportes.
... A tradição artística coimbrã assentava as suas bases na pedra, não no ferro. Deste, nos alvores do nosso século, e, pese embora, a existência de vários estabelecimentos ‘industriais’ deste ramo.
Palácio da Justiça. pórtico
... a Exposição Universal de Paris atraía sobre si as atenções de todo o mundo civilizado. António Augusto Gonçalves não podia ficar indiferente a esta manifestação... A secção de serralharia fascinou-o!
...No regresso, questionava-se acerca do caminho a trilhar, a fim de modificar este estado de coisas e sonhava desenvolver, em Coimbra e com o ferro, uma arte que atingisse nível similar ao da pedra; acabou por confiar o desejo ao Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o bom Quim Martins, que tanto ajudou, com a pena e com a amizade, os artistas mondeguinos e transmitiu-o também a João Machado, o burilador para quem a pedra não tinha segredos.
A ideia foi germinando e o artista, um belo dia, com quatro pedras, improvisou, ao canto da sua oficina, uma incipiente forja, a fim de tentar manufaturar um florão, destinado a servir de puxador de gaveta. O ferreiro a quem pedira emprestados os utensílios necessários, veio ver e ensinou-o a bater o ferro. Machado entusiasmou-se e pôs de parte, durante algum tempo, o seu amor pela pedra; chegou mesmo a debuxar e a forjar algumas peças.
Assim ressurgiu, em Coimbra e acalentada pela Escola Livre das Artes do Desenho, uma arte que, durante longos anos, sofrera as consequências do desprestígio; a sua certidão de batismo, que não a de nascimento, foi passada quando Manuel Pedro de Jesus bateu, segundo um desenho e com direção de António Augusto Gonçalves, uma grade para o monumento funerário que então se erigiu no cemitério da Conchada em memória de Olímpio Nicolau Rui Fernandes.
Anacleto, R. 1999. Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX. Conferência nas I Jornadas da Escola do Ferro de Coimbra. In publicado Munda, n.º 40, p. 1, 4, 7-9
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