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A' Cerca de Coimbra


Quarta-feira, 07.12.22

Coimbra: Mendes Silva, um conimbricense de eleição 2

Ora foi, justamente, a opção mais difícil que Mendes Silva e os seus colegas diretores assumiram, contando para tal com o acordo e o facto de Bissaia Barreto ter sido, enquanto professor catedrático de Cirurgia da Faculdade de Medicina, não só um crítico em relação à forma como foram feitas as obras na cidade universitária – ao ponto de manifestar essa discordância pública nas páginas do Diário de Coimbra –, mas também de se bater pela construção de um novo hospital universitário fora da Alta, que evitasse, uma vez mais, a prevista destruição de edifícios significativos do ponto de vista do seu valor patrimonial, como eram os casos do Colégio de São Jerónimo e do Colégio das Artes. Com efeito, o dirigente estudantil Fernando Mendes Silva solicitou uma reunião a Bissaya Barreto, a qual teve lugar no antigo edifício dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde foi delineada e concertada uma estratégia que iria permitir dotar no futuro a Associação Académica com as elegantes e funcionais instalações que atualmente ocupa e, ao mesmo tempo, acelerar a transferência do Instituto Maternal para os terrenos que hoje ocupa na então designada Quinta da Rainha e cujas instalações são projeto do arquiteto Carlos Ramos. Sabemos, ainda, que Bissaya Barreto colocou como condição para o estabelecimento de tal acordo, que o futuro teatro universitário viesse a ser construído integrado no complexo das novas instalações para a Académica, de modo a tirar o máximo partido da centralidade da sua localização em termos urbanos. Numa visão retrospetiva destes factos atendamos melhor ao alcance estratégico e à importância do acordo então estabelecido entre o presidente da AAC e o cirurgião conimbricense.

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Maternidade Bissaia Barreto. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid

 É que, além do mais, ele permitiu dotar e beneficiar a cidade com uma nova Maternidade, a qual passou, por sua vez, a integrar mais tarde a presente estrutura dos hospitais civis – complexo hospitalar criado apenas em 1971 e que já existia, desde há muito, nas cidades de Lisboa e do Porto, a par dos respetivos hospitais universitários – que então faltava a Coimbra e que seria essencial para potenciar e valorizar, ainda mais, o ensino superior e universitário, tal como a prática e o exercício quotidiano da Medicina, da Farmácia, da Enfermagem e do Serviço Social, que desde há muito se desenvolviam na cidade (cf. Jorge Pais de Sousa - Bissaya Barreto: Ordem e Progresso. Coimbra: Minerva, 1999, p. 223).

          Em conclusão, a cidade e a Associação Académica de Coimbra devem, à visão da direção de estudantes presidida por Fernando Mendes Silva, entre 1953 e 1954, a iniciativa associativa e o entendimento estratégico que permitiu culminar com a construção no final daquela década de um moderno e funcional complexo de instalações associativas e culturais, projetado pelo arquiteto Alberto Pessoa

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Novas instalações da AAC, início das obras. Acervo Carlos Ferrão

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A ala das Secções da AAC já em fase adiantada. Acervo Carlos Ferrão

Complexo arquitetónico que é constituído pelo corpo do edifício que aloja as secções, o corpo que compreende as salas de ensaios, o edifício do Teatro Gil Vicente e o corpo das cantinas, os quais orlam, por sua vez, o jardim projetado pelo arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles. Jardim que constituiu um primeiro ensaio para o posterior projeto paisagístico dos jardins que envolvem hoje a sede da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.

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Edifício do Teatro Gil Vicente, década de 70. Imagem acedida em https://tagv.pt/sobre/

 

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Ala das Secções já finalizada. Acervo RA

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“Cantinas Velhas”. Imagem acedida em: www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid

Do ponto de vista artístico, Abel Manta realizou e concluiu, em 1960, dois painéis para valorizar este emblemático património arquitetónico. Um primeiro painel que está voltado para o jardim interior e que representa as atividades culturais da Academia, e um segundo painel, projetado sobre o corpo das salas de ensaio e voltado para a Avenida Sá da Bandeira, que representa a evolução do traje académico.

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Jardim interior da AAC e painel azulejar da autoria João Abel Manta. Acervo RA

MS 2.8.jpg Fachada  principal do edifício da AAC. Painéis de azulejos da autoria de João Abel Manta. Acervo RA

Em linguagem arquitetónica, todos podemos fruir hoje de um conjunto de edifícios que vivem da “articulação de vários corpos, de várias escalas e, de um modo mais subtil, de várias linguagens. Desde o volumoso corpo do teatro – que sugere citações dos edifícios charneira de Alvar Alto, ou mesmo do londrino Royal Festival Hall, de Leslie Martin – , até ao edifício das secções – que, apesar da sua pouca ortodoxia, é o mais corbusiano de todos, com o seu coroamento em terraço coberto e os seus rasgamentos horizontais quebrados pela caixa de escada na fachada posterior –, passando pelo sabor 'brasileiro' das sucessivas abóbadas de betão, tão prolificamente usadas na época” (José António Bandeirinha – Os Edifícios da Associação Académica e o Teatro de Gil Vicente, in Monumentos, Lisboa, Março de 1998, p. 86).

 Jorge Manuel Pais de Sousa. Cidade e Académica, em Fernando Luís Mendes Silva. Ensaio sobre um perfil de um dirigente desportivo. Texto inédito preparado para as comemorações dos 120 anos da AAC.

 

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por Rodrigues Costa às 15:32

Terça-feira, 06.12.22

Coimbra: Mendes Silva, um conimbricense de eleição 1

Damos hoje início a uma série de sete entradas, referentes ao Dr. Mendes Silva. Alguém com quem tivemos a honra de trabalhar e com quem aprendemos que “Por Coimbra, tudo” e, também, que o mais importante é meter “Mãos à obra”.

O texto, inédito, que a morte prematura do seu Autor deixou por publicar, foi-nos facultado pelas Filhas do antigo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra que, igualmente, nos cederam algumas das imagens que o vão ilustrar. Por isso, o nosso obrigado.

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Mendes Silva, 1982. Acerbo da Família Mendes Silva

 O que mais caracterizou a trajetória de vida de Fernando Luís Mendes Silva foi, em nosso entender, o facto de ele ter sido um notável na sociedade e na política em Portugal. E talvez, por isso, possamos hoje afirmar que poucos cidadãos como Mendes Silva contribuíram tanto, indireta e diretamente, para marcar e capacitar Coimbra com equipamentos modernos de uso público, bem como para urbanizar a cidade segundo os princípios urbanísticos mais arrojados para a Europa do seu tempo. Neste sentido, o seu perfil, enquanto cidadão e dirigente desportivo ímpar que também foi expressa a tensão e a síntese criativa que conseguiu estabelecer entre os interesses legítimos da esfera do privado e a consecução do interesse público.

É para assinalar a passagem dos cento e vinte anos sobre a fundação da Associação Académica de Coimbra e, simultaneamente, dos quinze anos sobre o desaparecimento de um dos seus antigos e mais destacados dirigentes que nos ocorreu escrever este texto de carácter ensaístico. E tudo isto num país historicamente dependente da ação centralizadora do Estado, sendo esta última, por sua vez, tantas vezes obstáculo para o desenvolvimento pleno da participação na vida pública associativa e a consequente assunção das responsabilidades da cidadania por cada um de nós. Neste sentido, o curto percurso de vida de Fernando Luís Mendes Silva (22.10.1930-31.05.1992) merece, justamente, ser salientado e rememorado, na medida em que ele foi pontuado por momentos de fulgurância e de singularidade na participação no espaço público.

Arquitectar” a Associação Académica de Coimbra

 Foi com apenas 20 anos de idade que o jovem estudante universitário, Fernando Luís Mendes Silva, iniciou a sua trajetória como diretor desportivo tendo a seu cargo as equipas de formação da Secção de Futebol da AAC.

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Mendes Silva, finalista de Direito. Acervo da Família Mendes Silva

 E na verdade, a estreia foi auspiciosa, uma vez que logo na época de 1950/51, a Académica conquistou, sob a sua direção, o campeonato nacional de juniores. O mesmo título de campeã nacional que, aliás, a Académica voltaria a ganhar durante a época de 1953/54, ou seja, coincidindo com o mandato e o empenhamento pessoal a todos os níveis extraordinário durante o qual Mendes Silva presidiu aos destinos da AAC. 

Oriundo de uma família da classe média conimbricense, Fernando Luís Mendes Silva presidia em 1953-1954 aos destinos da Direção Geral da Associação Académica, num altura em que estudava Direito na Universidade de Coimbra, quando teve a oportunidade de promover, enquanto dirigente estudantil, um estudo circunstanciado sobre as gritantes necessidades de espaço sentidas e vividas pelas diversas secções culturais e desportivas acantonadas nas instalações do vetusto e desadequado Palácio dos Grilos.

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Palácio dos Grilos. Sede da AAC, ao tempo da presidência de Mendes Silva. Acedido em: https://1.bp.blogspot.com/-nrLZWS7peI4/XaHhI0_S-0I/AAAAAAAADpo/

 No entanto, o jovem e dinâmico dirigente não se ficou apenas pela identificação e estudo cuidado destes problemas. É que, em seguida, teve a ousadia e a irreverência política de solicitar uma audiência em Lisboa, ao então presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, no sentido de lhe apresentar as pretensões estudantis e pedir uma solução para o problema do completo desajustamento e inadequação das instalações associativas, com base na entrega de um documento meticuloso a que denominou de «Exposição da Academia de Coimbra» (Acessível no Arquivo Salazar, in Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, AOS/CO/ED-3)

O presidente do Conselho entendeu a urgência em resolver o problema da insuficiência e da inadequação do espaço com que então se confrontava, no seu quotidiano, a mais prestigiada associação de estudantes universitários portugueses. A falta de dignidade das instalações era pouco condizente com o facto de a Associação Académica constituir a mais antiga associação estudantil universitária em Portugal (1887), a maior em dimensão e património e, sobretudo, em dinâmica, diversidade e criatividade cultural e desportiva. Numa atitude paternalista, Oliveira Salazar propôs-se, naquela conjuntura histórico-política do Estado Novo, encontrar uma solução para os problemas colocados pelos “rapazes de Coimbra” no quadro das obras em curso na cidade universitária (Cf. Fernando Mendes Silva – Ainda a Segunda Tomada da Bastilha, in «Jornal de Coimbra», 30 de dezembro de 1987, p. 2). Colocavam-se então dois cenários possíveis em matéria de construção de raiz das novas instalações da Associação Académica.

O primeiro cenário estudado consistia em construir os novos edifícios da AAC junto ao atual Estádio Universitário na margem esquerda do Mondego, o que significava que as novas instalações associativas ficariam longe do campus universitário.

O segundo cenário congeminado, e também o mais difícil de concretizar, passaria por encontrar uma localização central e nobre no contexto do tecido urbano da cidade, mas exigiria sempre obter um compromisso com Bissaya Barreto, o então diretor da Instituto Maternal e do Ninho dos Pequenitos, cujas edificações, adaptadas e já então também desajustas face ao cumprimento dos seus objetivos e necessidades em matéria de saúde, ocupavam a área de implantação delimitada pela Rua Padre António Vieira, pela Avenida Sá da Bandeira e pela Rua Oliveira Matos.

 

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Instalações do “Ninho dos Pequenito”, em 1938. Imagem acedida:  https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/20486/1/Texto%20final%20da%20tese.pdf

 Acontecia, também, que o Instituto Maternal procurava terrenos para novas instalações, de forma a capacitar Coimbra com novos equipamentos projetados e construídos de raiz para alojar e prestar, adequadamente, serviços de saúde pública vocacionados para a proteção e a promoção da infância e da maternidade.  O país vivia um tempo de crescimento demográfico e de promoção da natalidade. Tratava-se de um acordo difícil de concretizar por implicar terceiros, mas era de longe aquele que, a médio e longo prazo, mais beneficiaria a cidade e a Associação Académica, em termos da criação de novas e modernas infraestruturas e da consequente melhoria da prestação de serviços nos domínios da promoção da cultura, e da interação estreita que deve existir entre desporto e saúde pública, numa cidade com uma significativa população escolar. 

Jorge Manuel Pais de Sousa. Cidade e Académica, em Fernando Luís Mendes Silva. Ensaio sobre um perfil de um dirigente desportivo. Texto inédito preparado para as comemorações dos 120 anos da AAC.

 

 

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:15

Terça-feira, 09.01.18

Coimbra: Portugal dos Pequenitos

A este espaço verde afluem, de todo o país e durante o ano, cerca de quatrocentos mil visitantes. Sendo um parque lúdico destinado à criança, atrai a si escolas e famílias, conferindo-lhe um sucesso que realiza em pleno a ideia fundadora do médico Bissaya Barreto. Reproduzir as arquiteturas de cada região, na sua forma popular, e as grandes obras de cada cidade a uma escala reduzida foi um conceito inovador e pode considerar-se o primeiro parque temático pensado para as crianças.

... O Portugal dos Pequenitos é constituído por uma rede de caminhos e pracetas, ladeados por réplicas em miniatura da arquitetura nacional, onde as crianças entram e brincam. Só um elemento destoa neste conjunto formado pelas crianças e pelas casinhas – as árvores cresceram ao seu porte final e são gigantes verdes neste universo liliputiano.

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 Portugal dos Pequenitos

 

O projeto de Cassiano Branco teve a sua primeira fase de construção entre 1938-1940, reproduzindo com rigor notável a arquitetura popular.

Numa segunda fase foram construídos os monumentos mais emblemáticos do país (a Torre dos Clérigos, a janela do Convento de Cristo em Tomar, o Arco da Rua Augusta ou a Universidade de Coimbra) e as imagens daí resultantes criam alguma confusão geográfica, como se o país se tivesse concentrado e encolhido, pois o Arco da Rua Augusta está a eixo com o Castelo de Guimarães.

A terceira fase, correspondendo ao final dos anos de 1950, apresenta a arquitetura tradicional das regiões que correspondem às antigas colónias: Macau, Timor, Angola, Moçambique e as atuais regiões autónomas da Madeira e Açores, revelando uma vontade política de afirmação e propaganda dos valores nacionais defendidos pelo Estado Novo.

Neste ambiente de miniaturas, em que nos adultos parecem estar a mais, foram ainda criados museus a uma escala de casa de bonecas: o Museu do traje, o da Marinha e do Mobiliário. Mas o ponto importante deste parque, mantido com um excelente nível, é a afluência que traz a Coimbra, confirmando uma importante obra do século XX.

 

Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 180-181

 

 

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por Rodrigues Costa às 19:30

Sexta-feira, 08.04.16

Coimbra e as suas personalidades: Bissaia Barreto

Fernando Baeta Bissaya Barreto nasceu em Castanheira de Pera, a 29 de Outubro de 1886, e faleceu, em Lisboa, em 16 de Setembro de 1974 … Em 1911, terminou o bacharelato em Medicina com 19 valores … ascendendo a Professor Catedrático em 1942 e jubilando-se em 1956.

No campo político pertenceu ao Partido Evolucionista e chegou a deputado eleito, em 1911, tomando parte na 1.ª sessão da Assembleia Nacional Constituinte que decretou a abolição da Monarquia.

… Detentor de exemplares capacidades humanísticas, científicas e pedagógicas, instituiu, em 1958, a Fundação Bissaia Barreto, vocacionada para prestar e desenvolver assistências, nas mais diversas áreas, nomeadamente na luta antituberculosa, no apoio à criança e à mulher-mãe. Aos leprosos, à psiquiatria, aos surdos e aos cegos, em geral a todo o espaço social e científico/médico. A obra deixada revela o amor que dedicou ao seu semelhante e à sua profissão sublinhando-se: três sanatórios anti tuberculose; um preventório; dois hospitais psiquiátricos; uma Colónia Agrícola Psiquiátrica; uma Leprosaria; uma Creche/Preventório para filhos de leprosos, bem como um Centro de Reabilitação para ex-leprosos; um Hospital Central, um Pediátrico, um Instituto materno Infantil; uma Casa da Mãe; um Centro de Neurocirurgia; um Centro Hospitalar; um Instituto de Surdos; um de Cegos; 26 Casas de Crianças; 3 Colónias de Férias; dois Bairros Sociais; Escolas de Enfermagem, Normal Social, de Enfermeiras Puericultoras, de Agricultura, Artes e Ofícios; Dispensários, Brigadas Móveis, Postos Rurais; Aeródromo de Coimbra; a Obra de Assistência Materno-Infantil, e outras instituições de cariz social, cultural, científico e assistencial. Em Coimbra deixou diversas instituições de que o Portugal dos Pequenitos, os Hospitais dos Covões e Pediátrico e os Ninhos dos Pequenitos abraçam uma fatia do bolo que legou aos homens

 

Nunes, M. 2005. Estátuas de Coimbra. Coimbra, GAAC – Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Pg. 181 a 183

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por Rodrigues Costa às 10:19


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