Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A serralharia artística de Coimbra renasceu com António Augusto Gonçalves e com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, na intimidade Mestre Gonçalves e Mestre Quim Martins, como lhe chamava a plêiade de artistas do ferro que foram seus discípulos: António Maria da Conceição (Rato), Albertino Marques, António Craveiro, Daniel Rodrigues, Lourenço Chaves de Almeida, Manuel Pedro de Jesus, José Domingues Baptista e Filhos, José Pompeu Aroso, e tantos outros. Das mãos dos ‘ferreiros’ saíram obras notáveis, capazes de marcar o ressurgimento daquela arte rude e maravilhosa que, em Coimbra, a partir de meados do século XIX, tanto tinha decaído, limitando-se, a bem dizer, ao fabrico de camas e de lavatórios, como se verificou na exposição, realizada em 1869, no salão da Associação dos Artistas.
Joaquim Martins Teixeira de Carvalho
Nesse renascimento, para além dos citados Gonçalves e Quim Martins, podem ainda referir-se os nomes de Manuel Pedro de Jesus e de João Augusto Machado, este também a tentar o ferro e o primeiro que, a partir de certo momento, lhe dedicou todo o seu saber e criatividade; por isso, os podemos apelidar de precursores da serralharia artística aeminiense.
A Câmara Municipal, logo em 1903, entendendo que devia encorajar a nova indústria, abriu concurso para a construção de um coreto destinado a ser colocado no novo Passeio Público que se iniciava no Largo das Ameias. Manuel José da Costa Soares, o artista que emprestara os utensílios a João Machado e o ensinara a bater o ferro, concorreu, a par com algumas firmas industriais sediadas no Porto.
Coreto no Passeio Público
Costa Soares era dono de uma alquilaria, sita à Rua da Sofia, na inacabada igreja de S. Domingos, onde, ao fundo, um pouco afastado da entrada, montara a forja. Mas os seus trabalhos de ferro já eram conhecidos, porque foi ele que arrematou a parte metálica do então Teatro-Circo e também é da sua autoria a cúpula metálica da Penitenciária, feita em 1887.
A comissão nomeada para apreciar as propostas que haviam sido apresentadas acabou por dar o seu aval à do referido industrial, porque, para além do mais, o seu projeto não era uma obra de catálogo, de fabrico em série, mas tratava-se de uma construção inédita. Contudo, foi “o modesto artista sr. João Gaspar, que na officina do sr. Manoel José da Costa Soares forjou as peças do corêto que a camara municipal mandou construir na Avenida Emygdio Navarro”.
Coreto. Manuel José da Costa Soares com desenho de Silva Pinto
A estrutura, posteriormente transferida para o Parque Dr. Manuel Braga, foi adjudicada a 18 de fevereiro do ano seguinte, e sabe-se, apenas através do que se encontra escrito em jornais publicados na cidade, que o arquiteto Silva Pinto, “um dos mais calorosos apóstolos do novo culto”, executara o seu desenho e que a edilidade tinha todo o interesse em entregar a obra a um artista da cidade, porque podia, deste modo, implementar a indústria nascente.
O coreto depois de transferido para a Parque Dr. Manuel Braga
Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX. In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021. Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-290.
Surgiu, recentemente, nas redes sociais esta bela fotografia:
Av. Navarro com comboio a chegar à Estação nova. 1910-1917. Acedida em: http://arquivomunicipal2.cmlisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/Documento.aspx?DocumentoID=1634678&AplicacaoID=1&Value=13c2034062824bf375d7c03644adbdb93f8b0298073a5a6a&view=1
Trata-se de uma fotografia do espólio do Arquivo Municipal de Lisboa, onde foi identificada, em 2014 por Paulo Mestre, membro da Associação Portuguesa dos Amigos dos Comboios que a divulgou no blogue LusoCarris fórum.
Tendo solicitado ajuda para a datação da imagem ao meu filho Pedro Rodrigues Costa – um estudioso da temática dos comboios e carros elétricos – ele juntou o seu saber ao de outros dois conhecedores desta matéria, Jorge Oliveira e Fernando Pedreira, que acabaram por propor o período compreendido entre 1910 e 1917.
A proposta teve por base os seguintes pressupostos:
- A locomotiva que se vê na fotografia é da série CP 17 a 22 e foi construída em 1862.
Esquema das locomotivas da série CP 17 a 22. In: Nomenclatura das Máquinas a vapor
Segundo Fernando Pedreira este tipo de locomotivas fez parte do parque de Coimbra/Alfarelos até, pelo menos, meados dos anos 40 do século passado, devendo a sua utilização ter-se iniciado entre 1911 e 1919, ou mesmo antes. Entre 1916 e o fim de 1919 devem ter andado a queimar lenha, sendo que no «tender» não se vê nem lenha nem os acrescentos que lá colocavam para a conter, não tendo a chaminé para-fagulhas, tipo «faroeste» que muitas tiveram nessa altura. No entanto, já vi uma foto de uma delas, dos anos da 2ª Guerra mundial, no Largo da Portagem, a rebocar um vagão.
Pedro Rodrigues Costa, acrescentou ainda que a fotografia terá de ser posterior a 1911 porque nela se vêm os postes da rede de elétricos de Coimbra e porque num deles se vêm dois belos candeeiros de iluminação pública a gás que só em 1919 foram substituídos por iluminação elétrica, aproveitando para o efeito a infraestrutura dos carros elétricos.
Pormenor da fotografia acima publicada
Jorge Oliveira salientou ainda que no edifício da esquina se vê, uma pala ou para-sol em ferro, similar ao do edifício Chiado e ao da Havaneza ao fundo da Rua Visconde da Luz, representativo do estilo Arte Nova.
Ali funcionava, na minha meninice, a firma Júlio da Cunha Pinto, que vendia tabaco, jogos de lotaria, perfumes, edição de postais ilustrados. E, acrescento eu, papel selado e selos fiscais, um imposto encapotado para quem fazia algum contrato ou tinha que se dirigir a uma entidade oficial.
Deste edifício existe uma outra fotografia bem elucidativa.
Edifício na esquina da Av. Navarro com o Largo das Ameias. Postal ilustrado.
Por último, Jorge Oliveira socorrendo-se de um texto de Carlos Ferrão, identifica o edifício que se vê na fotografia seguinte como sendo o mais luxuoso hotel da cidade no princípio do séc. XX, o Palace Hotel, que viria a ser devorado pelo fogo em 30 de Abril de 1917.
Postal ilustrado, onde é visível uma placa publicitária do Palace Hotel
No primeiro andar do edifício que o substituiu funcionou um local onde as artes musicais e dança passaram a ser rainhas. A abertura solene e inauguração da Academia de Música de Coimbra foi a 10 de Fevereiro de 1929.
Edifício onde funcionou a Academia de Música de Coimbra. Foto do espólio fotográfico de Jorge Oliveira
Posteriormente, neste edifício, de acordo com as minhas memórias, funcionou o Hotel Internacional e um Café com o mesmo nome, muito frequentado pelos estudantes de então.
Postal ilustrado, onde são visíveis os para-sol do Café Internacional
Café Internacional da minha juventude, hoje loja de moda
Saliente-se, como conclusão, que ao pretender datar uma fotografia, a análise da mesma e o saber de Alguns tornaram possível recordar diversos e interessantes factos da história coimbrã.
Rodrigues Costa
A Ínsua dos Bentos, que a Câmara Municipal desta cidade comprou em 5 de Abril de 1888 por onze contos, veio a ser transformada em Parque da Cidade. Foi encarregado da execução e concretização do projeto, a meio da década de 20, o paisagista de floricultor Jacinto de Matos.
Em 1925, quando a conceção de Passeio Público já se encontrava totalmente ultrapassada, em Coimbra ainda se falava nesses termos e a «urbanização» da Ínsua obedeceu a um esquema que aí se enquadrava … na sessão de 29 de Agosto de 1934 deliberou (a Câmara), a pedido da Comissão de Iniciativa e Turismo, concordar com a transferência do coreto da Avenida Navarro para a antiga Ínsua dos Bentos, onde atualmente se encontra.
Ainda não há muito tempo este bonito Parque era iluminado por vistosos candeeiros que condiziam com o coreto … Passados que são oitenta anos sobre a sua construção, o coreto lá continua … a lembrar aos vindouros que outrora, nesta «cidade de grades», floresceu a arte do ferro forjado.
Anacleto, R., 1983. O Coreto do Parque Dr. Manuel Braga em Coimbra. Coimbra, Separata de Mundo da Arte, 14, pg. 17 a 30, pg. 25 e 26
Coreto que em 1904 se estava a erguer no Cais (atual Avenida Emídio Navarro) e que esperava o resultado da comissão nomeada para apreciar os projetos que haviam concorrido à empreitada.
Aquela deu o seu aval ao apresentado em primeiro lugar pela Fundição do Ouro e ao do industrial Costa Soares … mas manifestou-se, contudo, a favor do último, embora sugerindo pequenas alterações … Adjudicado a 18 de Fevereiro, sabemos, só através dos jornais que foi debuxado pelo Arq. Silva Pinto e que a Câmara Municipal tinha todo o interesse em o entregar a um artista conimbricense … O coreto começou logo a ser forjado e Silva Pinto encarregou-se não só de dirigir os trabalhos, mas também de, quando necessário, apor o seu aval a qualquer alteração … Também foi ele que, depois da obra concluída, a inspecionou e deu o seu parecer a 20 de Julho de 1904.
A estrutura metálica do coreto começou a ser assente na última quinzena de Maio … No entanto a câmara verificou que a pintura não satisfazia … e resolveu substituí-la. Encarregou-se dessa tarefa… o pintor António Eliseu.
Apesar desta segunda empreitada ainda se não encontrar terminada o coreto foi inaugurado com a atuação da Banda de Infantaria 14, de Viseu, a 7 de Julho de 1904
… António Maria da Conceição, mais tarde, em 1907, foi encarregado de executar uma grade de ferro batido … para resguardar o maciço de verdura e flores que iam ser plantadas em volta do coreto da música …
Durante largos anos, tanto as bandas citadinas, como as que aqui se deslocam, quando se exibiam utilizavam o coreto.
Anacleto, R., 1983. O Coreto do Parque Dr. Manuel Braga em Coimbra. Coimbra, Separata de Mundo da Arte, 14, pg. 17 a 30
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.