Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O novo Bairro de Santa Cruz (Continuação)
Tal como aconteceu com o Teatro-Circo, adiante referido, e como vai suceder com outros imóveis considerados de interesse para a cidade, o terreno para a Associação Comercial e Industrial de Coimbra também foi cedido pela edilidade mediante a concessão de uma redução no preço, embora com a condição de ali ser instalada uma escola prática destinada a permitir aos jovens a aprendizagem das técnicas essenciais à vida económica.
Edifício da Associação Commercial
Assina o projeto Manuel Gonçalves de Campos que, sob o seu nome apõe um “A.” passível de o identificar como arquiteto. Até ao momento não consegui obter qualquer informação relacionada com o alarife em causa.
Francisco António dos Santos, Filho lavrou as cantarias; ele próprio o confessou a Abreu d’Aguiar Oteda, quando este o entrevistou para a crónica “A arte e os artistas de Coimbra”, por altura da sua nomeação como professor interino da Escola Brotero, em substituição de João Machado, artista com quem, pese embora o teor da conversa, rivalizava.
Abreu d’Aguiar Oteda manteve em “O Despertar”, durante bastante tempo, esta crónica e nela publicava as entrevistas que ia fazendo aos mais diversos artistas da cidade.
Associação Comercial e Industrial de Coimbra, pormenor. Foto RA
No mesmo ano em que foi solicitada à edilidade a aprovação do desenho destinado à sede da ACIC, Francisco Barreto Chichorro apresentava também, a fim de lhe ser concedida a licença e o alinhamento, o projeto da casa que pretendia construir na Sá da Bandeira; assinava-o Bernardino José, construtor de Obras Públicas, de quem não encontrei, ao longo da investigação, mais nenhuma referência.
O então presidente da Câmara, Marnoco e Sousa, deferiu o requerimento a 22 de julho de 1909. Do edifício, uma moradia geminada, salientam-se apenas as sucessivas aberturas neobarrocas da platibanda e os dois, acrescentados ao desenho inicial, pseudofrontões destinados, possivelmente, enriquecer a fachada.
Casa de Francisco Barreto Chichorro. Foto RA.
Casa de Francisco Barreto Chichorro, pormenor. Foto RA
Do mesmo lado, no local onde mais tarde foi edificada uma garagem que atualmente virou banco, isto é, entre a casa de Francisco Chichorro,
Garagem que atualmente virou banco. Foto RA.
e o atual (2016) edifício sede da Polícia Municipal,
Edifício sede da Polícia Municipal. Foto RA.
onde funcionou, durante largos anos, o quartel dos bombeiros municipais, construiu-se um picadeiro, que teve vida efémera.
Em 1908 já fora aprovado pela autarquia o projeto do imóvel do picadeiro, a construir em terrenos que haviam sido cedidos em condições idênticas aos do Teatro-Circo, visto ambos se destinarem a melhoramentos públicos. O risco foi elaborado pelo “habil constructor civil” João Gaspar Marques Neves e “o professor do picadeiro será o sr. D. João de Mello, professor da Escola Nacional d’Agricultura, muito habil e muito competente”.
O Noticias de Coimbra ainda acrescentava que “tendo fallado em melhoramento com que esta cidade vae ser dotada, resta-nos dizer que elle se deve aos srs. Francisco e Miguel Barreto Chichorro, que bem podem ser considerados dois benemeritos, porque, se não fossem elles, Coimbra não teria tão depressa uma escola de cavalaria”, onde também se ensina, para além da equitação, “ginástica, jogos de armas, etc. para a educação física mais completa”.
O referido estabelecimento “encontra-se em magníficas condições e veio preencher uma lacuna que há muito se fazia sentir na cidade”, mas pouco tempo volvido após ter iniciado a sua atividade, por motivo de doença ou afazeres, os proprietários anunciam que arrendam ou vendem o picadeiro.
A partir desta data ignoro o que se terá passado, mas, nem mesmo os mais idosos, retém na memória e existência, em Coimbra, desta escola de equitação.
Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf
O novo Bairro de Santa Cruz (Continuação)
A Avenida Sá da Bandeira, verdadeiro boulevard conimbricense, mostra, na sua conceção, aspetos haussmannianos: ruas largas a ladearem uma zona ajardinada que dão acesso a uma praça de onde partem, em diversas direções, vias de comunicação.
Av. Sá da Bandeira, c. 1920
No entanto, é bem provável que na base da sua abertura não se encontrassem presentes teorias urbanísticas eruditas e academizantes, mas sim o conhecimento das necessidades reais do alargamento urbano da cidade dentro de um contexto pragmático passível de se adaptar às caraterísticas do espaço disponível.
A Sá da Bandeira, que vale pelo conjunto, ainda hoje apresenta, embora vilmente mutilada, marcas de uma mentalidade e de um espírito bem característicos da época em que foi traçada. Trata-se de uma zona que deve ser preservada pela autarquia e pelos conimbricenses. Integra a memória coletiva da cidade e a urbe, como qualquer um de nós, não pode sobreviver sem raízes.
Como já mencionei, para a nova zona urbana foram pensados alguns edifícios que jamais ultrapassaram a fase de projeto; entre estes pode referir-se o que se destinava a sede da Associação dos Artistas de Coimbra.
Olímpio Nicolau Rui Fernandes
A coletividade, criada em 1862, teve como fundador e principal dinamizador Olímpio Nicolau Rui Fernandes, homem que, nascido em Lisboa, se radicara em Coimbra, onde exerceu o cargo de Administrador da Imprensa da Universidade.
Entre 1862 e 1866, data em que passou a ocupar o refeitório dos frades crúzios, a Associação terá utilizado, a fim de aí poder ministrar as aulas, um outro qualquer espaço.
Já depois da morte do fundador, no final da centúria, mais concretamente em 1895, a direção encarregou “o hábil e acreditado conductor de obras públicas, o sr. Eduardo Augusto de Parada e Silva Leitão” de elaborar o projeto da sua nunca construída sede que, de acordo com as informações insertas nos periódicos locais, se exteriormente se inseria no gosto neorromânico, no interior utilizava o neogótico.
Mas se a sede da Associação dos Artistas de Coimbra ficou no papel, outro tanto se não pode dizer da Associação Comercial e Industrial de Coimbra que então girava sob o nome de Associação Comercial de Coimbra. O vice-presidente da direção, José Martins dos Santos, requere à edilidade, a 07 de setembro de 1909, autorização para “construir uma casa para a sua sede” no “talhão n.º 3” da Avenida Sá da Bandeira.
O edifício, construído durante a presidência de João de Moura Marques, foi inaugurado a 01 de janeiro de 1912, com pompa e circunstância, a deixar claramente sentir o republicanismo exacerbado dos promotores e, provavelmente também, alguma ideologia maçónica. A notícia da inauguração do edifício, inserta na Gazeta de Coimbra (n.º 54, 1912.01.03), comprova amplamente este posicionamento.
A fachada do imóvel insere-se dentro do gosto Arte Nova e, porque utiliza linhas bastante duras e carregadas, falta-lhe a leveza e a graciosidade que caracterizam o estilo. De qualquer forma, trata-se de uma aproximação à moderna estética europeia. Do interior, tem de se destacar o grande “salão que deve comportar mais de 500 pessoas [e que] fica sendo um dos maiores e mais bonitos desta cidade”.
Fig. 17 – Associação Comercial e Industrial de Coimbra. [Foto RA].
Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.