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A' Cerca de Coimbra


Quarta-feira, 09.04.25

Coimbra: Um espetáculo memorável

O Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila ao terminar o ciclo de realizações comemorativas dos seus 50 anos de existência, que designou por “50 anos, 50 eventos” realizou, no passado domingo, no auditório do Convento de S. Francisco, um espetáculo, no qual contou com a colaboração da Filarmónica União Taveirense, onde se fundiram harmoniosamente o amor pelas tradições ancestrais e a beleza de um espetáculo de luz e som.

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O Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila é hoje, entre os grupos similares, um grupo de referência que se vem destacando pela sua ação na defesa do património. Trabalho assente na recolha de elementos etnográficos, realização de debates, jornadas culturais, exposições, recuperação de festas, de jogos e outras tradições que estavam a desaparecer. Tem sido também sua preocupação a defesa do artesanato, na qual as “esteiras” de Arzila, assumem papel de destaque.

Estamos perante um grupo que dignifica Coimbra e que muito contribui para o melhor conhecimento da história local da zona rural do nosso Concelho.

O espetáculo "Num Só Mundo", foi estruturado em 13 cenas das quais destacamos:

- A cena dois, o musical “Medley FUT” que João Paulo Fernandes, Diretor Artístico da Filarmónica União Taveirense, recriou para este agrupamento algumas das recolhas musicais realizadas pelo GFE de Arzila. Recriação que voltou a ocorrer em outras cenas do espetáculo.

- A cena três em que Afonso Santana tocou, em violino solo, uma peça de Lino Silva, baseada na “Oração de Peregrino”, outra recolha do CFE de Arzila.

- As cenas quatro, seis, sete e doze, nas quais que foram encenadas, respetivamente as recolhas efetuadas sobre o “azurrar”, o cavar a terra ou “mandar a manta”, a merenda no campo e o “corte do cobrão”. Obviamente presente a confeção e venda das esteiras de Arzila.

De lembrar ainda a participação dos gaiteiros e sete das danças recolhidas pelo GFE de Arzila.

O espetáculo foi um presente à Cidade, vindo das gentes de Arzila.

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O excelente texto que uniu e contextualizou as diversas cenas do espetáculo, ao falar da oferta de uma travessa de arroz-doce com que os moradores de Arzila eram presenteados pelas noivas, salientou que essa oferta significava a união e o carinho que sempre uniu as gentes daquela Comunidade, lembrando a todos que, quando a alegria é dividida, o amor é multiplicado.

O espetáculo oferecido a Coimbra, foi sem dúvida um espetáculo feito de amor pela terra e pelas suas tradições, com um recurso adequado às novas tecnologias, e que, mais uma vez reafirmou a importância da etnografia e folclore, enquanto estudo das raízes do nosso passado.

Só teve um senão, os únicos lugares livres, eram alguns dos reservados às autoridades e demais convidados.

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A que se acrescenta uma nossa perceção: estando o auditório completamente cheio, eram mais as gentes vindas de todo o País, do que as gentes de Coimbra.

Perderam um espetáculo memorável, no dizer do Presidente da Federação Portuguesa de Folclore.

Perderam, permitam-me acrescentar, para além de um belíssimo espetáculo, um verdadeiro cântico que sabiamente misturou quer o saber do passado e a arte do presente, bem como o erudito com a arte popular.

Um espetáculo que é uma lição e que espero possa ser reapresentado.

Bem o merece.

Rodrigues da Costa

 

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por Rodrigues Costa às 17:39

Quinta-feira, 17.10.24

Coimbra: Arzila, uma freguesia que tem memória 2

Na entrada anterior já nos referimos ao projeto que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, “50 anos, 50 eventos”, está a concretizar no ano em curso e que pretende constituir-se como ponto de partida para um caminho ainda mais exigente e rigoroso. No âmbito das iniciativas deste projeto encontra-se inserida a atividade que foi rotulada como “Casa do Lavrador”. Trata-se da instalação de peças recolhidas pelo Grupo ao longo dos anos, relacionadas com o mobiliário existente na habitação de um lavrador arzilense, com alguns haveres, na primeira metade do século XX.

Se a instalação foi conseguida, a casa onde foi efetivada – em conjunto com uma outra que lhe é vizinha e se encontra em adiantado estado de ruína – merecem, por si só, uma visita.

Estamos perante casas muito antigas que nos possibilitam o conhecimento da tipologia das habitações de Arzila, construídas com recurso a materiais que ali abundavam, ou seja, seixos rolados e argila. Estes elementos asseguravam não só uma grande durabilidade do imóvel, como uma adequada qualidade de vida, pois no verão tornavam o seu interior fresco e seco e, no inverno, retinham o calor e absorviam a humidade.

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1a.Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1b.Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul, pormenor. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1f.Arzila. “Casa do Lavrador”, parede lateral virada a nascente. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1c.

Arzila. “Casa do Lavrador”, tardoz, virado a norte. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 2a.

Arzila. Casa em ruína, fachada virada a norte. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 2b.

Arzila. Casa em ruína, parede lateral virada a poente. Foto Manuela Gabriel

Na construção utilizavam a técnica da taipa, também designada por taipa de pilão, que, de acordo com a revista “História”, n.º 19, da National Geographic, começou a ser usada na Mesopotâmia há 7.500-5.500 AC.

A técnica referida também foi identificada pela Sr.ª Dr.ª Helena Moura, da Divisão de Salvaguarda, Gestão e Conhecimento do Património Cultural da CCRC, como sendo utilizada em casas antigas, localizadas na freguesia de S. Martinho do Bispo.

Se tomarmos como referência, por permitir uma mais fácil leitura, a parede virada a poente da casa em ruína já atrás referida, na análise de um leigo na matéria, o construído poderá ser descrito como se segue.

A parede, constituída por camadas sobrepostas de argila e de seixos, estes com diferentes dimensões, mostra uma espessura da ordem dos 44-45 cm, tem cerca de três metros de altura e cerca de 4 metros de largura.

Na zona superior ainda são visíveis os buracos que, no decurso da construção, serviam para fixar as taipas. Contudo, na parte inferior da parede esses orifícios não são percetíveis e, por isso, provavelmente será de se aceitar que a construção ou seria executada sem recurso à taipa ou esta seria escorada.

Os materiais utilizados na construção desta casa devem ter sido recolhidos em barreiros situados em Arzila, nos lugares conhecido por “Mortal” e “Cova dos Cortiços”. Através de referências que chegaram aos nossos dias sabemos que o barro seria, previamente, amassado no exterior, a fim de se conseguir uma maior homogeneização.

Neste imóvel ainda se torna possível caracterizar três tipos de camadas construtivas.

- Caboucos e camada inferior da parede, esta com cerca de 60 cm de altura, onde foram utilizados seixos rolados com maior dimensão e os espaços intersticiais preenchidos com barro.

- Camada intermédia, com cerca de 50 cm de altura, constituída, predominantemente, por seixos miúdos, aglutinados por argila.

- Camada(s) superior(es), com cerca de 50 cm de altura, utilizando seixos de dimensão um pouco superior aos da camada intermédia e em menor número.

Deve assinalar-se, ainda, a existência de dois outros tipos de camadas.

- Camadas horizontais, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura e 44-45 cm de comprimento, que utilizam na construção um material branco, muito presumivelmente, cal.

- Camadas verticais e/ou oblíquas, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura, e 44-45 cm de comprimento.

A constatação da existência deste tipo específico de casas em Arzila constitui uma descoberta que, em nossa opinião, carece necessariamente de uma intervenção de emergência por parte dos serviços municipais e de um estudo mais aprofundado por entidades com competência para tal.

Fica o alerta na esperança de que estes testemunhos do passado e da nossa cultura não sejam rapidamente destruídos, tal como tem acontecido a tantos outros bens culturais do povo que fomos e que somos.

Rodrigues Costa

Agradeço ao Senhor Professor Doutor José António Gabriel e à sua Esposa, Sr.ª D.ª Manuela Gabriel - um dos casais fundadores do Grupo de Arzila -, a ajuda na recolha de informações e de imagens.

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por Rodrigues Costa às 22:07

Terça-feira, 15.10.24

Coimbra: Arzila, uma freguesia que tem memória 1

No limite poente do concelho de Coimbra, na margem direita do Paul de Arzila, situa-se a freguesia com o mesmo nome.

A comunidade rural que ali existe desde tempos imemoráveis, sempre conviveu com o paul e, com um saber cimentado por séculos de trabalho árduo, soube salvaguardá-lo e vivificá-lo.

Paul onde todos detinham um bocado de terreno, as “sortes”, medidas anualmente em varas e côvados, onde pescavam, a fim de melhorar a dieta alimentar e de onde extraiam, o bunho e a “junção”, que estiveram na origem do renome da aldeia, enquanto principal produtora de esteiras, no Baixo Mondego. 

Paul de Arzila.jpgReserva Natural do Paul de Arzila. Imagem acedida em https://www.visitportugal.com/pt-pt/content/reserva-natural-do-paul-de-arzila

Paul de Arzila 2.jpgReserva Natural do Paul de Arzila. Foto Manuel Malva. Acedida em https://www.nationalgeographic.pt/viagens/paul-arzila-reduto-um-vale-outrora-selvagem_2948

Paul de Arzila 3a.jpgReserva Natural do Paul de Arzila. Foto Manuel Malva. Acedida em https://content.nationalgeographic.pt/medio/2023/06/05/paul-arzila_00000000_230605223419_1200x630.jpg

Da freguesia rural que sempre foi, conhecida por aquela produção, está a caminho de se transformar, como as demais que naquela zona se localizam, num dormitório de Coimbra.

Contudo, Arzila é uma freguesia que tem memória e orgulho do seu passado. Memória que resulta, essencialmente, do trabalho que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, vem realizando e que se encontra bem evidenciado quer na recente integração da terra no projeto “Aldeias de Portugal”, quer na organização e realização, ao longo do ano em curso, do programa “50 anos, 50 eventos”.

GFEA., logtipo.jpgGrupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, logotipo

GFEA., cartaz 50 anos.jpg50 anos, 50 eventos. Cartaz. Imagem acedida em https://www.facebook.com/photo/?fbid=709837067933197&set=pcb.709844331265804

Estas realidades podem se verificadas no atalho https://www.facebook.com/gfearzila/, onde se encontra o pograma delineado pelo Grupo, a fim de lhe poder proporcionar o ponto de partida de um caminho ainda mais exigente e rigoroso que pretende seguir.

Esta introdução, não laudatória, embora mais do que merecida relativamente ao trabalho realizado por todos os elementos do Grupo, tem em vista um projeto que está a nascer e passa pela dignificação do espólio etnográfico recolhido ao longos dos anos.

Este propósito implica não só um trabalho rigoroso de inventariação e de catalogação, mas também a criação de condições expositivas adequadas, face à importância do espólio e ao testemunho que outorgam.

Neste contexto, numa primeira fase, encontra-se em organização uma ação de formação destinada a todos os elementos do Grupo, mas aberta a elementos de outros agrupamentos similares, que decorrerá sob a orientação da Senhora Dr.ª Virgínia Gomes (Técnica superior responsável pelas coleções de Pintura, Desenho e Gravura do Museu Nacional de Machado de Castro).

Sede do Grupo de Arzila.JPGGrupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, sede

No mesmo enquadramento, mas agora com a ajuda da Senhora Arquiteta Isabel Anjinho, realizou-se no passado dia 8 de outubro, uma primeira reunião de trabalho, tendo em vista a elaboração de um projeto de construção de um espaço onde se possa instalar um núcleo interpretativo que permita a exposição, com o necessário rigor e qualidade, do material recolhido e que se erguerá no terreno pertença do Grupo, anexo à sua sede.

Ter-se-á em consideração a existência de 3 áreas temáticas:

. O paul e as esteiras de Arzila;

. Carpinteiros de Arzila. Da construção da casa à construção do barco do paul;

. Agricultura e agricultores de Arzila, memória de um modo de vida.

 

Rodrigues Costa

 

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por Rodrigues Costa às 10:53

Quinta-feira, 28.01.16

Coimbra, a navegabilidade do Mondego e os barqueiros

Nos meados do século XII, segundo Edrisi, a foz do Mondego era ainda defendida pelo «forte» de Montemor-o-Velho. Navios de certo porte chegariam até à cidade de Coimbra ou à área da sua jurisdição. Pelo menos o foral de 1179 privilegia com foro de cavaleiro certos cargos navais … Vestígios dessa atividade passaram ainda para o foral manuelino … O Mondego era navegável até à Senhora da Ribeira. Aqui, por volta de 1732, se celebrava, em dia de Ramos, uma grande feira (e romagem) onde acudiam, em barcas, os mercadores de Coimbra.

… no tempo das cheias ou, em outras épocas, nos lugares onde não havia vaus, a travessia só era possível por meio de embarcações.
Em alguns pontos, os camponeses podiam utilizar pequenos barcos … mas a travessia normal fazia-se através de barcas de passagem pública.

… Em Janeiro de 1600: um barqueiro comprometeu-se a ter uma barca continuamente, desde manhã até às Avé Marias, em frente de Agua de Maias. Iria sair ao Porto de Mós … Uma barca de passagem, defronte da Conraria, encontramo-la documentada em 1624 … na foz do Ceira, existia outra muito mais movimentada … um barqueiro de passagem nas Carvalhosas. E mais acima, a importante barca de Palheiros, «passagem de Coimbra para a Beira Baixa» (sic), como se exprime a referida Descrição do Mondego. Este documento (de 1732?) assinala ainda «barcas de passagem» em Couços, Bogueira e Asna Brava.
A jusante, ao tempo da referida Descrição funcionavam outras travessias por meio de barcas. A partir de Água de Maias … havia barcas de passagem no Amial, Arzila e Pereira … ao longo do campo de S. Martinho de Árvore.

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 2 a 5, 7 a 6.

 

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por Rodrigues Costa às 10:27


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