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A' Cerca de Coimbra


Terça-feira, 22.03.22

Coimbra: Monsenhor Nunes Pereira 4

Alguns traços para o perfil de Monsenhor Nunes Pereira (cont.)

Continuamos a transcrever o texto assinado pelo Padre Doutor António de Jesus Ramos, com o título, Alguns traços para o perfil de Monsenhor Nunes Pereira:

O Seminário. Eis-nos na segunda etapa que marcou de modo duradoiro a vida e, com ela, a caminhada artística de Nunes Pereira. Foi aqui que a sua propensão natural para o desenho recebeu os primeiros incentivos, sobretudo de dois colegas e amigos, os padres Cruz Gomes e Américo Monteiro de Aguiar. Este último teria também influência sobre a sua decisão na escolha entre os caminhos da arte ou do sacerdócio. "Pode-se ser padre e artista, meu caro Augusto" - disse-lhe o Padre Américo.

"Repara, por exemplo, em Fra Angélico que, sem deixar de ser bom monge, foi o artista que foi".

Na revista "Lume Novo", escrita e ilustrada pelos alunos daquele tempo, deixou Monsenhor Nunes Pereira, não apenas os seus primeiros desenhos, mas igualmente os primeiros versos.

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Desenho à pena. Nunes Pereira. Op. cit., pg. 62

Foram, de resto, esses desenhos à pena que lhe mereceram o primeiro louvor público do Bispo da Diocese, D. Manuel Luís Coelho da Silva. Numa daquelas distribuições de prémios que então se faziam aos alunos distintos, D. Manuel concedeu um a título extraordinário, antecedido de mais ou menos estas palavras: "Agora vou dar um prémio a um aluno que, tendo regular aproveitamento nas aulas e regular comportamento, dedica os seus tempos livres a realizar desenhos à pena de muito apreço". O incentivo das palavras, ali diante de professores e colegas, foi mais importante para o artista do que a pequena fortuna de cinquenta mil réis.

Por momentos, aquele prémio e outros incentivos que ia recebendo de superiores e de colegas, fizeram-no acalentar o sonho de lhe vir a ser proporcionada a ocasião de frequentar uma escola de Belas-Artes. "Mas a verdade - confidenciou-me um dia, com a humildade dos simples - é que, terminado o curso e recebida a ordenação fui mandado para a paróquia de Montemor, e ninguém falou mais no assunto".

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Sem título. Fotografia José Maria Pimentel. Op. cit,, pg. 64

"Fui ver se encontrava o rasto

No lajedo que deixei;

Esse estava muito gasto

Das passadas que ali dei." (Nunes Pereira)

O artista, porém, mesmo sem curso. tinha pernas para andar. Quer em Montemor, onde esteve de 1929 a 1935. quer em Coja, que paroquiou de 35 a 52, quer em S. Bartolomeu de Coimbra, onde se manteve de 52 até à aposentação em 1980, Monsenhor Nunes Pereira soube conciliar o exercício do seu múnus pastoral com um crescente interesse pelo cultivo das artes, desde a poesia à escultura passando pelo desenho, pela aguarela, pelo vitral e sobretudo pela xilogravura, especialidade em que se viria a tomar possivelmente no melhor artista português da segunda metade deste século.

O Padre Américo dissera-lhe que se podia ser sacerdote e artista. Monsenhor Nunes Pereira tem-no demonstrado como pároco, como arcipreste de Coimbra, funções em que conquistou a estima e admiração dos colegas, como Vigário-Geral da Diocese, cargo para que foi nomeado em Maio de 1973, depois de consulta a todo o presbitério, pelo saudoso D. João António Saraiva, como conservador do Património Artístico da Diocese de Coimbra, para que foi escolhido em 1981, ou como membro da Comissão de Arte Sacra. Sendo um talentoso artista, não deixou de ser nunca um exemplar sacerdote. De resto, a arte em Nunes Pereira é um segundo sacerdócio. Ele próprio mo afirmou um dia, quando o entrevistei para o "Correio de Coimbra": "Eu não poderia ser o artista que sou se não fosse a minha formação sacerdotal". E acrescentou: "A minha arte, não é arte pela arte. É uma arte apologética, embora nem sempre lhe dê expressamente essa intenção".

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A última Ceia. Nunes Pereira. Op. cit., pg. 72

Sobretudo depois da sua vinda para Coimbra, em 1952, Nunes Pereira deixou de ser um artista desconhecido. A sua longa passagem pela redação do "Correio de Coimbra" (18 de Janeiro de 1952 - 31 de Janeiro de 1974), onde escreveu centenas de artigos e publicou um sem-número de xilogravuras, o seu contacto com outros artistas da cidade e a exposição frequente das suas obras fizeram-no sair do anonimato, tomando-se a sua arte conhecida e admirada não só na cidade, mas por todo o país e mesmo além-fronteiras.

Ramos, A. J. Alguns traços para o perfil de Monsenhor Nunes Pereira. In:  Pimentel, J.M. e Oliveira, M.C. 2001. Monsenhor Nunes Pereira. O percurso de uma vida. Coimbra, Edições Minerva.

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por Rodrigues Costa às 13:15


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