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Perfazem-se hoje 34 anos – como o tempo passa – que José Afonso recebeu a medalha de ouro da Cidade de Coimbra.
A esta distância julgo que é tempo de lembrar uma homenagem da Cidade a um dos seus Filhos maiores.
Ao tempo era Presidente da Câmara o Dr. Mendes Silva e eu exercia as funções de Chefe dos Serviços Municipais de Turismo pelo que me coube a honra de liderar a equipa que organizou essa homenagem.
A iniciativa da homenagem partiu do Dr. António Portugal, companheiro em Coimbra do Zeca, que apresentou à Assembleia Municipal de Coimbra uma proposta para a atribuição da medalha de ouro da Cidade, a qual foi aprovada por unanimidade.
Proposta em ordem à qual Zeca Afonso, com a modéstia que lhe era própria, manifestou inicialmente alguma resistência, mas que acabou por aceitar com a condição de não haver uma cerimónia protocolar, mas sim um evento aberto a todos.
Recordo, simplesmente, as controvérsias que surgiram na Cidade sobre o lugar e a forma da realização do evento, bem como sobre quem deveria assumir a sua realização.
Recordo, uma reunião no gabinete do Presidente, onde o assunto foi discutido e onde se tomou a decisão de a Câmara organizar um espetáculo público no magnífico cenário do Jogo da Pela, na Sereia, no decurso do qual a medalha fosse entregue.
No dia 26 de Maio de 1983, a Sereia que foi pequena para acolher os muitos que quiseram participar na homenagem.
O guião da cerimónia perdeu-se pelo que me restam duas fontes: a minha memória e um exemplar de um disco não comercial, patrocinado pelo Município, que reproduz parte da gravação do espetáculo. Disco que hoje constitui uma verdadeira relíquia.
Esse documento histórico apresenta as seguintes músicas:
- Saudades de Coimbra, cantado por Zeca Afonso
- Tenho barcos tenho remos, cantado por António Bernardino
- Trás outro amigo também, cantado por Luís Marinho
- Dueto concertante, tocado por António Brojo, António Portugal, Aurélio Reis, Luís Filipe e Rui Pato que também acompanharam aquelas peças.
Nele são ainda recordadas duas intervenções.
A primeira de António Portugal que, nomeadamente, afirmou: Penso que aqui estão as tuas raízes ... aqui te temos hoje Zeca, para com toda fraternidade que cabe no coração de um irmão e ideal de um amigo de sempre, te saudar em nome dos jovens do nosso tempo e desta Cidade que te não esquece e para quem és um filho muito querido.
Da intervenção do Dr. Mendes Silva recordo as seguintes passagens: Aqui estamos juntos, numa festa de estudantes de Coimbra ... A Cidade de Coimbra, a tua Cidade, em momento de gratidão bem alto, concedeu-te a medalha de ouro com que distingue os seus vultos mais ilustres. Bem a mereceste, pois fazes parte da sua história por direito próprio. Obrigado Zeca. Volta sempre. A casa é tua.
Quanto às minhas recordações conto uma das memórias mais marcantes da minha vida.
Estava junto a Zeca Afonso, já então a sofrer da doença que o iria acompanhar até ao fim da sua vida. Após a entrega da medalha, a cerimónia foi interrompida por um grupo de jovens que reivindicaram o direito de falar. De falar para contestar a aceitação por Zeca Afonso da medalha da Cidade, tendo o jovem orador então afirmado, cito de memória, que só se explicava tal aceitação porque Zeca era já “um cadáver ambulante”.
Fácil é compreender o burburinho que tal afirmação gerou e que levou alguns a tirarem desforço fazendo o grupo fugir da Sereia. Quando isso aconteceu o Zeca abeirou-se do microfone e disse: não lhes batam ... são só uns miúdos.
Uma frase, uma grandeza humana que me marcou para vida.
Um facto que aqui recordo.
Fado de Coimbra?
Mas a toada coimbrã, apregoada sob essa designação e como tal já universalmente reconhecida, deverá, efetivamente, enquadrar-se na veia paradigmática do «Fado» propriamente dito?
… Debrucei-me um pouco sobre … «fado lisboeta» para poder estabelecer uma linha de diferenciação com o «chamado fado coimbrão», ficando em melhores condições para justificar o cuidado que tive – e quero ter – em não utilizar a designação «Fado de Coimbra», antepondo ao título, cautelosa e restritivamente, o classificativo de «o chamado» - o «Chamado Fado de Coimbra».
E não é agora que se me antepõe a reticência. Num apontamento marginal de um livrito meu (quando a propósito da «revelada tendência de Luís Goes para a trova, balada ou canção, afirmei não hesitar tê-lo como um percursor das novas toadas, seu contemporâneo «Bettencourt»), já então escrevi: “E se não inculco este género de antípoda do «chamado» fado de Coimbra, é porque «verdadeiramente em Coimbra não houve fado», mas tão somente «canção», por vezes de reconhecida sentimentalidade, é certo, mas nunca enformada em temas trágicos ou fatalistas, tão específicos daquela efetivamente depressiva composição, em que Lisboa se louva e a minha sensibilidade também não enjeita”.
… Ao contrário do que sucede com a lisboeta, os compositores de Coimbra constroem as suas composições «abstratamente» (música por música), isto é, valem-se de uma fonte instintivamente criadora, dum espontâneo fogo interior, «sem disporem ainda de um tema literário a musicar», seja a tradicional quadra, seja outro poema,( «exceção para o soneto, em que se revelou mestre D. José Pais de Almeida e Silva, infelizmente sem continuadores; exceção ainda para as conhecidas «Carta da Aldeia» e «Carta de Longe», realçadas na voz de oiro de António Menano).
Não é curial, nem didática, a invocação do próprio testemunho. Releve-se-me, pois, a citação: Duas canções que vejo gravadas em discos por Almeida d’Eça, António Bernardino, Armando Goes e Luís Goes, compu-las quando ainda não tinha premeditado a letra, pelo que julgo da mesma forma terem procedido outros compositores.
Enfim: libertos desse condicionalismo, tantas vezes prejudicial à espontaneidade criacional – e na espontaneidade é que se revelam a garra, o talento e o génio – as composições resultam necessariamente «mais leves, menos arrastadas, consequentemente mais acessíveis e perduráveis».
… Estamos, assim, nitidamente, face aos primeiros pontos de divergência … na congénere coimbrã, toda cançonetista, airosa e leve, a que bem assenta a designação de «canção», a «Canção de Coimbra», ou mesmo, (por condescendência a uma tradicional nomenclatura, arreigada no tempo), «Fado Canção de Coimbra».
… E isto se diga em defesa da pureza daquilo que eu considero o «Chamado Fado de Coimbra»
Sousa, A. 1981. O Canto e a Guitarra na Década de Oiro da Academia de Coimbra (1920-1930). Coimbra, Comissão Municipal de Turismo, pg. 5, 8 a 13
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