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Segunda entrada dedicada ao trabalho da Doutora Ana Margarida Dias da Silva, intitulado Inventário do Arquivo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco da Cidade de Coimbra (1659-2008).
Além da santificação pessoal, os irmãos terceiros dedicaram-se a tarefas diversificadas, muitas de cariz social. A ação piedosa e de beneficência da Ordem Terceira esteve sempre patente ao longo dos séculos manifestando-se de diversas formas, como por exemplo, a decisão em Mesa de 3 de maio de 1832 de dar esmola de bacalhau, arroz, pão, laranjas e dinheiro a todos os presos das cadeias da Portagem, Universidade e Aljube e a todos os irmãos pobres da Ordem; com a fundação do Hospital e Asilo, inaugurado em 1851 e 1852,
Pormenor da fachada principal do edifício do Carmo, hoje sede da Ordem Terceira de Coimbra, sito na rua da Sofia, n.º 114, Coimbra. Op. cit. 68
com o Patronato Masculino de Santo António e, mais recentemente, com a criação da Casa Abrigo Padre Américo (fundada em 1994).
Casa abrigo Padre Américo, sita na Azinhaga Carmo. Imagem acedida em https://entenderosemabrigo.webnode.pt/products/casa-abrigo-padre-americo/
Situando-se primitivamente no Convento de S. Francisco da Ponte da mesma cidade,
Convento de S. Francisco, já adaptado a fábrica. Acervo RA
em 5 de janeiro de 1659 foi feita a primeira eleição com os oficiais na forma estipulada pelo Papa Nicolau IV, estando presentes D. Frei António de Trejo, bispo de Cartagena e vigário geral da Ordem, e o padre frei Jerónimo da Cruz, comissário da Ordem, e com assistência e votos dos irmãos terceiros. Os primeiros Estatutos da Ordem Terceira de São Francisco de Coimbra determinam que esta seja governada por um Ministro, um Secretário, seis ou oito Definidores, um Síndico, um Vigário do Culto Divino, os Zeladores em número dependente da cidade, vila ou lugar ou o número de irmãos, seis Sacristães e um Vice visitador.
Em 1740 iniciou-se a construção da capela de Nossa Senhora da Conceição da Ponte e Casa do Despacho onde se reunia a Mesa do Conselho. O novo edifício foi construído em terreno anexo ao convento de S. Francisco da Ponte e ainda hoje é propriedade da Ordem Terceira de Coimbra. Em 1784 a Mesa da Venerável Ordem Terceira reuniu na igreja paroquial e colegiada de S. Cristóvão, uma vez que fora expulsa da Casa do Despacho e capela ereta no convento de S. Francisco da Ponte e em novembro de 1785 reuniu pela primeira vez na Sé Velha.
Capela de Nossa Senhora da Conceição, contigua ao Mosteiro de S. Francisco. Acervo RA
Silva, A.M.D. 2013. Inventário do Arquivo da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco da Cidade de Coimbra (1659-2008). Fotografias Ana Margarida Dias da Silva e Sérgio Azenha. Lisboa. Edição do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa - Lisboa e da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco.
O Aljube do Bispo, ou apenas Aljube, estava localizado na Alta, em frente da entrada do Paço Episcopal.
Tinha capacidade para 14 a 20 presos e possuía, como a prisão da Portagem, uma pequena capela em frente, encostada à igreja de S. João de Almedina.
Foi convertido em prisão oficial para os presos comuns depois da vitória liberal, mas já anteriormente se recorria a esse espaço, quando a sobrelotação da Portagem o impunha. Além disso, era regularmente utilizado como local de detenção das mulheres presas por ordem da Universidade.
Em 1835 decidiu-se ... remover para aqui os presos com culpas mais leves e ainda todas as mulheres detidas na Portagem, mas só dois anos depois foram ordenadas obras de restauro.
Em Fevereiro de 1838 obteve-se licença do Vigário Capitular para efetuar reparações e para a Câmara Municipal poder lá instalar todos os presos que fosse possível. Em Novembro a prisão estava pronta e foi nomeado o carcereiro. Um ano depois foram também para aí transferidos, provisoriamente, os estudantes detidos na cadeia da Universidade.
Em 1841 o Aljube encontrava-se novamente carente de obras e em finais de 1846 ou inícios de 1847, os estudantes, que aí permaneciam, denunciaram a total falta de condições: os alojamentos destinados não eram próprios nem para os piores criminosos e os universitários estavam misturados com os presos políticos e com os ladrões ...
... A cadeia da Universidade era destinada à população académica detida à ordem do Conservador da Universidade, a quem pertencia a jurisdição do foro privativo da Universidade, e do reitor (ou vice-reitor) que detinha a autoridade policial.
Esta cadeia, localizada por baixo da sala dos capelos até à reforma pombalina, transitou depois para as caves da biblioteca.
Existe, de Janeiro de 1779, um requerimento do carcereiro informando que a mudança dos presos acabou de se fazer. O seu ordenado era então de 36 réis ao dia mais as carceragens pagas pelos presos, 380 réis.
No ano seguinte, nova petição do carcereiro declara a cadeia insegura e sem dispor de cloaca.
Em 1782 lamentava-se a falta de duas ou três casas de segredo, de algumas grades e de duas latrinas e em 1787 surgem novas queixas sobre a falta de segurança.
O decreto de 25 de Novembro de 1839, com o Regulamento da Polícia Académica, manda alojar os estudantes presos num compartimento decente da cadeia do Aljube, enquanto se não aprontar uma casa de detenção própria. Como vimos, os alunos aí detidos não consideravam estar acomodados com o mínimo de decência ... “duas janellas de grades sinistras, que deixam passar á vontade pelas portas crivadas de fendas as injurias do tempo, quatro paredes immundas, um tecto afumado, e de barrotes descarnados, um soalho carcomido, a vizinhança de uma latrina, eis ahi a cadêa dos estudantes!”, escreve-se na Revista Académica, nº 22, s. d., p. 352. 36
Só em 1855 se ordenou a instalação da cadeia da Universidade no extinto Colégio de S. Boaventura, o da Alta.
Lopes, M.A. 2010. Cadeias de Coimbra: espaços carcerários, população prisional e assistência aos presos pobres (1750-1850). In Araújo, M.M.L., Ferreira, F.M. Esteves, A. (orgs.) Pobreza e assistência no espaço Ibérico (séculos XVI-XIX), [Porto], CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, 2010, pp. 101-125. Pg. 8-9, 10-11
À Câmara competia na verdade, e desde remoto tempo, a instalação e administração da cadeia.
Durante o século XVI, a prisão do Castelo tornou-se insuficiente e até inconveniente pelas promiscuidades a que obrigava e criaram-se:
1.º O Aljube, destinado a prisão eclesiástica (do clero e dos seus privilegiados), defronte do Paço Episcopal;
2.º A prisão académica, destinada a gente da Universidade nos baixos da sala dos Atos Grandes, mais tarde transferida para os baixos da Biblioteca da Universidade e mais tarde ainda para a Rua dos Loios ...
3.º A cadeia da Portagem, mandada construir pela Câmara, no atual Largo da Portagem
(Noutro lugar da mesma publicação o Autor ainda refere o Aljube de Santa Cruz ...no ‘Isento’ de Santa Cruz ... «cadeia especial para as penas impostas aos habitantes na área da jurisdição do prior-geral. Essa cadeia estava em Montarroio, numa casa ligada à Torre».
No meado do século XIX levantaram-se grandes clamores contra a ‘Cadeia da Portagem’, que intitulavam «inferno dos vivos», pela falta de condições higiénicas, mesmo elementares. E todos se insurgiam por ser um espetáculo desolador a quem entrava em Coimbra vindo dos lados de Lisboa, com os presos de mão estendida, pedindo «uma esmolinha pelo amor de Deus».
... Em 1856 a Câmara deliberou transferi-la para a chamada «casa vermelha», dependência do antigo Mosteiro de Santa Cruz.
Para aí se transferiram, feitas as obras necessárias, não só os presos da Cadeia da Portagem mais os do Aljube.
... E de então em diante só passou a haver nesta cidade a Cadeia de Santa Cruz e a Cadeia Académica, enquanto se não construiu (muito mais tarde), a Penitenciária e há poucos anos ainda a cadeia civil na cerca da Penitenciária.
A Cadeia da Portagem foi construída e administrada sempre pela Câmara ... e a Cadeia de Santa Cruz foi também arranjada e reparada largos anos igualmente pela Câmara que continuou, como anteriormente, a pagar ao carcereiro.
Loureiro, J.P. Relatório sobre os edifícios e terrenos do antigo Mosteiro de Santa Cruz. In Câmara Municipal de Coimbra. 1958. Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz. Petição e Fundamentos. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XV. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 20 a 21
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