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A' Cerca de Coimbra


Quinta-feira, 29.07.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 29

Os obreiros das novas arquitecturas (continuação)

Mas não foram só os projetistas a imporem a sua marca na cidade, porque as arquiteturas que bordejam estes novos arruamentos apresentam, genericamente, uma matriz comum que passa pela utilização de cantarias lavradas, de azulejos e de ferros forjados. Trata-se da chancela que homens formados na Escola Livre das Artes do Desenho (ELAD) aplicavam nos imóveis que, obviamente não riscavam, mas decoravam.

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João Machado

Era esta a modernidade aposta na arquitetura que então se praticava numa cidade do interior, onde os artistas se viam impedidos, por inexistência, de frequentar uma Escola de Belas Artes. Se se compararem estas construções com as erguidas na capital, para já não falar com as das grandes metrópoles europeias, nota-se um atraso considerável. Contudo, a especificidade verificada na cidade do Mondego e patente na maior parte dos edifícios então edificados, permite-me rotular essas construções com o nome de ARQUITETURA ESCOLA LIVRE.

Fig. 51. António Augusto Gonçalves com um grupo

Fig. 51 – António Augusto Gonçalves com um grupo de alunos da ELAD numa visita de estudo.

É verdade que existem em Coimbra muitas obras deste período a caber no âmbito do ecletismo, mas todas elas apresentam a mesma matriz, baseada no gosto dos proprietários ou no saber dos canteiros que nelas trabalhavam. Ao fim e ao cabo, podem considerar-se o produto visível de uma cidade de província, fechada sobre si mesma, sem outros horizontes artísticos a não ser aqueles que a Escola Livre e também a Escola Industrial lhes proporcionavam.

Tem, frequentemente, sido feita referência à ELAD, isto é, à Escola Livre das Artes do Desenho. Como não havia em Coimbra uma escola de Belas Artes, António Augusto Gonçalves, homem dotado de grande capacidade de iniciativa e de vasta cultura, em 1878, acabou por fundar a Escola Livre, alfobre de muitos lavrantes que marcaram o panorama artístico de Coimbra, e não só, até cerca dos finais da terceira década de Novecentos.

A criação desta escola obedeceu “ao desejo de reunir todos os indivíduos que manifestavam aptidões artísticas, de propagar o estudo do desenho nas suas múltiplas aplicações às artes e às artes industriais, de tornar fácil e acessível a aquisição de conhecimentos sobre a forma de trabalhar os diversos materiais ensinando os princípios de estética indispensáveis à compreensão e interpretação das obras de arte”.

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‘Tugúrio de Almedina’

No ‘Tugúrio de Almedina’, onde as relações entre professores e alunos se estreitavam e confundiam, formaram-se serralheiros, canteiros, escultores, marceneiros, entalhadores, ceramistas e pintores, que procuraram colher ensinamentos válidos no campo da história da arte e que os utilizavam nas construções onde plasmavam o produto do seu labor.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

 

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por Rodrigues Costa às 21:28

Quinta-feira, 15.07.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 28

Os obreiros das novas arquitecturas

Os projetistas dos imóveis que neste período se iam edificando na cidade e especificamente no novo Bairro de Santa Cruz, a muitos dos quais já fomos fazendo referência ao longo do texto, eram, na sua maioria construtores civis, embora também encontremos o nome de condutores, mestres-de-obras e similares a riscarem prédios, a responsabilizar-se pela sua construção e a comprometerem-se, de acordo com regras estipuladas pela edilidade, com a segurança do operariado.

Através das deliberações tomadas na sessão da Câmara Municipal de Coimbra a 10 de setembro de 1908, fica-se a saber que, para poder assinar a planta de um edifício ou o projeto de modificação de uma qualquer fachada, teriam os autores de ser “engenheiros, arquitectos, desenhadores, ou condutores de obras públicas, ou mestres de obras devidamente inscritos”.

Contudo, um mestre-de-obras, para conseguir o diploma submeter-se-ia, obrigatoriamente, a um exame que, de acordo com o anúncio publicado na folha O Operario de Coimbra, constava “1.º Da leitura de um trecho facil da língua Portugueza; 2.º Das quatro operações sobre inteiras e decimaes; 3.º De calculos de areas e volumes das figuras mais usuaes; 4.º Da intelligencia e explicação de um plano de construcção civil; 5.º Do traçado de um pequeno projecto, copia ou original á escolha do candidato, que poderá servir-se de papel quadriculado; 6.º De noções geraes sobre materiaes de construcção, especialisando-se o que mais directamente se refira a estabilidade da cosntrucção e a segurança dos operários n'ella empregados”.

De entre os mestres-de-obras e os construtores civis a laborar na cidade, e naquele período, podem referir-se os nomes de “Abílio Augusto Vieira, de Cellas; Accacio Theodoro, da Portella da Cobiça; Antonio Augusto Pedro, Mont'Arroyo; Antonio da Silva Feitor, R. dos Militares; Antonio Simões; Benjamim Ventura; Francisco Antonio de Meira; Francisco de Campos; Francisco Collaço; João Antonio Maximo; João Gaspar Marques Neves; Joaquim Augusto Ladeira; Joaquim dos Santos Porto; Joaquim Simões Misarella; José Pedro de Jesus; José dos Santos Marques; Manuel Cardoso”.

Se se pensar, a nível de arquitetos e de acordo com o Annuario Commercial de Portugal, entre 1901 e 1925, apenas um, Augusto de Carvalho da Silva Pinto, aqui residia e mantinha atividade regular; contudo, não se pode escamotear a importância que neste período Raul Lino exerceu no contexto arquitetónico da cidade, quer através dos edifícios que projetou quer através da influência que a exposição dos seus trabalhos desempenhou tanto, lato sensu, na mentalidade da urbe, como no gosto de potenciais encomendantes.

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Fig. 49 – Assinatura do arquiteto Silva Pinto.

O primeiro, Silva Pinto, nasceu em Lisboa no ano de 1865 e faleceu na mesma cidade, onde foi procurar cura para os seus males, em 1938. Depois de ter terminado o curso especial de Arquitetura da Escola de Belas-Artes de Lisboa vai completar a sua formação na École des Beaux-Arts parisiense. Quando regressa de Paris, em 1895, fixa residência em Coimbra, dado que o arquiteto José Luís Monteiro, amigo do conde do Ameal, lho recomenda a fim de dirigir as obras de adaptação do colégio de S. Tomás, sito na Rua da Sofia, a residência do titular. A verdade é que se radicou na cidade e nela permaneceu até ao fim da vida, envolvendo-se nos mais diversos empreendimentos arquitetónicos e culturais que então se desenvolviam na urbe. Da sua mão saíram muitos e variados projetos de edifícios que espalham e espalhavam, porque alguns já desapareceram sob o camartelo cego dos poderes públicos, pela cidade; alem disso exerceu o magistério na Escola Brotero e envolveu-se com os cometimentos e com a “política” da urbe, e não só.

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Silva Pinto

O arquiteto Raul Lino nasceu em Lisboa a 21 de novembro de 1879 e aí faleceu a 14 de julho de 1974.

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Fig. 50 – Arquiteto Raul Lino.

Iniciou a sua formação em Inglaterra e, depois de 1893, continuou-a na Alemanha, onde foi discípulo de Albrecht Haupt, mestre que marcou profundamente o seu pensamento e a compreensão da corrente modernista.

Nos últimos anos do século XIX, certamente por influência de um take off tardio, Lisboa começou a crescer e muitas das novas zonas foram projetadas a partir dos princípios do design moderno vindo de Paris. Mas esses projetos não interessavam a Raul Lino, para quem os valores tradicionais e nacionais, como o amor pela pátria, para além de terem feito parte da sua formação, exerciam sobre ele uma profunda influência.

O alarife nutria uma grande simpatia pelos artistas de Coimbra ligados à ELAD, utilizando mesmo, e frequentemente, nos imóveis que projetava as cantarias e os ferros forjados saídos das suas oficinas; o gosto pela utilização azulejar como elemento decorativo também era comum. Esta afinidade talvez encontre explicação, porque Lino nutria o mesmo empenho, admiração e culto artístico pela arte nacional que encontrava seguidores em António Augusto Gonçalves e nos seus discípulos, homens que, em Coimbra iam “modestamente fazendo a renovação das nossas indústrias de arte”.

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Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, ‘Quim Martins’

Quim Martins, no seu jornal Resistencia, escrevia que em Raul Lino se encontra, o que era raro nos arquitetos, a preocupação com “physionomia da região, e com a côr da paysagem” e, além disso, “tira partido de tudo que possa dar um ar pittoresco e regional, á sua construção”.

Casa na Avenida Marnoco e Sousa. Projeto do Arquit

Casa na Avenida Marnoco e Sousa. Projeto do Arquiteto Agostinho da Fonseca. Foto Daniel Tiago, 2006

O artista, que frequentemente se deslocava a Coimbra, ao ter conhecimento de que se encontrava em projeto a abertura do Bairro do Penedo da Saudade, levou a cabo na sede do Instituto uma exposição dos seus trabalhos, porque, de acordo com o «Noticas de Coimbra» “ficariam ali muito bem prédios daquele tipo”; a mostra inaugurou-se no dia 14 de março de 1908.

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Av. Marnoco e Sousa, placa toponímica

O “festejado artista” vira já os seus méritos reconhecidos pela intelligenza da cidade que o fizera, em 1904, sócio do Instituto de Coimbra.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 18:36

Quinta-feira, 08.07.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 27

Casa-Museu Bissaya Barreto

 Pegada ao Aqueduto de S. Sebastião, paredes meias com o Largo João Paulo II, ergue-se a casa que outrora foi residência do doutor Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa (1886-1974), atual Casa-Museu Bissaya Barreto.

O conhecido professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra adquiriu o terreno à edilidade, em 1923, por 51.615$18 escudos e o requerimento a pedir a autorização para a moradia ser erguida deu entrada na Câmara Municipal de Coimbra em janeiro de 1925; assinava-o, em nome do requerente, o construtor civil diplomado António Maia que também se responsabilizava pela segurança dos operários nos termos do regulamento de 06 de junho de 1895.

Tanto o projeto como a orientação da construção da casa foram entregues a um gabinete de arquitetura de Lisboa, “Fiel Viterbo L.da”, que não deixou rasto no panorama arquitetónico nacional.

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Fig. 47 – Fachada principal da moradia de Bissaia Barreto. Fiel Viterbo, L.da. [AOCMC. Proc. 01-96/1925].

Fig. 48. Casa de habitação de Bissaia Barreto.[F

Fig. 48 – Casa de habitação de Bissaia Barreto. [Foto RA].

Portão da casa de habitação de Bissaia Barreto.

Portão da casa de habitação de Bissaia Barreto. Foto Maluisbe

 moradia, que apresenta uma planta em forma de “L”, não possui um estilo arquitetónico definido: trata-se de um edifício ambíguo que oscila entre a ‘casa portuguesa’ e o neobarroco, mas ultrapassa, de qualquer modo, os parâmetros costumeiros. A escadaria desenvolve-se no ângulo formado pelos dois braços do corpo do imóvel que é coroado por um largo torreão octogonal fenestrado. O conjunto da casa e do jardim reflete o gosto e o requinte do proprietário que juntou elementos de outrora com peças atuais saídas das oficinas dos artífices conimbricenses. Os ferros forjados, de gosto neorrenascentista, que se observam nos portões e nas aberturas do muro, constituem um bom exemplo.

Portão da casa de habitação de Bissaia Barreto.

Portão da casa de habitação de Bissaia Barreto. Ferros forjados, pormenor. Foto RA

A consulta da documentação existente no arquivo da Fundação permite concluir a omnipresente participação do encomendante na construção da sua residência, mesmo face às orientações do arquiteto, bem como aquilatar a sensibilidade artística de Bissaia Barreto até, e principalmente, quando estavam em causa os pormenores.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 19:32

Quinta-feira, 24.06.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 25

Os estabelecimentos prisionais de Coimbra - Penitenciária

A Rua de Tomar, tal como a Garrett delimitam parcialmente, se é que assim se pode dizer, o Bairro de Santa Cruz e a primeira, conjuntamente com a Rua Pedro Monteiro e com a Rua Infantaria 23 contornam os estabelecimentos prisionais de Coimbra.

Na sequência da Reforma Penal e de Prisões acontecida em 1876, que avançava com uma nova maneira de olhar os reclusos e se debruçava sobre as condições físicas e morais em que estes eram mantidos, tornou-se premente renovar os edifícios prisionais.

Em Coimbra foi escolhido espaço pertencente outrora ao Colégio de Nossa Senhora da Conceição, de Tomar ou de Cristo, onde se instalavam os alunos pertencentes àquela Ordem e que frequentavam a Universidade.

Fig. 42. Colégio de Tomar. 1870. [Monumentos, 25,

Fig. 42 – Colégio de Tomar. 1870. [Monumentos, 25, p. 42]

A estrutura fora erguida no âmbito da transferência dos Estudos Gerais para a cidade, em 1537, por ordem de D. João III. Face ao processo de desamortização, em 1852, o Colégio a sua cerca foram vendidos a um particular e, posteriormente, adquiridos pelo município que acabou por ceder o espaço, a fim de nele ser construído um estabelecimento prisional.

A Penitenciária mondeguina segue o risco de Adolpho Ferreira de Loureiro, engenheiro que já anteriormente foi referido. Convém esclarecer que, bastas vezes, a autoria do projeto aparece, erroneamente, atribuído ao engenheiro Ricardo Júlio Ferraz (1824-1880).

Fig. 43. Penitenciária em construção [Revelar C

Fig. 43 – Penitenciária em construção [Revelar Coimbra, 46].

A cadeia Penitenciária de Coimbra começa a ser construída em 1876, inaugurou-se em 1894, mas só em 1901 entraram no estabelecimento os primeiros dez reclusos, embora o edifício, depois de concluídos os trabalhos, estivesse apto a receber mais oitenta presos.

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Penitenciária já concluída.

O referido estabelecimento prisional segue o modelo panótico radial, de planta em cruz latina, e mostra “4 alas ortogonais em volumes de predominante horizontal, das quais 1 maior e 3 de média extensão, conjugadas com 4 alas menores inseridas em volume poliédrico octogonal, configuram um conjunto de 8 braços irradiando a partir de um ponto focal ou panóptico, assinalado por espaço de acentuada verticalidade”.

Na sua construção predomina o ferro, a madeira e o vidro, tendo o primeiro, nesta obra, um papel muito relevante bem visível na estrutura da cúpula ou nos pormenores (guardas, claraboias, óculos, etc.).

No caso conimbricense, a especificidade radica ainda no recurso ao vocabulário neogótico, presente nos vãos em arco quebrado, nos muros ameados e em outros elementos.

Pode afirmar-se que a este contexto não estará “seguramente, alheio o contributo dos mestres da Escola Livre das Artes do Desenho de Coimbra”.

Fig. 44. Penitenciária e Bairro de Santa Cruz. 19

Fig. 44 – Penitenciária e Bairro de Santa Cruz. 1915. [Monumentos, 25, p. 126].

A adaptação ao terreno envolvente, a erudição das casas do diretor e dos chefes de guarda, as oficinas (que tornaram este espaço numa cadeia-oficina) e os logradouros revelam um traçado erudito que reforça a originalidade do projeto.

A cúpula da Penitenciária, feita em 1887, saiu da forja de Manuel José da Costa Soares, dono de uma alquilaria, sita à Rua da Sofia, na inacabada igreja de S. Domingos e que, ao fundo, um pouco afastado da entrada, montara a fundição. Os seus trabalhos de ferro já eram conhecidos, pois, como referi, é também da sua responsabilidade a parte metálica do Theatro-Circo, erguido na Avenida Sá da Bandeira.

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Fig. 45 – Penitenciária. Cúpula. [Foto RA].

Construído expressamente para o efeito, este edifício prisional conserva as suas características originais, constituindo um dos três exemplos de planta radial existentes no nosso país.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf.

 

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por Rodrigues Costa às 10:59

Quinta-feira, 17.06.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 24

O monumento aos Mortos da Grande Guerra

A chamada Primeira Grande Guerra, que se desenrolou entre 1914 e 1918 envolveu as grandes potências de todo o mundo e o nosso país acabou por também não assumir uma posição neutral.

As primeiras tropas nacionais, pertencentes ao Corpo Expedicionário Português partiram, em 1917, para o campo de batalha; dirigiram-se, num primeiro momento, para a Flandres e passaram, posteriormente, a combater em França.

Dos quase duzentos mil homens que chegaram a estar mobilizados, cerca de dez mil perderam a vida e os feridos cifraram-se em vários milhares; além disso, os custos económicos e sociais gerados pela conflagração mostraram-se gravosos para Portugal.

O desejo de perpetuar a participação portuguesa no conflito levou a que se organizasse, em 1921, a Comissão dos Padrões da Grande Guerra que serviu de base à intenção do governo republicano de, por um lado, fazer perdurar e homenagear o nome daqueles que haviam perdido a vida na guerra e, por outro, veicular os valores nacionalistas de uma Pátria triunfante.

Em Coimbra começou-se, de imediato, a pensar em corporizar a ideia e, logo em 1922 aparece na imprensa o projeto de um monumento aos Mortos da Grande Guerra saído da mão do canteiro-escultor António Francisco dos Santos, Filho.

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Projeto de António Francisco dos Santos, Filho

A ideia não se concretizou e só anos mais tarde, a 05 de outubro de 1930, foi lançada a primeira pedra do padrão, não sem que antes se tivesse desenrolado uma forte polémica em torno da sua localização.

Acabou por ser erguido no jardim central da Avenida Sá da Bandeira, na zona fronteira ao que hoje é o quartel da Polícia Municipal.

A iniciativa da construção do monumento partiu da Câmara Municipal de Coimbra e da comissão da Liga dos Combatentes sediada na cidade e teve por base o projeto delineado pelo escultor Luís Fernandes de Carvalho Reis (1895-1954) e pelo arquiteto António Varela (1903-1962); a inauguração aconteceu a 10 julho de 1932.

Fig. 41. Monumento aos Mortos da Grande Guerra. [F

Fig. 41 – Monumento aos Mortos da Grande Guerra. [Foto Manuel da Costa].

Monumento aos Mortos da Grande Guerra [Foto RA].JP

Monumento aos Mortos da Grande Guerra. Foto RA

Monumento aos Mortos da Grande Guerra. Pormenor [F

Monumento aos Mortos da Grande Guerra, pormenor. Foto RA

Estamos perante um monumento, arcaizante, a filiar-se em modelos do final do século XIX, inícios do XX, constituído por sólidos blocos de pedra justapostos onde se destacam, encostados a um pedestal troncopiramidal quatro soldados em sentido, com indumentária da época, segurando a arma ao alto, junto do peito; além de mostrar uma certa rigidez plástica, encontra-se decorado com alguns símbolos nacionais e remata com a figuração de uma bala.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf.

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por Rodrigues Costa às 10:25

Quinta-feira, 10.06.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 23

A Escola Industrial Brotero deambula pela cidade (continuação)

Martins de Carvalho, no ano de 1891, em O Conimbricense fazia a apologia do ensino industrial ministrado pela escola, escrevendo que “hoje já se não comprehende um operario sem instrucção artistica. É mister progredir, e não se progride sem estudo. As differentes terras do reino procuram desenvolver e aperfeiçoar as suas industrias; e por isso a cidade de Coimbra não póde nem deve ficar-lhes inferior, quanto o permita a sua esphera de acção. O conhecimento do desenho é absolutamente indispensavel aos operarios; e esse conhecimento podem elles obtel-o na Escóla industrial Brotero. Chamâmos toda a attenção dos operarios, dos paes de familia e dos chefes dos estabelecimentos para este ponderoso assumpto”.

No contexto de modernização escolar delineada pela Coroa, a que já me referi, foi importada “mão-de-obra” específica, destinada a integrar o corpo docente desses estabelecimentos de ensino industriais, então a conhecerem, no país, um considerável impulso. Para Coimbra, de acordo com A Voz do Artista (1889.08.31) e O Conimbricense (1889.08.24), a fim de lecionar na Escola Industrial de Brotero vieram vários professore estrangeiros: Charles Lepierre (francês), contratado em Paris para o ensino da química aplicada à indústria; Leopoldo Battistini (italiano), contratado em Roma, para ensinar desenho decorativo; Hans Dickel (austríaco), contratado em Viena, seria o responsável pelo ensino do desenho de arquitetura; Emile Lock (austríaco), contratado em Viena, regeria o ensino da física mecânica e suas aplicações industriais, devendo também ocupar-se do curso de desenho de máquinas.

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Charles Lepierre

Hans Dickel, pouco depois de ter chegado a Coimbra, foi encarregado (1889) de riscar o projeto de um edifício destinado a albergar a Brotero, mas a verdade é que ele jamais saiu do papel, se é que alguma vez lá esteve, embora aparecesse sempre referenciado na imprensa local como sendo “de grandiosas dimensões”.

Mais tarde, em 1910, também sem qualquer resultado visível, o “distinto arq. Adães Bermudes” deslocou-se a Coimbra, a fim de coligir os apontamentos indispensáveis para a elaboração do risco do novo edifício e o dr. Sidónio Pais, no ano seguinte, depois de ter sido nomeado ministro do Fomento, encarrega o arquiteto Silva Pinto de apresentar um outro projeto que “ficará situado entre a Praça da Republica, rua Oliveira Matos e estrada de Entre Muros, com a fachada principal voltada para a Avenida Sá da Bandeira”. A impressa local publicou o alçado que por aí se quedou.

A impressa local publicou o alçado que por aí se

A impressa local publicou o alçado que por aí se quedou.

Em 1917 as chamas consumiram as alas do claustro da Manga que a Brotero ocupava, ocasionando graves prejuízos e deixando a escola sem instalações.

Mas goraram-se as expectativas de que o incêndio tivesse sido ‘providencial’ e obrigasse à construção do novo imóvel, porque a Escola passou a utilizar o edifício onde funcionara a Direção das Obras Públicas, nas proximidades da Praça da República; isto é, na ‘Casa de Férias’ do prior de Santa Cruz.

Em 1921, quando foi criado o Instituto Industrial e Comercial de Coimbra, o Governo determinou que a Brotero deixasse as instalações da Rua Oliveira Matos e passasse a ocupar o edifício fronteiro ao Jardim da Manga.

Fig. 40. Em 1921 a Escola Brotero instalou-se no e

Fig. 40 – Em 1921 a Escola Brotero instalou-se no edifício crúzio fronteiro ao mercado. [BMC.I, AG_0077].

A estrutura, um “edifício, donairoso e alegre na exposição de mimos que o rodeavam, pois se debruçava por sua longa fila de janelas e serventias sobre a opulenta e viçosa horta e laranjal, que a paciência e laborioso entendimento dos frades, tornavam em aprazível retiro digno de ser visto”, entrara na posse da edilidade, como já se referiu, depois da extinção das ordens religiosas.

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Torre de Santa Cruz e edifícios circundantes

Tratava-se, porém, de uma construção muito mais vasta do que a atual, pois a “queda” da torre de Santa Cruz, acontecida em 1935, arrastou consigo uma grande parte do edifício que havia integrado, outrora, o complexo crúzio.

Construído na primeira metade de Seiscentos para servir de enfermaria, acabou por funcionar como residência do prior e como hospedaria, destinada a receber visitantes ilustres; coloca-se mesmo a hipótese de o cartório também ali ter estado instalado. Depois de servir muitos outros fins, acabou em Escola Brotero e, posteriormente, em Escola Jaime Cortesão.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 13:00

Quinta-feira, 03.06.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 22

A Escola Industrial Brotero deambula pela cidade 1

Ao subir a Avenida Sá da Bandeira voltamos a deter-nos para pensar no grandioso edifício, nunca construído, destinado a nele funcionar a Escola Industrial e Comercial Brotero. Mas, para tal, forçoso se torna recuar no tempo e compreender a filosofia que envolveu a criação daquele estabelecimento de ensino.

A monarquia estava, no final de Oitocentos, a investir na instrução, com particular ênfase na vertente industrial, até porque chegara à conclusão que este tipo de desenvolvimento, já posto em prática noutros países, funcionara como mola impulsionadora do progresso.

É no contexto da ideologia subjacente que António Augusto de Aguiar assina, a 03 de janeiro de 1884, o decreto que criava, em Coimbra, a Escola de Desenho Industrial, ‘batizada’ de Brotero, em dezembro do mesmo ano.

Fig. 38. O refeitório dos crúzios albergou, conj

Fig. 38 – O refeitório dos crúzios albergou, conjuntamente com a Associação dos Artistas de Coimbra, a Escola Brotero. [BMC.I, Bmc_b231].

Para albergar o novo estabelecimento de ensino a Câmara cedeu a igreja do Colégio da Trindade, mas a escola jamais se alojou no templo e, para que o novo estabelecimento de ensino iniciasse as suas funções, a Associação dos Artistas que, como vimos, ocupava o refeitório crúzio, em 1885, ofereceu, de forma parcial, as suas instalações, para que as aulas se pudessem iniciar.

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Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Coimbra. Diploma

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Refeitório dos crúzios, hoje Sala da Cidade

Dois anos volvidos, em 1887, os vereadores republicanos António Augusto Gonçalves e Manuel Augusto Rodrigues da Silva apresentaram uma proposta no sentido de transformar a Brotero numa escola industrial. A sugestão justificava-se porque, na cidade, a indústria mais vultuosa era a da cerâmica e porque se perfilava a hipótese de que a Escola Nacional de Cerâmica “que andava na mente do Sr. ministro das obras públicas”, se localizasse em Coimbra.

A alteração veio a acontecer quando Emídio Navarro, através de decreto publicado no Diário do Governo de 10 de janeiro de 1889, transforma a “Escola de Desenho Industrial” em “Escola Industrial” Brotero.

Três anos antes (1886), sendo diretor António Augusto Gonçalves, a escola passou a utilizar, para além da parte da sala cedida pela Associação dos Artistas, o espaço pertencente à Câmara Municipal situado por cima do refeitório crúzio; contudo, em meados de 1889, o estabelecimento de ensino, então ‘provisoriamente’ instalado, continuava a usufruir os mesmos espaços.

Como consequência, procedeu-se a adaptações que passaram por lhe anexar, num primeiro momento, o andar superior da ala oeste do claustro da Manga (atual Jardim da Manga), a antiga capela do noviciado e, mais tarde, o segundo piso da fachada sul, bem como o próprio claustro e os pisos térreos das duas mencionadas alas.

Fig. 39. Claustro da Manga. [Revelar Coimbra, 31].

Fig. 39 – Claustro da Manga. [Revelar Coimbra, 31].

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

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por Rodrigues Costa às 12:04

Quinta-feira, 27.05.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 21

O Theatro-Circo

Na Avenida Sá da Bandeira, um pouco mais acima da escola primária, erguia-se o edifício do Teatro Avenida, hoje substituído por um ‘magnífico’ shopping.

Teatro Avenida. Exterior.jpg

Teatro Avenida, exterior

Teatro Avenida. Demolição. Foto NCB.jpg

Teatro Avenida, demolição. Foto NCB

No século XIX, aquando das intervenções levadas a cabo sobretudo na zona das catedrais, destruíram-se as construções que as rodeavam, quebrando todo o diálogo com a malha urbana, a fim de abrir praças capazes de possibilitar a inclusão dos templos nas máquinas fotográficas dos turistas ou então para que, como refere causticamente Alexandre Herculano “a vadiagem possa estirar-se regaladamente ao sol”.

Nem a igreja de Santa Cruz escapou ao desejo, felizmente não concretizado, de ser destruída para dar lugar a uma praça; quem no-lo dá a saber é também Alexandre Herculano quando escreve em O Panorama: “Levaram-nos a Coimbra no anno de 1834 obrigações de serviço publico: ahi residiamos quando foi supprimido o mosteiro de Sancta-Cruz. Correu então voz pública de que houvera quem se lembrasse de pedir que este bello edificio fosse entregue á municipalidade. Ninguem imaginará para que. Era para esta o mandar arrazar, e fazer uma praça. Não veio a lume este projecto nefando, mas não foi por mingoa de bons desejos. Uma praça no logar onde estivera Sancta-Cruz; uma praça calçada com os umbraes esculpidos do velho templo, com as lagens quebradas dos tumulos de D. Afonso Henriques, de D. Sancho 1.º, e de tantos varões illustres que alli repousam!”.

Mas se, no século XIX, a ideia chave passava pela construção de praças, no XX transferiu-se para a instalação de shoppings e o camartelo da incúria e da ignorância passou a derrubar edifícios carismáticos para satisfazer interesses que, sob a capa de modernidade, não passam de puramente economicistas ou demagógicos.

Ultrapassemos este espírito destruidor para recordar os passos empreendidos pelos homens do final de Oitocentos, a fim de conseguirem dotar a cidade com uma sala de espetáculos equestres digna.

No dia 27 de novembro de 1890 a Câmara Municipal de Coimbra levou à praça uma série de 21 lotes, quase todos sitos na atual Avenida Sá da Bandeira; entretanto, como vinte cidadãos da terra expressassem o desejo de construir, naquele local, um Teatro-Circo, foram excluídas da hasta pública três parcelas. Os interessados pretendiam a cedência dos terrenos mediante a outorga de certas facilidades, por isso, dado tratar-se de um empreendimento notável que envolvia, de uma forma ou de outra, toda a comunidade, o assunto foi discutido na sessão camarária de 04 de dezembro.

Fig. 36. O Theatro-Circo (Teatro Avenida) erguia-s

Fig. 36 – O Theatro-Circo (Teatro Avenida) erguia-se na Av. Sá da Bandeira. [AHMC. Diversos, maço 3, documento 2].

Terminou por lhes ser cedida uma área de 1602 m2, ao preço de 300 réis por unidade, benefício notório, visto que, em média, naquela zona, o terreno estava a ser vendido por 680 réis. A autarquia favoreceu os concessionários, mas, não o fez sem imposições, porque, na escritura pública de venda, lavrada a 14 de fevereiro de 1891, ficaram estipuladas, entre outras, as seguintes cláusulas:

“Condição 4.ª – O terreno não pode ser aplicado a outro fim, voltando nesta hipótese para a posse do município.

“5.ª – Se, depois de construído o Theatro-Circo, houver de se lhe dar outra aplicação por motivo de força maior, os possuidores do referido Theatro serão obrigados a indemnizar a câmara...”.

Encarregou-se de riscar o projeto do novo Teatro-Circo o arquiteto Hans Dickel, também responsável pelo delineamento de muitas das casas que então iam povoando o novo Bairro de Santa Cruz.

A fachada do edifício apresentava-se muito simples, até mesmo pouco elaborada, mas a estrutura do conjunto unia a alvenaria ao ferro, entrando no âmbito de uma certa modernidade.

Em dezembro de 1891 “activam-se os trabalhos para que se possam dar alli epectaculos equestres já em Janeiro proximo. O palco é que ainda se acha atrazado, devendo ser concluido em Março ou Abril. Andam a trabalhar no theatro Circo aproximadamente 100 operarios. O estuque está entregue ao habil industrial sr. Francisco Antonio Meira. As grades dos camarotes, as columnas que os sustentam, e as numerosas cadeiras para a plateia, tudo foi fundido na acreditada officina do sr. Manoel José da Costa Soares. (...) Consta-nos que se encarrega da pintura do panno de bocca, o distincto professor o sr. Antonio Augusto Gonçalves”.

A capacidade da sala, onde se podiam realizar espetáculos equestres, de declamação e de canto orçava pelos 1700 lugares, tendo o seu custo ultrapassado os 20 000$000 réis.

Fig. 37. Theatro-Circo (Teatro Avenida) [Bilhete P

Fig. 37. Theatro-Circo (Teatro Avenida) [Bilhete Postal].

O teatro, depois de inaugurado, a 20 de janeiro de 1892, com a atuação de uma “companhia equestre, gymnástica, acrobática, cómica e mimíca, do Real Coilyseo, de Lisboa, de que é director o sr. D. Henrique Diaz”, permitiu que Coimbra passasse a ter “uma casa de espectaculos em muito boas condições, e digna de uma terra civilizada”.

Em junho daquele mesmo ano, por ocasião das festas da Padroeira de Coimbra, a família real deslocou-se à cidade e, por decisão assinada pelo rei D. Carlos no Paço das Escolas a 23 de junho, a sala passou a denominar-se “Theatro-circo Principe Real”.

Mas não foi esta a última vez que a casa de espetáculo alterou o seu nome ao sabor das correntes políticas, porque, em 1910, depois da implantação da República, transmutou-se para Teatro Avenida, não sem que algumas pessoas se insurgissem pelo facto, pois entendiam que a estrutura devia adotar o nome de Teatro Sá de Miranda.

Esqueçamos as transferências de dono acontecidas após a inauguração, para recordar o desempenho do Teatro Avenida na cultura das gentes da cidade e, sobretudo o papel de relevo que representou na vida académica.

Dotar a cidade com um auditório condigno passou a ser um pressuposto que integrava todos os programas dos candidatos à presidência da Câmara de Coimbra dos anos 70 e 80 do século XX; também o foi daquele que ocupava a cadeira máxima da edilidade quando a vereação, em 1983, aprovou a entrada do camartelo no edifício do teatro. A promessa ficou por cumprir e perdeu-se, nessa altura, uma boa oportunidade de a concretizar, até com custos reduzidos, porque, penso, apesar das contantes alterações legislativas, que as cláusulas arroladas numa escritura não serão modificadas nem prescrevem com o tempo.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 19:20

Quinta-feira, 20.05.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 20

Particularismo revivalista aeminiense: o neorrenascença

Na esquina oposta àquela em que se levanta a casa da viscondessa de Seabra, isto é na confluência da Rua Alexandre Herculano com a Castro Matoso, em pleno Largo João Paulo II, deparamo-nos com a casa dos Martas, posterior sede da AAC/OAF.

O risco encontra-se atribuído ao arquiteto Silva Pinto e as cantarias, que utilizam uma linguagem neorrenascença, saíram do cinzel de João Machado, um dos mais representativos artífices da Escola Livre.

Não se podem deixar de referir as causas que estiveram no surgimento do gosto neorrenascentista na arquitetura da cidade, nem o lugar sui generis que ele veio a ocupar na conjuntura arquitetónica nacional.

Em Portugal, as arquiteturas nacionalistas do período ligado ao romantismo assumiram-se no contexto do neomanuelino e do neorromânico, mas, no microcosmo conimbricense, o neorrenascença veio a ocupar um espaço peculiar que ombreou ou mesmo suplantou aqueles.

O facto explica-se, porque na cidade e no período renascentista, havia ali trabalhado uma plêiade de escultores notáveis, de entre os quais se destacam Diogo Pires, o Moço, João de Ruão e Nicolau Chanterene, homens que espalharam a sua arte por Coimbra, S. Marcos, Tentúgal, Varziela, Cantanhede, etc.

Eram estes os modelos com que os homens conimbricenses da ELAD mais facilmente lidavam e, consequentemente, foram eles que passaram a fornecer-lhes as bases de algo muito próprio, muito seu, que facilmente destronou o neomanuelino e o neorromânico, até porque, na urbe, os edifícios, sobretudo os manuelinos, não se encontravam tão presentes ou, se assim se entender, não possuíam um carisma tão forte. Compreende-se, por isso, que para estes artistas, homens do romantismo, o neorrenascença passasse a funcionar como “o seu próprio estilo nacional”.

Estamos, no nosso país, perante um autêntico particularismo arquitetónico, específico até, que se dissemina, maioritariamente, pela urbe mondeguina, por Condeixa, pelo Buçaco e por Sintra.

Fig. 33. Casa dos Martas. [Foto RA].JPG

Fig. 33 – Casa dos Martas. Foto RA.

A Casa dos Martas assume-se, no espaço urbano a que nos cingimos, isto é, ao Bairro de Santa Cruz ou, se se preferir, à confluência da Rua Alexandre Herculano com a Castro Matoso, em pleno Largo João Paulo II, o exemplar mais representativo deste gosto neorrenascença.

Fig. 52. Pormenor decorativo da Casa dos Martas. [

Fig. 52. Pormenor decorativo da Casa dos Martas. Foto RA.

Fig. 34. Casa dos Martas. Pormenor. [Foto RA].jpg

Fig. 34 – Casa dos Martas. Pormenor. Foto RA.

O imóvel, na sua fachada ostenta pedras requintadamente cinzeladas, com relevância para o conjunto portal-varanda. De um e de outro lado da porta inscreve-se um pano central decorado, rodeado por duas pilastras a terminar em capitéis pseudocoríntios, extremamente aprimorados, com folhagem estilizada e, ao centro, ternos amores músicos, de uma surpreendente delicadeza.

Fig. 35. Casa dos Martas. Pormenor. [Foto RA].JPG

Fig. 35 – Casa dos Martas. Pormenor. Foto RA.

As zonas interpilastras encontram-se enriquecidas por medalhões. Todo o conjunto se apresenta unido, na parte superior, por um friso decorado com festões de flores, interrompido por um medalhão central. Os pés-direitos mostram-se finamente adornados com motivos naturalistas e outros, baseados na decoração da renascença, mas a permitir-nos avaliar a capacidade criativa de mestre Machado que, apesar de se inspirar naqueles modelos não se exime a esculpir uma decoração subjetiva.

Casa dos Martas. Pormenor. [Foto RA] 02.JPG

Casa dos Martas. Pormenor. Foto RA.

A ornamentação do varandim segue o mesmo esquema, mas os motivos diferem.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

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por Rodrigues Costa às 20:14

Quinta-feira, 13.05.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 19

A burguesia citadina instala-se no Bairro de Santa Cruz (Continuação)

A autarquia ia levando à praça, a fim de aí serem construídos imóveis, lotes de terreno situados no Bairro de Santa Cruz. Aquando da hasta pública realizada a 29 de agosto de 1889, o Doutor Daniel de Matos comprou vários lotes na zona que se localiza, à esquerda de quem sobe a Rua Alexandre Herculano, justamente no ângulo superior do cruzamento desta com a Venâncio Rodrigues.

O assento permaneceu desocupado até 1940, altura em que os irmãos Hermínia e Álvaro Pratas Inácio, então donos do terreno, quiçá por compra, decidiram ali construir um prédio de rendimento. O requerimento deu entrada na Câmara a 12 de agosto de 1940, acompanhado de um projeto assinado pelo arquiteto Edmundo Tavares.

Ao receber o requerimento dos irmãos Pratas, o presidente de Câmara de Coimbra, Ferrand Pimentel de Almeida, provavelmente por lhe haverem surgido algumas dúvidas, pediu parecer sobre o assunto a Étienne de Gröer. O urbanista assinou o documento em setembro do mesmo ano, dando um parecer negativo à construção, porque esta violava o artigo 46 do “Regulamento das Zonas” que estipulava a impossibilidade de se erguer um edifício que apresentasse uma área coberta superior a 40% da superfície do quarteirão.

Fig. 31 – Casa dos irmãos Pratas. 1.º Projeto.

Fig. 31 – Casa dos irmãos Pratas. 1.º Projeto. Edmundo Tavares. [AOCMC. Proc. 01-2055/1940].

 Edmundo Tavares alterou o projeto inicial, diminuindo a área em causa, mas, mesmo assim, ultrapassando o permitido. Contudo, como o quarteirão se encontrava quase desprovido de construções, De Gröer, em novembro, assinava um parecer favorável à autorização da feitura do imóvel em causa.

O prédio, até pela data em que foi riscado e por ser assinada por Edmundo Tavares, arquiteto que não pertencia ao apertado círculo citadino, foge dos parâmetros usuais e já não se enquadra nos imóveis que têm a marca Arquitetura Escola Livre.

Fig. 32. Casa dos irmãos Pratas. [Foto RA].JPG

Fig. 32 – Casa dos irmãos Pratas. [Foto RA].

Um pouco mais acima e do mesmo lado, “nas extremidades das ruas Alexandre Herculano e de Tomar” ou seja, no atual Largo João Paulo II (Arcos do Jardim), em 18 de dezembro de 1890, a viscondessa de Seabra, residente em Mogofores, próximo de Anadia, comprou dois lotes de terreno, a fim de ali construir uma casa de habitação.

Dois anos mais tarde, depois de ter encarregado o projeto ao arquiteto Hans Dickel, ajusta a construção do imóvel com o mestre-de-obras Joaquim Augusto Ladeiro. Exteriormente, o edifício reveste-se de uma enorme simplicidade e apenas a sua fachada mostra um certo movimente que o artista aproveitou e valorizou pelo facto de o imóvel ocupar o ângulo formado pelas duas ruas.

Casa dos irmãos Pratas. Pormenor [Foto RA] 02.jpg

Casa dos irmãos Pratas, pormenor. Foto RA

Casa dos irmãos Pratas. Pormenor [Foto RA] 03.jpg

Casa dos irmãos Pratas, pormenor. Foto RA

A decoração, muito simples, insere-se no gosto Arquitetura Escola Livre.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

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por Rodrigues Costa às 11:29


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