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O alteamento das margens do Mondego … por razões de salubridade e saúde pública, apontado como uma das maiores necessidades da cidade desde o início do século [XIX]. Apesar das várias obras empreendidas, todas se revelavam incapazes de conter as águas do Mondego que continuava a invadir as ruas da Baixa.
Em 1872, Lourenço de Almeida Azevedo, pouco tempo depois de tomar posse, solicitou ao Governo a reconstrução da Ponte, no cumprimento da carta de lei de 10 de Setembro de 1861 e suspendeu as obras no cais, quer das Ameias quer do Cerieiro, até que se elaborasse um plano em harmonia com a Direção de Obras de Melhoramento do Mondego e Barra da Figueira que estava a desenvolver um projeto de defesa da cidade contras as inundações.
Adolpho Loureiro “Projecto da rectificação da margem direita do Mondego…” 1872
Direcção de Obras do Mondego e Barra da Figueira “Projecto do encanamento do Rio Mondego …”1869
O projeto de retificação da margem direita do Mondego entre Coimbra e o porto de Pedra e defesa da mesma cidade contras as inundações, mandado executar pela portaria … de 3 de Outubro desse mesmo ano, +revia a construção de “2 diques insubmersíveis” mas, embora as obras fossem da responsabilidade da direção de obras do Mondego, o município tinha de comparticipar parte das obras e proceder a um conjunto de obras, como o alteamento da Rua Direita.
Ainda nesse ano o engenheiro Mathias Cypriano Heitor Macedo … apresentou o projeto definitivo da nova ponte e no ano seguinte iniciaram-se os trabalhos de demolição do tabuleiro manuelino.
Adolpho Loureiro, “Projecto da rectificação da margem direita do Mondego entre Coimbra … . Perfis transversais”. 1872.
… Com efeito, este grande aterro permitiu transformar a marginal entre as Ameias e a Ponte, num verdadeiro Passeio Público devidamente ajardinado, para além de permitir criar o Parque Público, entre a Estrada da Beira e o rio.
s/n, “Projecto do alargamento do Caes de Coimbra, Hipotese 2”
… implicou o aterro de um pilar da ponte, aproximadamente 35 metros.
Acresce que como forma de compensação pela implantação dos carris ao longo do cais, o governo comparticipou o projeto delineado pelo município de prolongamento do parque público até ao Porto dos Bentos, contribuindo para a expropriação e para o aterro da Ínsua entre o referido porto e o [do] Cerieiro. Em resposta e como forma de agradecimento pela colaboração do Ministro das Obras Públicas Comércio e Indústria responsável por estas obras, o município denominou o primeiro troço da Estrada da Beira, convertido numa ampla avenida arborizada, Avenida Emídio Navarro.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 238-247
José de Matos Sobral Cid (1877-1941)
In: http://memoria.ul.pt/index.php/Ficheiro:Cid-Jose_Matos_Sobral.jpg
«O primeiro problema higiénico fundamental, que se levanta em Coimbra, é o que deriva da implantação geográfica da cidade na margem direita do Mondego, no ponto preciso em que à bacia alta torrencial do rio se sucede o cone de dejeção sedimentar do estuário inferior. Traduz‐se na vida histórica da Coimbra ribeirinha por um esforço constante de adaptação mecânica da população a um solo acessível ás inundações do rio, ameaçado de ser subvertido pela elevação progressiva do álveo e dos campos marginais. Exprime-se nas condições atuais da cidade baixa, na sua configuração topográfica em goteira de fundo inferior ao nível das aguas do Mondego, na natureza do seu solo artificial formado de entulhos e terras removidas e na humectação constante do seu substrato telúrico. Reflete‐se na patologia da cidade pelo paludismo, que durante muito tempo foi uma característica da nosografia coimbrã e que ainda hoje o é na nosografia dos campos de Coimbra». (José Sobral Cid, Coimbra. Demografia e Higiene. 2º volume Coimbra: Imprensa da Universidade, 1902).
No início do século XIX, Coimbra implantada na margem do rio Mondego era uma cidade de reduzida dimensão, dividia entre a colina da Alta onde se localizavam a Universidade e os Colégios, e a Baixa implantada no vale do rio, concentrando as atividades comerciais e manufatureiras. Na margem esquerda do Mondego em torno do Mosteiro de Santa Clara a Velha e do Convento de S. Francisco e na encosta junto ao novo Mosteiro de Santa Clara implantavam‐se alguns edifícios, mas sem grande expressão no conjunto da cidade.
A implantação estratégica na colina de transição entre o Alto e o Baixo Mondego favoreceu o desenvolvimento da cidade como entreposto mercantil, no ponto de intersecção dos percursos entre a serra e o mar e entre o norte e o sul do país, a cidade floresceu no ponto de intersecção da antiga estrada romana Olisipo‐Bracara Augusta com o rio.
Planta de Coimbra e seus Contornos sobre o Rio Mondego, final do século XVIII
Se por um lado o rio era, com as suas barcas serranas, a principal via de circulação e transporte dos produtos hortícolas e das manufaturas vindos da Beira, por outro, obrigava a um esforço constante das populações da Baixa para evitar as inundações frequentes e a elevação progressiva do álveo. [nota de rodapé: Segundo Adolpho Loureiro em 600 anos teria sido de 4,96m, ou seja, cerca de 8mm por ano]. Com efeito, desde o século XVI que se procurava regularizar as margens do Mondego e elevar as mesmas, mas todas as intervenções se revelavam ineficazes.
A antiga Ponte de Pedra, profundamente remodelada por D. Manuel I em 1513, foi sendo paulatinamente assoreada e no início do século XIX era recorrentemente galgada pela subida da cota das águas. O seu tabuleiro, construído a cerca de 21,46 metros acima do zero hidrográfico da Figueira da Foz, estaria em 1872 apenas a cerca de 4,41 metros acima do nível da cota de estiagem, o que deixaria apenas cerca de 2,65 metros de passagem entre o arco mais alto e o nível médio das águas, tornando‐se um óbvio obstáculo à passagem das águas. Acresce que na estação invernosa para cheias normais o nível das águas subiria entre dois a três metros, podendo atingir, em cheias excecionais, seis metros como sucedeu em 1872.
Ponte em toda a sua extensão e altura, com as sondas de água que levava o Rio em o Mez de Dezembro de mil sete centos e oitenta e hum
Para além dos inconvenientes para a cidade, esta situação afetava a circulação da principal estrada nacional, a estrada Lisboa-Porto, tornando urgente a construção de uma nova ponte. Efetivamente, já em 1871, enquanto se estudava o melhoramento desta estrada e o encanamento do rio Mondego, Manuel Caetano de Sousa tinha efetuado o levantamento da ponte, o que nos leva a crer que na altura se planeasse a sua reforma ou mesmo substituição. Anos mais tarde em 1848 por ocasião de uma grande cheia foi feito um segundo levantamento, mas a ponte só foi substituída em 1875.
Ponte de Coimbra levantada a 3 de Septembro de 1848 na occazião do maior abatimento das Agôas
Para além dos inconvenientes da falta de atravessamento, as cheias que recorrentemente invadiam a zona ribeirinha criavam péssimas condições sanitárias, conduzindo frequentemente a epidemias de cólera, febre tifoide e malária. Esta situação precária era agravada pela elevada concentração de população atraída à zona baixa pela facilidade de acesso e circulação. Efetivamente, apesar de sujeita à fúria das aguas e de estar implantada sobre camadas sucessivas de entulhos arrastados pelo rio, era na Baixa que se localizavam as principais atividades comerciais e artesanais da cidade.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 160-164.
“Sob o ponto de vista da limpeza e esgoto é a cidade de Coimbra uma daquelas que indubitavelmente se acha no nosso país em mais extraordinário estado de atraso. Em parte dela, privada de canos, os despejos das respetivas casas são feitos do modo o mais incrível e repugnante, e lançados, mesmo de dia, nas margens do Mondego e arrabaldes da cidade. A parte canalisada acha-se em um estado muito mais inconveniente para a salubridade da terra, porque, desaguando todos os canos no rio, foram construídos, uns sem secção correspondente ao volume a que deve dar saída; outros sem a conveniente inclinação para a vasão; alguns sem soleira; aquelles com a soleira inferior à estivagem do Mondego, de onde resulta conterem um deposito, que jamais se substitue; e todos, finalmente muito mais baixos do que as cheias ordinarias do rio, o que dá logar a que nesta ocasião a primeira inundação da cidade é feita com as matérias retidas no interior dos canos, e refluídas em consequencia do represo das cheias.” [Adolfo Loureiro]
Adolpho Ferreira Loureiro
Em 1880, o município encarregou o engenheiro municipal José Cecílio da Costa de estudar uma nova rede de canalizações de modo a “melhorar os existentes e a construir nas ruas onde os não haja.”
José Cecílio da Costa, Projecto de Esgotos e Saneamento da cidade de Coimbra, 1893
Estudo este publicado em “O Instituto”, com o título “Memória sobre o saneamento da cidade de Coimbra: esgotos e irrigação”. Prevendo as dificuldades de elevação da cidade baixa, propunha um plano “comum a quer seja ou não alteado o bairro baixo”, projetava a continuação do dique marginal entre o Arnado e a vala dos Lázaros e fundamentalmente a substituição do coletor existente entre a Portagem e os Oleiros que não tinha a pendente necessária e que estava mal selado deixando entrar as águas do Mondego. Defendia que a solução mais económica para a construção deste coletor seria o alargamento da margem cerca de 3 metros de modo a implantar no interior do novo dique o novo coletor, acresce que sendo uma obra na margem ficaria sob domínio e a expensas da Direção de Obras Públicas do Mondego. Propunha ainda uma densa rede de condutas que garantiriam o escoamento de todos os edifícios da cidade.
Desconhecemos quais foram as obras realmente realizadas, mas no ano seguinte, o concessionário inglês da rede de abastecimento de água apresentava a sua proposta para a construção de uma rede de esgotos.
… só em 1887, depois de adquirida a Quinta de Santa Cruz e enquanto decorriam as obras de terraplanagem das novas ruas, a Câmara Municipal, impulsionada por um surto de “febre de caracter typhoso que assolou a cidade… pondo em risco a vida de muitos moços distintos que frequentam a universidade e a dos habitantes de Coimbra” procurou assegurar as condições de salubridade do novo bairro e, resolveu solicitar o auxílio do governo para o estudo e construção da nova rede de saneamento, alegando a: “deficiencia de meios para empreender os necessarios melhoramentos da cidade, e em especial a urgentíssima obra de reforma dos seus canos de esgoto, aonde todos os annos concorrem centenares de alumnos de todos os pontos do paiz, solicitava que o governo lhe prestasse a competente coadjuvação”.
Em resposta, o Ministro das Obras Públicas Comércio e Industria, Emídio Navarro, incumbiu o engenheiro Adolfo Loureiro de elaborar com a máxima urgência o estudo de um sistema de esgotos para a cidade
Emídio Navarro
… No ano seguinte o projeto e orçamento foram aprovados … dois concursos públicos para a execução das obras, mas ambos ficaram desertos, o que obrigou o município e empreender ele próprio, as obras mais urgentes.
O deputado por Coimbra, Alberto Monteiro conseguiu junto do Governo uma comparticipação anual que permitiu a construção de grande parte da rede. No entanto a construção fragmentada da rede comprometeu o seu desempenho e só no início do século XX é que a situação foi verdadeiramente resolvida.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 272-278
[Finalmente] a Câmara Municipal presidida por João José Dantas Souto Rodrigues, encetou uma nova e decisiva fase, não só para o abastecimento de água, mas para o futuro da cidade. Fruto também do amadurecimento do papel da administração municipal na construção da cidade e da experiência da construção do novo Bairro de Santa Cruz, o município resolveu assumir a responsabilidade da execução deste melhoramento e empreender com os seus próprios meios a construção da nova rede de captação e distribuição de água a partir do Mondego.
O município de Coimbra tornou-se assim pioneiro na administração municipal ao assumir o papel reservado às companhias privadas, consideradas na época o único meio de levar a cabo a construção e exploração dos novos serviços urbanos. Neste sentido, o novo presidente, Luís da Costa e Almeida, depois de conseguir a rescisão do anterior contrato, continuou a estratégia de Souto Rodrigues e solicitou a Adolfo Loureiro que revisse o seu plano e o orçamento para o abastecimento de águas a partir do rio. Em Setembro desse mesmo ano foi aberto o concurso e a adjudicação das obras de canalização, fornecimento e instalação de máquinas para o abastecimento de água, foi feita no dia 5 de Janeiro do ano seguinte a Eugène Béraud.
Planta de reconstituição da rede de captação e distribuição d’águas a partir do rio mondego. Início da década de 1890
Louis-Charles Mary, “Ville de Coimbra, Avaint-Projet de distribution d’eaux. Type de Station des Pompes”
Easton & Anders engineers. “Abastecimento de Aguas a Coimbra. Reservatório de Distribuição. 1866
As obras de captação e dos depósitos iniciaram-se em Março desse mesmo ano e no ano seguinte estavam concluídas. Nove anos depois da cidade de Lisboa e três anos depois da cidade do Porto também Coimbra começou a abastecer a cidade a partir do rio e pelas novas técnicas mecânicas. A água era captada no Mondego, elevada a partir de uma estação elevatória para dois reservatórios, um no Jardim Botânico para abastecer a cidade baixa e outro na Cumeada para a cidade alta e o novo bairro de Santa Cruz.
Imagem atual da entrada do reservatório do Botânico
Reservatório da Cumeada 1
Reservatório da Cumeada 2
Depois da captação e da elevação foi adjudicada a construção das redes de canalizações para os domicílios, de acordo com o regulamento aprovado em Maio de 1889 e pouco a pouco a rede foi-se expandindo por toda a cidade.
No início do século XX o abastecimento chegou ao Calhabé, a Santo António dos Olivais e a Santa Clara, implicando a construção de um terceiro reservatório em Santo António dos Olivais.
Reservatório dos Olivais
De notar que o projeto de Adolfo Loureiro, de 1887, tinha sido estudado para abastecer um total de 16 mil habitantes com um consumo diário de 100l/dia, calculado de acordo a previsão de crescimento de população para os 30 anos seguintes, no entanto o crescimento foi muito mais alto e em 1890 já tinha ultrapassado os 17 mil habitantes.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 264-271
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