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Ora foi, justamente, a opção mais difícil que Mendes Silva e os seus colegas diretores assumiram, contando para tal com o acordo e o facto de Bissaia Barreto ter sido, enquanto professor catedrático de Cirurgia da Faculdade de Medicina, não só um crítico em relação à forma como foram feitas as obras na cidade universitária – ao ponto de manifestar essa discordância pública nas páginas do Diário de Coimbra –, mas também de se bater pela construção de um novo hospital universitário fora da Alta, que evitasse, uma vez mais, a prevista destruição de edifícios significativos do ponto de vista do seu valor patrimonial, como eram os casos do Colégio de São Jerónimo e do Colégio das Artes. Com efeito, o dirigente estudantil Fernando Mendes Silva solicitou uma reunião a Bissaya Barreto, a qual teve lugar no antigo edifício dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde foi delineada e concertada uma estratégia que iria permitir dotar no futuro a Associação Académica com as elegantes e funcionais instalações que atualmente ocupa e, ao mesmo tempo, acelerar a transferência do Instituto Maternal para os terrenos que hoje ocupa – na então designada Quinta da Rainha – e cujas instalações são projeto do arquiteto Carlos Ramos. Sabemos, ainda, que Bissaya Barreto colocou como condição para o estabelecimento de tal acordo, que o futuro teatro universitário viesse a ser construído integrado no complexo das novas instalações para a Académica, de modo a tirar o máximo partido da centralidade da sua localização em termos urbanos. Numa visão retrospetiva destes factos atendamos melhor ao alcance estratégico e à importância do acordo então estabelecido entre o presidente da AAC e o cirurgião conimbricense.
Maternidade Bissaia Barreto. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid
É que, além do mais, ele permitiu dotar e beneficiar a cidade com uma nova Maternidade, a qual passou, por sua vez, a integrar mais tarde a presente estrutura dos hospitais civis – complexo hospitalar criado apenas em 1971 e que já existia, desde há muito, nas cidades de Lisboa e do Porto, a par dos respetivos hospitais universitários – que então faltava a Coimbra e que seria essencial para potenciar e valorizar, ainda mais, o ensino superior e universitário, tal como a prática e o exercício quotidiano da Medicina, da Farmácia, da Enfermagem e do Serviço Social, que desde há muito se desenvolviam na cidade (cf. Jorge Pais de Sousa - Bissaya Barreto: Ordem e Progresso. Coimbra: Minerva, 1999, p. 223).
Em conclusão, a cidade e a Associação Académica de Coimbra devem, à visão da direção de estudantes presidida por Fernando Mendes Silva, entre 1953 e 1954, a iniciativa associativa e o entendimento estratégico que permitiu culminar com a construção no final daquela década de um moderno e funcional complexo de instalações associativas e culturais, projetado pelo arquiteto Alberto Pessoa
Novas instalações da AAC, início das obras. Acervo Carlos Ferrão
A ala das Secções da AAC já em fase adiantada. Acervo Carlos Ferrão
Complexo arquitetónico que é constituído pelo corpo do edifício que aloja as secções, o corpo que compreende as salas de ensaios, o edifício do Teatro Gil Vicente e o corpo das cantinas, os quais orlam, por sua vez, o jardim projetado pelo arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles. Jardim que constituiu um primeiro ensaio para o posterior projeto paisagístico dos jardins que envolvem hoje a sede da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
Edifício do Teatro Gil Vicente, década de 70. Imagem acedida em https://tagv.pt/sobre/
Ala das Secções já finalizada. Acervo RA
“Cantinas Velhas”. Imagem acedida em: www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid
Do ponto de vista artístico, Abel Manta realizou e concluiu, em 1960, dois painéis para valorizar este emblemático património arquitetónico. Um primeiro painel que está voltado para o jardim interior e que representa as atividades culturais da Academia, e um segundo painel, projetado sobre o corpo das salas de ensaio e voltado para a Avenida Sá da Bandeira, que representa a evolução do traje académico.
Jardim interior da AAC e painel azulejar da autoria João Abel Manta. Acervo RA
Fachada principal do edifício da AAC. Painéis de azulejos da autoria de João Abel Manta. Acervo RA
Em linguagem arquitetónica, todos podemos fruir hoje de um conjunto de edifícios que vivem da “articulação de vários corpos, de várias escalas e, de um modo mais subtil, de várias linguagens. Desde o volumoso corpo do teatro – que sugere citações dos edifícios charneira de Alvar Alto, ou mesmo do londrino Royal Festival Hall, de Leslie Martin – , até ao edifício das secções – que, apesar da sua pouca ortodoxia, é o mais corbusiano de todos, com o seu coroamento em terraço coberto e os seus rasgamentos horizontais quebrados pela caixa de escada na fachada posterior –, passando pelo sabor 'brasileiro' das sucessivas abóbadas de betão, tão prolificamente usadas na época” (José António Bandeirinha – Os Edifícios da Associação Académica e o Teatro de Gil Vicente, in Monumentos, Lisboa, Março de 1998, p. 86).
Jorge Manuel Pais de Sousa. Cidade e Académica, em Fernando Luís Mendes Silva. Ensaio sobre um perfil de um dirigente desportivo. Texto inédito preparado para as comemorações dos 120 anos da AAC.
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