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E passando a fazer exzame nos tanques dos chafarizes publicas se achou que o da Feira se acha totalmente imundo e aruinado sujeito a varias despejos, alias inmundos, e por isso as agoas podres e inpestadas de modo que as vertentes, quando sucede havellos para nada servem, e para nada prestão e no tempo do Bram e maior estyo nem essas podres vertentes as ha, para os servisos de amasar cal e munto menos para acudir a hum incindio, que de ordinario esta acontecendo; acentandoce que seria o milhar acerto saltem (sic) para evitar as podridoens o transportar e o inutil e antigo tanque chafarix para o meio do largo do Terreiro da Feira e o tanque do largo do chafarix da Sé Velha, pela rezão de roto desbaratada e munto pequeno se lhe devia dar huma nova forma mais anela e mais larga ficando assim capas das vertentes da sua bica poder acodir não so a mina de qualquer incendio, mas tambem a necessidade que cada hum do povo tiver das suas vertentes.
Fonte do Largo da Feira, ou dos Bicos
Chafarix da Sé Velha
Fonte no Colégio dos Jesuítas, hoje Largo Marquês de Pombal
Os da Calssada e Prasa se podem conservar no estado em que se achão, porem inuteis ao povo, por que nenhuma agoa tem nem lancao nem ha nas maens de agoa pera a elles se lhes conduzir.
Fonte da Praça Velha, hoje do Comércio
E passando finalmente [fl. 135] ao descubrimento das novas agoas que são precizas de nececidade ao povo de Coimbra, pois que so assim se poderião evitar as sobreditas desordens e motins a que asestio o sobredito vedor declarou este:
Mapa das fontes e nascentes. In: AHMC. Livro da Correia, n° 2,1273-1754
Que o monte que fica entre as duas estradas que correm do Sul para o norte, a saber, a que principia no Convento das Recolhidas de Santa Thereza e vai terminar ao Convento de Santo Antonio dos Olivais e a outra mais inferior que principia no Colegio da Ordem de Christo e vai terminar ao lugar de Sellas no cumprimento da qual exzistem os sobreditos nascentes e maens de agoa defechados dice, em suma, que este monte asim confrontado corria por de baixo delle hum ryo de agoa e que principiando o primeira sargento per sima da area, ou fonte chamada a de El Rey, com alguns passos mais asima da maen de agoa que descubrio a universidade, pora as suas ofecinas, levando a sobredita sorgenta pelo olival desta inferior estrada athe a caza terrea de hum cazal chamado o de Maria Madalena, atravesando o dito Monte do poente para o nascente chegando com a sobredita sorgenta, ou mina, couza de vinte palmos aredados da sobredita caza, terrea ficando esta ao lado esquerdo, se descubriria huma telha de agoa e aproximandoce a caza terrea se descobrirão duas telhas mais, e continuando a mesma mina, ou sorgenta, pelo olival daquella inferior estrada athe chegar ao cume do dito monte e estrada suprior do Convento de Santo Antonio para o de Santa Thereza, que serão mil e quinhentos palmos de comprido se descobrira tanta abundancia de agoa que, com facilidade, poderão andar azenhas e moer moinhos, porem [fl. 135v] porem que neste ambito se encontrarião algumas penhas bastantemente duras e escabrozas as quaes senão levadas a ferro e não a fogo, por que no fim dellas se sangrarião a quantidade de agoas que asima tem declarado e expressado.
E conceguindoce este fim se declarou mais que seria util e comum não so aos moradores da cidade, mas a todos os pasageiros, que por elle costumão tranzitar, ou fazerce, ou reidificarce de novo, hum chafarix no largo do Tereiro da Prasa onde se vendem os viveres para cidade, ficando em frente a rua publica de Santa Sufia do Real Mosteiro de Santa Crus e Tribunal de Santo Officio da mesma cidade, ja pela utilidade que rezulta aos individuos da cidade Baixa, que não bebem do Mondego, ja pela dos pasageiros, ja finalmente pelo trafico de sinco, ou seis estalajens e outros tantos colegios que exzistem na mesma rua de Santa Sufia.
Fonte na Fachada de Santa Cruz em Coimbra. J. Laurent, 1869
E lembrando mais que suposto esta nova abertura, sorgenta, ou mina, proximamente fabricada onde a universidade descubrio alguns aneis de agoa para as suas ofecinas poderião estes demenuir com a nova rotura podia munto bem a cidade indamenizar a universidade com a sobredita abundancia que elle prometia segundo a rezão lhe dictava e a experiencia com a pratica e manobra asima espressada o podera depois mostrar e nesta forma houve elle procurador geral por findo este acto que assinou e co[m] mais e eu Domingos de Macedo, escritor o escrevi
Joaquim de Araújo Tavares e Souza, procurador geral he de Pedro da Fonseca, Mestre vedor, uma cruz Antonio Batista Freire.
Auto de vistoria. In: AHMC. Vistorias, tomo 3, 1766-1791, fl. 133v-135
Num dos livros de Vistorias, guardado no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, está transcrito um interessante documento que nos permite conhecer o sistema de abastecimento de água à Cidade, nos finais do século XVIII.
Tendo optado por manter a grafia original, importa lembrar o que se segue, para que todos os leitores possam acompanhar o texto.
. A estrada publica que vai do Colégio da Ordem de Cristo para o Real Mosteiro de Celas corresponde hoje à R. Pedro Monteiro, parte da rua Lourenço Almeida Azevedo e Largo de Celas
. Penas e anneis de agoa, eram medidas usadas para descrever o caudal de uma fonte, sendo que um anel era constituído por 9,25 penas. Quanto a esta não conheço a que volume de água correspondia.
. São identificados os seguintes pontos de abastecimento: arca do chafarix da Feira, localizado junto do atual Largo da Feira dos Estudantes; chafariz da See Velha, que estava adoçado ao adro da antiga Sé; chafariz da Praça de S. Bertolameu, que estava localizado onde hoje existe um posto de transformação na Praça do Comércio; chafariz do Bispo Conde, localizado no atual Museu Nacional Machado de Castro; chafariz do Collegio Novo, hoje Faculdade de Psicologia; chafarix da Calssada, atual rua Ferreira Borges; offecinas do Real Hospital que estava instalado no antigo Colégio de Jesus ou dos Jesuítas.
Auto de vistoria a que mandou proceder o doutor procurador geral da cidade o lecenciado Joaquim de Araújo Tavares e Souza per vertude da Comissão que lhe foi deferida pelo Senado nas arcas ou fontes das águas públicas desta cidade citas na estrada pública que vai do Colégio da Ordem de Cristo pera o Real Mosteiro de Sellas, descubrimento de outras novas e estado em que se achão os antigos chafarizes e tanques publicos da mesma cidade.
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e setecentos e noventa annos aos dous dias do mes de Outubro de mil e setecentos e noventa annos no sitio do Monte de Sellas onde eu escrivão da Camera vim com o doutor procurador geral e Comissario do Senado e as mais pessoas no fim deste auto asinados e com munta especialidade para o mesmo acto convocado Pedro da Fonsequa natural de Vilar Seco, concelho de Senhorim, Comarca de Vizeu, professor com notoria probidade de vedor de agoas e passando a fazer exzame com certa medicão, na fonte chamada a de El Rey que he a primeira arca vindo do lugar de Senas (sic) [deverá tratar-se de um erro do escrivão, que quereria escrever Sellas], se descubrio e achou lancar honze penas de agoa somente,
Fonte de El-Rei ou de Celas, na atualidade
e passando mais abaixo caminhando pera a cidade a fazer outro semilhante exzame na arca ou fonte chamada do Princepe, se vio e descubrio que o seo nascente lancava des penas de agoa e continuando mais abaixo the chegar a terceira arca, ou fonte chamada a da Raynha, exzaminandoce igualmente o seu nascente se descubrirão e medirão corenta e sinco aneis de agoa, que per todos fazem setenta e seis aneis, alias setenta e seis penas que fazem a soma de oito aneis e duas penas, e esta mesma quantidade se achou na arca do chafarix da Feira de donde se repartem para o chafarix da See Velha, para o da Praça de S. Bertolameu, para o do Excelentissimo Bispo Conde, para o Collegio Novo e chafarix da Calssada e, finalmente, huma das duas bicas que correm no chafarix publico da Feira, se tapa a noute e corre per toda ella the o dia, das seis ou sete horas da manham para as offecinas do Real Hospital que foi algum dia da extincta Sociedade.
E passando a exzaminar a fonte pequena, a do Loureiro, e a chamada do Inverno, estas nada botão e estão de todo secas e combinada a presente vistoria, com a lembrança que o lecenciado Joze de Souza Machado fez no anno de mil setecentos e quarenta e sinco no Livro intitulado da Correa, onde faz mencão de quinze aneis e meio de agoa, que naquelle tempo lancavão de os sobreditos mãens de agoa vem a ter os mesmos de remenuissão, sete aneis e duas [fl. 134v] e duas penas, de cuja falta, asas concideravel, e tambem por ter crecido em numero os moradores da cidade, se queixa o publico, havendo como ha entre o povo motins e continuadas desordens chegando ao ponto de quebrarem os cantaros huns aos outros e athe de se tomarem as mãos ferindo se e espancando se mutuamente.
Porta de cisterna, na rua Pedro Monteiro
Porta de cisterna, na rua Pedro Monteiro, pormenor
Claraboia, na rua Pedro Monteiro
Auto de vistoria. In: AHMC. Vistorias, tomo 3, 1766-1791, fl. 133v-135
O arco de honra, igualmente conhecido por Arco de São Sebastião, está disposto obliquamente devido à posição da artéria pública sobre a qual passa, diferenciando-se dos restantes pelo tratamento material e composição artística. Dispõe, pois, na verdade, de um conjunto de inscrições e esculturas, de cariz religioso, que em muito o enobrecem.
Aqueduto. Arco de S. Sebastião
Assim, em cada uma das faces da cornija superior, logo acima do fecho do último arco do extremo sul, foram aplicados, em posição central, o escudo com armas reais portuguesas, ladeadas em posição inferior com as lápides referentes à construção do aqueduto com os textos encomiásticos divididos em duas tábuas, datados de 1570. Na face sul, orientada para a Alameda Doutor Júlio Henriques, a inscrição surge em latim, e na face norte, virada para a Praça Papa João Paulo II, a respetiva tradução em português.
NO . ANNO . DO SOR
DE . I . 5. 7. 0. O INVICT
IISSIMO REI . DOM
SEBASTIAÕ . O . I .
NO . 3 . ANNO DE SEV
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Resumindo o conteúdo dos testemunhos epigráficos, podemos salientar o cuidado do monarca em dotar de água potável a principal zona urbana frequentada pela comunidade escolar, que fora responsável pelo crescimento imediato do núcleo urbano conimbricense.
Aqueduto. Arco de S. Sebastião, templete
A coroar o respetivo arco principal, sobre o canal adutor, ergue-se um pequeno templete, de planta trapezoidal, composto por colunas dóricas que suportam uma cúpula e lanternim superior. Em cada um dos flancos, cada um dotado com o respetivo nicho, encontra-se as esculturas dos oragos do aqueduto: a de São Sebastião disposta na face sul, e a de São Roque, na face norte.
Aqueduto. Arco de S. Sebastião, imagem de S. Roque
Aqueduto. Arco de S. Sebastião, imagem de S. Sebastião
Desconhecemos, no entanto, o nome do arquiteto responsável pelo projeto, assim como o dos mestres-de-obras que conduziram os diversos trabalhos construtivos.
Pacheco, M.P.D. Do aqueduto, das fontes e das pontes: a arquitetura da água em Coimbra de Quinhentos. Acedido em https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_ÁGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS
Se o leitor bem reparar, na imagem de S. Sebastião vêm-se dois orifícios no tronco, onde estavam inseridas duas setas que, quanto se dizia, eram de prata.
Um dia um estudante, disseram logo as más línguas de Coimbra, condoído com o “sofrimento” secular da imagem, arranjou maneira de subir até lá e “retirou” as setas, deixando um letreiro: Basta de tanto sofrer!
Plagiando os italianos esta história se é verdadeira, tem graça. Para além de reveladora de um certo espirito académico que, com os anos, tem vindo a desaparecer.
Assumindo-se hoje como um dos marcos históricos mais emblemáticos da cidade, o mais antigo aqueduto de Coimbra, de duplo orago sebástico – pois foi reconstruído por ordem régia do monarca D. Sebastião e dedicado ao mártir romano São Sebastião –, tem as suas origens numa construção que remonta ao período da romanização do território que é hoje Portugal.
Arcos do Jardim. 1920 c. Coleção Regina Anacleto
Esta estrutura de abastecimento de água potável à cidade, localizada entre a colina onde se erguia o desaparecido Colégio de Nossa Senhora da Conceição e o atual Convento de Santa Teresa e o Fontanário dos Bicos, no Largo da Feira dos Estudantes, em plena Alta Universitária, possui ainda um segundo orago, São Roque, santo que, com São Sebastião, assume o papel de especial protetor contra o flagelo da peste. A escolha destes dois santos patronos está intimamente ligada ao surto pestífero que grassou em Coimbra nos finais da década de 1560, período da construção do aqueduto. Contudo, vingou na história da cidade o patrono onomástico do monarca.
No decorrer da obra, D. Sebastião enviara, em 1568, o desembargador Heitor Borges com ordens diretas para proceder ao aprovisionamento da água necessária a distribuir à cidade e à comunidade monástica de Santa Cruz, detentora de grande parte das nascentes urbanas.
Contudo, os Cónegos Regrantes, reagindo ferozmente contra as decisões régias, acabaram mesmo por excomungar os oficiais envolvidos e entrar em esgotantes demandas judiciais com a Coroa, levando a sucessivos atrasos nas obras de construção, que, mais tarde, seriam assumidas por um outro desembargador mais enérgico, Martim Gonçalves da Câmara.
Igualmente excomungado, este oficial não só iria continuar a obra com a celeridade necessária, como iria enfrentar o potentado crúzio, aplicando-lhe pesadas multas pelos entraves causados à obra real, e, sobretudo, pela água usurpada ilegalmente ao município. No seguimento dos trabalhos construtivos, foram demolidos alguns setores do muro da cerca monástica e cortado o arvoredo envolvente junto dos pontos de captação de água para proceder à edificação de pequenas torres, em alvenaria, onde ficariam instaladas as arcas de armazenamento do precioso líquido. Além das expropriações e demolições efetuadas, o oficial régio mandara ainda arrasar o chafariz de São João do Largo de Sansão, que fora erguido em frente à igreja de Santa Cruz durante o priorado de D. Afonso Martim de 1392 a 1414.
AHNC. Livro II da Correa, Mapa. Com indicação das fontes que abasteciam o aqueduto
Rua Pedro Monteiro, claraboia onde se juntava a água que ia o aqueduto
Denominadas de fontes de el-Rei e da Rainha, as nascentes que iriam abastecer o centro da cidade com água potável estavam localizadas junto do quinhentista Colégio de Tomar, sobre o qual foi levantado o edifício da Penitenciária de Coimbra nos finais do século XIX, e, nas proximidades da estrada para Celas. Em local próximo encontrava-se ainda a denominada Fonte da Nogueira, atualmente no Jardim da Sereia que, por alvará régio lavrado em 4 de Abril de 1588 e mais tarde reconfirmado em 20 de Abril de 1736, deveria ser vistoriada anualmente pelos oficiais camarários.
Inicialmente com uma extensão de aproximadamente de um quilómetro, o aqueduto de São Sebastião, popularmente conhecido como Arcos do Jardim, é hoje constituído por apenas vinte e um arcos dispostos ao longo da Calçada Martim de Freitas e da Praça João Paulo II. Superando uma relativa depressão territorial, os arcos, uns semicirculares e outros abatidos, estão assentes em robustos pilares de faces externas dispostas em degrau que, por sua vez, suportam no topo o canal adutor. Este, coberto por abóbada de berço, só seria desativado no século XX, por volta do ano de 1942. Quanto ao aparelho construtivo podemos indicar a presença de alvenaria de pedra calcária, fixada com argamassa e reboco, recentemente beneficiado.
A partir do setor nascente do atual edifício do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, a estrutura aquífera continuaria o seu percurso subterraneamente até alcançar o Largo da Feira dos Estudantes, junto da concatedral.
Largo da Feira dos Estudantes, Fontanário dos Bicos
Entretanto, nos finais da década de 1940, no seguimento da reorganização urbanística da Alta para a construção da Cidade Universitária de Coimbra, alguns dos arcos seriam destruídos para a abertura da atual rua do Arco da Traição, enquanto outros, junto ao Jardim Botânico, acabariam por ser desobstruídos do casario habitacional que havia sido edificado ao longo dos tempos. Quando a Academia Nacional de Belas Artes lançou, em 1947, o Inventário Artístico de Portugal, dedicado à cidade de Coimbra, denunciava-se que “o estado do aqueduto é de meio abandono; encontrando-se bastante prejudicado pelas infiltrações da água do cano”, ou seja, ainda se encontrava em funcionamento.
Pacheco, M.P.D. Do aqueduto, das fontes e das pontes: a arquitetura da água em Coimbra de Quinhentos. Acedido em https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_ÁGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTO
Os dois volumes História do Abastecimento de Água a Coimbra, 1889-1926 e 1927-2007, da autoria do Professor Doutor José Amado Mendes, dão-nos conta, detalhadamente, do caminho percorrido em Coimbra, a fim de concretizar este melhoramento. Contamos de, em próxima ocasião, voltar a determo-nos neste trabalho.
A abertura, no passado dia 1 de outubro, da exposição Coimbra e a Água, dos primórdios até meados do séc. XIX, acontecida nas instalações onde funcionou a Estação Elevatória do Parque Dr. Manuel Braga, hoje Museu da Água, chamou-nos a atenção para a inexistência ou para o desconhecimento de documentação fotográfica que se relacionasse com aquela antiga estrutura.
Alguns dos que nos estão a ler ainda se lembram de espreitar para o interior da Estação Elevatória, onde grandes bombas negras, fazendo um barulho ensurdecedor e exalando um cheiro esquisito, bombeavam a água que abastecia a cidade. Pensa-se que, ao ser desativada, o equipamento seguiu o caminho da sucata, com exceção de uma pequena peça que ali se encontra exposta.
Graças a Carlos Ferrão conseguiu-se a imagem que seguidamente se reproduz.
Estamos perante uma vista aérea do Mondego, com a ínsua dos Bentos bem percetível, dado que o Parque Dr. Manuel Braga ainda não havia sido arquitetado, e, no canto inferior direito surge um pequeno edifício passível de corresponder à Estação Elevatória primitiva que, como refere Amado Mendes, foi «edificada em 1922».
Como já atrás mencionámos, não conhecemos qualquer outra referência gráfica relacionada com a Estação Elevatória e, por isso, o que nos moveu a escrever esta “entrada” passa por pedir aos leitores que, no caso de estarem na posse de imagens da Estação Elevatória em funcionamento ou de pistas relacionadas com publicações onde as mesmas se possam encontrar, façam o favor de as divulgar.
Temos para nós que seria importante estar patente no atual Museu da Água, através de imagens, a história do passado, mas para que tal possa acontecer pedimos a ajuda de todos.
Rodrigues Costa
[Finalmente] a Câmara Municipal presidida por João José Dantas Souto Rodrigues, encetou uma nova e decisiva fase, não só para o abastecimento de água, mas para o futuro da cidade. Fruto também do amadurecimento do papel da administração municipal na construção da cidade e da experiência da construção do novo Bairro de Santa Cruz, o município resolveu assumir a responsabilidade da execução deste melhoramento e empreender com os seus próprios meios a construção da nova rede de captação e distribuição de água a partir do Mondego.
O município de Coimbra tornou-se assim pioneiro na administração municipal ao assumir o papel reservado às companhias privadas, consideradas na época o único meio de levar a cabo a construção e exploração dos novos serviços urbanos. Neste sentido, o novo presidente, Luís da Costa e Almeida, depois de conseguir a rescisão do anterior contrato, continuou a estratégia de Souto Rodrigues e solicitou a Adolfo Loureiro que revisse o seu plano e o orçamento para o abastecimento de águas a partir do rio. Em Setembro desse mesmo ano foi aberto o concurso e a adjudicação das obras de canalização, fornecimento e instalação de máquinas para o abastecimento de água, foi feita no dia 5 de Janeiro do ano seguinte a Eugène Béraud.
Planta de reconstituição da rede de captação e distribuição d’águas a partir do rio mondego. Início da década de 1890
Louis-Charles Mary, “Ville de Coimbra, Avaint-Projet de distribution d’eaux. Type de Station des Pompes”
Easton & Anders engineers. “Abastecimento de Aguas a Coimbra. Reservatório de Distribuição. 1866
As obras de captação e dos depósitos iniciaram-se em Março desse mesmo ano e no ano seguinte estavam concluídas. Nove anos depois da cidade de Lisboa e três anos depois da cidade do Porto também Coimbra começou a abastecer a cidade a partir do rio e pelas novas técnicas mecânicas. A água era captada no Mondego, elevada a partir de uma estação elevatória para dois reservatórios, um no Jardim Botânico para abastecer a cidade baixa e outro na Cumeada para a cidade alta e o novo bairro de Santa Cruz.
Imagem atual da entrada do reservatório do Botânico
Reservatório da Cumeada 1
Reservatório da Cumeada 2
Depois da captação e da elevação foi adjudicada a construção das redes de canalizações para os domicílios, de acordo com o regulamento aprovado em Maio de 1889 e pouco a pouco a rede foi-se expandindo por toda a cidade.
No início do século XX o abastecimento chegou ao Calhabé, a Santo António dos Olivais e a Santa Clara, implicando a construção de um terceiro reservatório em Santo António dos Olivais.
Reservatório dos Olivais
De notar que o projeto de Adolfo Loureiro, de 1887, tinha sido estudado para abastecer um total de 16 mil habitantes com um consumo diário de 100l/dia, calculado de acordo a previsão de crescimento de população para os 30 anos seguintes, no entanto o crescimento foi muito mais alto e em 1890 já tinha ultrapassado os 17 mil habitantes.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 264-271
A iniciativa de dotar a cidade de uma moderna rede de abastecimento de água a partir do Mondego surgiu em 1865, graças ao médico António Augusto da Costa Simões, antigo Presidente da Câmara. Dois anos antes, “O Instituto” tinha publicado a análise das águas das principais fontes da cidade e do rio, efetuadas pelo professor Francisco António Alves que concluía: «Para bebida devia preferir-se a agua do rio e da fonte do Cidral. Convinha construir poços a certa distância do rio, que por filtração dos terrenos recebessem a agua d’elle, tendo no fundo grossa camada d’areia para a tornar mais límpida, mormente durante as cheias do Mondego. D’estes poços poderia elevar-se a agua por meio de bombas e reservatórios, que tornassem mais commoda a sua distribuição pelos habitantes de grande parte da cidade».
António Augusto da Costa Simões (1819-1903)
Fonte: http://pt.ars-curandi.wikia.com/wiki/António_Augusto_da_Costa_Simões
No seguimento deste estudo, Costa Simões médico experiente e ciente da importância deste melhoramento urbano para a saúde pública, enquanto realizava uma viagem de estudo pela Europa apresentou à Câmara Municipal os “seus oferecimentos para tratar em Paris do projeto de abastecimento d’agua para esta cidade”. Para estudar este projeto, recorreu ao engenheiro Louis Charles Mary, e no início de 1866, já em Coimbra, apresentou à nova vereação o projeto de abastecimento de água à cidade aproveitando as águas do rio, mas na mesma data a vereação preferiu adicionar à rede existente, as águas da Quinta dos Sardões, em Celas, e talvez por esta razão ou por outros constrangimentos a questão da nova rede de abastecimento de águas foi sendo esquecida.
Só em 1870, sob a presidência de Anthero Augusto Marques de Almeida Araújo Pinto foi aberto o primeiro concurso para o projeto e construção de uma rede de abastecimento de água a partir do rio. Surgiram duas propostas, a primeira apresentada por Costa Simões em parceria com Cândido Xavier Cordeiro, a segunda de Louis Penny, de Londres. A escolha recaiu sobre a primeira mas dificuldades … levaram à rescisão do contrato … Foi aberto novo concurso e voltou a ser assinado [outro] contrato … no dia 13 de Agosto de 1873, mas novamente não se conseguiu mobilizar investidores e este segundo contrato acabou por caducar.
… Costa Simões conseguiu estabelecer uma parceria com o empresário francês, Hermann Lachappelle … o contrato foi assinado a 28 de Fevereiro de 1879 … [mas Simões viu-se] obrigado a trespassar o contrato a 3 de Junho de 1881 para o engenheiro industrial inglês James Easton … [que, depois de analisar as cláusulas] confrontado com a sua pequena dimensão recusou-se a assinar o contrato definitivo “sem a conclusão da rede de esgotos”. Depois de uma série de tentativas e muitas divergências, em 1887 o contrato com o concessionário inglês foi rescindido.
Fonte do Largo da Feira
Fonte da Sé Velha
Fonte de Sansão
Vinte e dois anos depois de iniciado o processo [o problema da] distribuição de água mantinha-se com graves prejuízos para a cidade que continuava a depender da água de fontes e nascentes.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 264-271
Aquando dos primórdios do abastecimento domiciliário de água a Coimbra, cujo sistema primitivo foi instalado em 1888 e entrou em funcionamento em meados de 1889 … foram construídos dois reservatórios: um na Cumeada … outro (especial, segundo os termos do contrato), na Cerca de São Bento / Jardim Botânico, que desde há anos se encontra desativado.
…. Uma observação atenta do Reservatório do Botânico permite-nos observar, in loco, parte do que geralmente é referido nas publicações da especialidade e, bem assim, na própria legislação que enquadra este género de estrutura.
Comecemos pelo exterior.
Reservatório do Botânico, fachada da casa das maquinas virado a sul
Aqui destaca-se uma pequena construção … a “casa das máquinas”, na qual estava instalado o equipamento de controlo do Reservatório. Embora de pequenas dimensões, uma vez que já não alberga equipamento e que acaba de beneficiar de obras de consolidação, manutenção e restauro, esta pequena “casa” pode ser utilizada para diversas funções culturais.
Reservatório do Botânico, fachada da “casa das máquinas” virada a norte e parte superior do reservatório
…. No amplo espaço envolvente, de terreno com alguma vegetação … observam-se pequenas estruturas, [que são] partes integrantes dos ventiladores/chaminés ou respiradouros. No total são 10, quatro um pouco maiores e seis mais pequenas.
Reservatório do Botânico, pormenor de um ventilador
[Isto porque] “As coberturas dos reservatórios devem ser providas de uma ou mais chaminés de ventilação, a fim de que o nível d’agua fique sempre sob pressão atmosférica…”
Reservatório do Botânico, interior 1
Da casa das máquinas, por duas escadas íngremes … tem-se acesso às duas células ou câmaras, simétricas e que ocupam uma área considerável, cujas dimensões apenas são devidamente perspetivadas quando se acede ao seu interior. Aquelas encontram-se em estado razoável de conservação, não obstante no teto já se notarem certas fendas que podem denotar alguma fragilidade, em termos de futuro.
As paredes laterais assim como a parede divisória entre as duas células são em alvenaria rebocada. Em cada célula ou câmara encontram-se 6 pilares, também em alvenaria.
Reservatório do Botânico, interior 2
…. Em suma: trata-se de um espaço amplo que, caso venha a ser devidamente restaurado e consolidado, bem poderá servir não só para visita turística, mas também para eventos culturais.
Mendes, J.A. Sem data. Abastecimento de Água a Coimbra: Reservatório do Botânico. Coimbra, AC, Águas de Coimbra, EM.
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