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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 09.07.24

Coimbra: Volta de S. João, em Cernache 1

Nesta e na seguinte entrada relembramos um excelente artigo do Professor Doutor Nelson Correia Borges, dedicado a uma tradição popular – a Volta de S. João – que tinha lugar na freguesia de Cernache. Tradição que, infelizmente, entre 1983, data de publicação do artigo na revista Munda, e o presente voltou a ser esquecida.

A tradição é o canteiro onde germinam as sementes dos frutos novos. Neste despertar para a fraternidade como fruto amadurecido da arte de viver, um povo que sabe manter a festa como irmã do trabalho é um povo próximo do futuro.

Numa época voltada para o consumo imediato, como é a que vivemos, em que o automóvel destronou para sempre a diligência, o trator o boizinho pachorrento, a rádio e a televisão alienaram os serões familiares, o motor de tirar água fez parar a nora de alcatruzes gotejantes à beira do rio ou no poço, com o burrico paciente andando à volta horas e horas, e em que a lâmpada elétrica apagou a velha candeia de azeite, o lampião ou o próprio candeeiro de petróleo, causa admiração ver como ainda se pode manter o culto popular de certas velharias que permanecem indiferentes à evolução da vida moderna.

Quando a sobrevivência destas manifestações populares se verifica em aldeias recônditas onde as formas de vivência ainda não foram muito alteradas pelo progresso do presente, o facto poderá ter fácil explicação. Mas, nas imediações dos grandes centros, onde o contacto com as novas ideias e as novas modas de todos os dias é direto e permanente, o caso é de admirar e refletir, evidenciando bem como a prática de certos costumes, fruto de séculos de aculturação, se arreigou profundamente na alma coletiva do nosso povo.

As cavalhadas, que sobrevivem em alguns pontos do país, são um exemplo. Ainda há bem pouco tempo se realizavam na Malveira, às portas de Lisboa e continuam a ter lugar em Vil de Moinhos – Viseu.

Tal é também o caso de Vila Nova de Cernache.

Trata-se de uma pequena povoação, a cerca de 8 quilómetros ao sul de Coimbra, inscrita numa zona agrícola de certa importância que no passado foi um dos principais centros abastecedores do mercado da cidade do Mondego ….  Pois aqui em Vila Nova do Cernache, sobrevivem as cavalhadas sob forma híbrida e transformada, numa manifestação anual de cultura popular a merecer registo e atenção.

Capela de S. Vicente, Vila Nova.jpgVila Nova, Capela de S. Vicente Fotografia de Zizas Bento, acedida em: Capela de S. Vicente - Google Maps

As cavalhadas têm as suas origens na longínqua (e ainda tão próxima...) Idade Média, época em que floresceu a Cavalaria que, com suas justas e torneios lhes serviu de modelo. A Cavalaria, de autêntica lnstituição que era, degenerou para o espetáculo. O povo copiou e parodiou, misturou o sério com o cómico, o profano com o religioso, juntou-lhe reminiscências de lutas entre mouros e cristãos, celebradas nas «mouriscas», fez as mais variadas versões: a corrida ou jogo de argolinhas, jogos de canas, festejos equestres combinados com touradas ou «combates com os infiéis», cortejos de bandeiras, de círios ou alegóricos, etc.

Em Vila Nova de Cernache as cavalhadas são em honra de S. João Baptista,

São João Batista.jpgS. João Batista. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?...

seu orago, como aliás em muitas outras terras onde se realizavam, e constituem uma variante da região, isto é, da forma de cortejo de condução da bandeira. Este cortejo podia assumir aspetos que iam desde o carnavalesco, como outrora na Figueira da Foz, ao ar mais compenetrado, como aqui.

Chamam-lhes, expressivamente, a «Volta do S. João».

Não há memória de quando, como ou porquê se deu início a esta tradição, retomada em 1976, depois de mais de três décadas de interregno. Organizada pelos mordomos da festa, tem lugar no dia 24 de junho de manhã e consta fundamentalmente de um cortejo composto por homens e mulheres, envergando trajos típicos e conduzindo a bandeira de S. João que se encontra na capelinha da aldeia. A «Volta, para além de ser uma expressão da religiosidade popular, tem o sabor de uma visita de cortesia às capelas e povoações limítrofes.

Borges, N.C. «A Volta de S. João» em Vila nova de Cernache. In. Munda, n.º 5 Maio 1983. Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. Pg. 15 a 18

 

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por Rodrigues Costa às 19:05



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