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Illustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 148
Nunca foi narrada por escrito, que eu saiba, a verdadeira história da Rosa, mais da sua tragédia; o os leitores desta «Illustração» vêm a ser os primeiros, segundo creio, que possam medir-lhe cabalmente o pitoresco.
Há dez ou onze anos estudavam em Coimbra Afonso Lopes Vieira e D. Thomaz de Noronha, um curioso topo de estudante à antiga, boémio, desfrutador, estoira-vergas, gozando em gourmet as aventuras e os grandes lances dramáticos.
Op. cit., p. 148, pormenor 1
Lopes Vieira, prestigioso entre as mulheres pelos seus versos e pelo estranho do seu tipo de loiro sonhador, era um pouco talvez por snobismo - porque toda a tricana é snob - um pouco, sem dúvida, por sentimento, amado e perseguido pela Rosa Espanhola, cachopa célebre, que por seu turno punha a cabeça á roda a muitos bacharelandos do tempo, desprovidos, por seu mal, do buço fino e da bagagem literária daquele outro.
As coisas seguiam os seus tramites e encaminhavam-se, provavelmente, para o desfecho habitual de incidentes tais, quando feriu lume o génio teatral de D. Thomaz.
Op. cit., p. 148, pormenor 2
Um poeta, uma tricana airosa, uma paixão - que três incomparáveis elementos para o preparo duma destas cenas de melodrama, que dão brado e deixam um autor para sempre em paz com a sua consciência !...
Isto foi pensado de noite. Na manhã seguinte, D. Thomaz faltou ás aulas, chamou a tricana à fala, e com o ar compungido e austero de quem vai dizer solenes coisas, deu parte à triste do uma grande calamidade: Lopes Vieira, prometido em casamento a uma duquesa de Lisboa, não podia de modo algum baixar os olhos até ao tugúrio humildo da mal-aventurada; mas, enternecido pela pureza dos sentimentos que animavam Rosa (e dos quais Afonso - insinuava D. Thomaz - não andaria longe, porventura) pedia-lhe resignação, convidando-a a acolher-se, ao menos temporariamente, ao severo claustro dum convento bracarense, que nomeava.
A Rosa Espanhola, quando tal ouviu, dizem que pôs a mão na anca, arrebitou o nariz, e perguntou a D. Thomaz se estava doido, ou se julgava que ela fosse parva. Porém o mistificador acudiu com cópia de argumentos, aventou a possibilidade de vir tudo a acabar em bem, volvidos meses, discorreu sobre os regalos e confortos da vida monástica, acenou com o engodo de uma abundante mesada, para as doçarias o licores: e com tais artes se houve, em suma, que a pobre moça, bastante lida em Camilo, foi atentando na proposta, no começo com desprazer, depois condescendente, e por fim com o alvoroço de uma noviça que houvesse sido catequisada, não pelo malicioso D. Thomaz, mas pelo mais virtuoso e inspirado de todos os padres da Igreja.
Op. cit., p. 148, pormenor 3
A notícia da próxima profissão da Rosa estalou em Coimbra como um petardo. Lopes Vieira, ficou, no primeiro instante, fulminado; e mais ainda quando se empalharam pela cidade as quadras vesgas assinadas pela nova e rude Soror Mariana, mas entregues na tipografia por D. Thomaz, clandestinamente, em original escrito por seu punho...
Nada mais cómico, por esses dias, que ver a Rosa Espanhola, a Rosa das fogueiras e das ceias, atravessar desalentadamente as ruas do Coimbra, pendida a fronte, o rosto macerado, com a mala arranjada em casa para a partida - fazendo às companheiras e ao mundo pecaminoso os seus derradeiros adeuses. Alguns estudantes encontravam-na, exclamavam espantados:
- Ó Rosa, pois tu vais enterrar-te num convento?!
A Rosa logo, com um fulgor momentâneo no olhar:
- Que importa? Ao menos fico na legenda!
E este na legenda cheirava a D. Thomaz, que tresandava...
Breve lhes conto o remate da história. Não é banal: a Rosa Espanhola, cansada em curto espaço da monotonia da cela, rasgou o hábito, disse adeus á madre superiora, e reapareceu em Coimbra ao tempo em que D. Thomaz obtinha ao fim o seu solicitado emprego público.
Em virtude do que, o interessante funcionário resolveu levá-la consigo para a Índia, onde a esta hora, provavelmente, a ama entre palmares...
Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.
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