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Quatro ruazinhas floridas e uma torre. À volta desdobram-se as colinas e os montes.
… Tão antiga que ninguém lhe sabe as origens, esta aldeia deve ter nascido, como o nome faz acreditar, à sombra da velha torre que terá feito parte da linha de defesa da região de Coimbra ao tempo da Reconquista. Sendo provavelmente apenas um posto de atalaia, esta fortificação teria vigiado as surtidas de cristãos e mouros, serviria de abrigo à população ameaçada e dela sairiam avisos que poriam em guarda outras povoações ou os camponeses que tivessem saído em busca de lenha.
… No princípio deste século, as casas eram ainda na sua maior parte de pedra e terra; uma ou outra era caída. Entre elas ficavam as únicas vendas dos arredores.
As cozinhas, negras de fumo de várias gerações, abrigavam lareiras acesas num plano inferior ao soalho, criando um degrau que servia de assento, nas gavetinhas dos “bancos de talher” cada membro da família guardava a sua colher e o seu garfo; nas paredes, as cantareiras eram enfeitadas com papel recortado.
No exterior das casas sucediam-se as varandas de madeira.
Nas lojas térreas, de portas abertas para a rua, dispunham-se os teares em grupos de dois ou de três; aí trabalhavam as tecedeiras até altas horas da noite cantando as cantigas aprendidas com as mães ou as que tinham ouvido às tocatas da região.
Nesta época teciam-se panos delicados de desenhos minuciosos, por vezes em linho; mas pouco se usou este material que aqui nunca teve grande tradição mesmo quando chegou a ser cá cultivado; uma grande parte da obra era tecida em trapos que as próprias freguesas forneciam quando encomendavam o trabalho; usava-se também o algodão e faziam as colchas, lisas e lavradas, com lã de ovelha.
… Durante o ano sucediam-se as festas.
No primeiro de Janeiro … havia “fogaças”; leiloavam-se ofertas de bolos, jeropiga e outras coisas boas … Perto do Carnaval faziam-se as “pulhas”, terror das raparigas do lugar. Os rapazes iam munidos de funis para os outeiros vizinhos … dizendo uma quantidade de motes que compunham atribuindo namoros às raparigas e pondo a descoberto segredos que elas se tinham esforçado por manter … À meia-noite de Terça-feira Gorda enterrava-se o Entrudo: fazia-se um boneco cujo funeral era acompanhado por todos com altos choros e toques de campainha.
… já muito poucos o lembrarem o antigo “jogo do laço”. Com origens desconhecidas mas com um sabor medieval, este jogo do laço, que mais se pode chamar um ritual, realizava-se pelo St. António do largo de Bera. Três ou quatro rapazes vestidos de calças pretas, cinta vermelha, lenço ao pescoço e carapuço encarnado, iam até ao local onde tinham sido armados dois grandes arcos de paus entrelaçados e enfeitados com ramos de murta … levavam consigo um pau de cerca de dois metros com um arame na ponta onde prendiam um laço de fita. Cabia-lhes então meter a ponta do pau no espaço entre os dois arcos … A primeira fita, geralmente vermelha, era oferecida a St. António. As seguintes iam sendo oferecidas às raparigas de acordo com as preferências dos rapazes. De cada vez que conseguiam enfiar o pau entre os dois arcos, faziam nova oferta e diziam:
Oh querida da minha vida
Onde estás metida?
Tanto de tenho ‘precurado’.
Não te tenho encontrado.
Ribeiro, M. 1992. Torre de Bera. Coimbra, Edição de Autor. Pg. 1 a 6
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