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E o Rosalino Cândido?
Do Rosalino Cândido de Sampaio e Brito, nome mil vezes maior do que o dono, um velhito pequerrucho, de barba branca, não há ninguém, quer-me parecer, que não conheça aquela cena com o Manso Preto, em geometria, no Liceu.
O Rosalino Cândido (Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro)
Como não soubesse a lição, em certo dia, lembrou-se de pedir dispensa em verso… E se bem o pensou melhor o fez:
Como incomodado estado tenho
Dispensa a V S.ª pedir venho
E por não a pedir por varias vezes
Peço-a por dois ou três meses,
Responde-lhe o professor:
Por um ano se quiser!
E o Rosalino não perdeu a ocasião de retorquir:
Isso mesmo é o que se requer!
O Rosalino era pobre, mesmo muito pobre, mas cheio de altivez, para não pedir coisa alguma, fez-se poeta e prosador de sete costados. A publicar folhetos não havia quem o vencesse...no número! Eram às dezenas, às centenas, aos milhares!... Foi assim que O diabo fechado na minha gaveta e a luz da razão vieram à luz do dia, a par de tantos outros folhetos que ele próprio distribuía em troca de alguns vinténs.
Pedir não pedia, mas, usando deste processo, tudo vinha a dar no mesmo...
Falando do Rosalino vem muito a propósito contar um facto pouco divulgado, mas cuja veracidade eu posso garantir. Uma vez, um estudante da Universidade teve a estranha lembrança de enviar as obras de Rosalino não sei a que escritor sueco ou norueguês. Os folhetos partiram e, passado pouco tempo, esse mesmo estudante lia, num jornal estrangeiro, uma pomposa crítica à obra monumental de Rosalino firmada pelo tal escritor que dizia e asseverava, entre muitas outras coisas, que o Rosalino era o primeiro prosador de Portugal!!!
Escusado será dizer que o jornal, passando de mão em mão, foi lido pela academia em peso entre enormes explosões de gargalhadas, enquanto o nosso poeta, impando de orgulho, inchado, ia pensando de si para si: – que grande Rosalino não havia de ser Alexandre Herculano se mandassem o Eurico a este escritor!...
E, arranjando uma casaca, não sei onde nem como, foi assim, todo bem-posto, que se apresentou nas ruidosas e memoráveis festas que a Academia de Coimbra fez pelo tricentenário de Camões. Depois, usou-a, usou-a, como competia a um tão digno e ilustre ornamento das letras pátrias, até que a pôs no fio e teve de encobri-la lançando-lhe por cima a sua inseparável e conhecida capa! Foi um portento esse Rosalino!
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
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