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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 20.09.18

Coimbra: Sé Velha, o retábulo-mor 3

O retábulo da Sé Velha de Coimbra, pelas suas dimensões, não apresenta a possibilidade de ser fechado, através de volantes, como era comum nos retábulos do Norte da Europa, o que contribuía para preservar as figuras principais do pó e do fumo, dado que estes se encontravam geralmente fechados, e só eram abertos em ocasiões solenes. A movimentação dos volantes tornou necessário elevar os retábulos acima da mesa do altar, tendo-lhe sido, por isso acrescentada uma predela, na parte inferior

… A predela do retábulo da Sé Velha é constituída por seis divisórias encimadas por baldaquinos finamente lavrados. Uma no prolongamento do pano central deste políptico, que se subdivide para albergar dois temas e quatro no prolongamento de cada uma folhas laterais, onde se dispõem os Evangelistas.

No lado direito, na divisória do meio, o Evangelista S. Lucas, em relevo de meia figura, tem a seus pés o boi, seu atributo, que combina, neste retábulo dedicado à Virgem, com outro dos seus atributos, o de retratista da Virgem. A pintura que se vê a executar está colocada num cavalete e voltada para os espectadores a quem é mostrada. Completa esta cena o seu auxiliar, que prepara as tintas, e que é curiosamente um negro. A inclusão deste elemento iconográfico que julgo única, neste tipo de retábulos, deve atribuir-se ao contacto que os artistas devem ter tido, entre nós, com escravos negros trazidos das costas africanas. A representação iconográfica de S. Lucas como retratista da Virgem foi utilizada com frequência pelos artistas flamengos, que assim contribuíram para a sua divulgação. 



Sé Velha «Evangelista S. Mateus», predela do re

 «Evangelista S. Mateus», predela do retábulo da Sé Velha de Coimbra

 A divisória que se situa no prolongamento da folha exterior do lado direito, é ocupada pelo Evangelista S. Mateus, que quase de costas no ato da escrita, molha a pena no tinteiro, que um anjo, seu atributo, à sua frente, lhe segura. Na folha central, do lado esquerdo, S. João, patrono dos escritores e dos teólogos, sentado numa cadeira ornada com motivos escultóricos, dedica-se à tarefa da escrita numa escrivaninha que lhe é apontada pelo bico da águia, que o simboliza, que está elegantemente colocada com as asas abertas e as patas assentes em livros.

Por último, o Evangelista S. Marcos, a escrever o Evangelho com o leão alado, o seu atributo, aos pés. Completam a predela, nas duas divisórias, que prolongam o pano central, o Presépio que, enquanto glorificação da Virgem, é subsidiário do tema central e que alude também à infância de Cristo. Neste caso, contrapõe-se à cena seguinte a Ressurreição de Cristo, símbolo de transcendência e de um poder sobre a Vida que só a Deus pertence, que é o tema principal do retábulo e que volta a repetir-se na estrutura de coroamento. A Ressurreição reflete a estética flamenga, quer na posição de Cristo com uma perna fora do sepulcro, quer na posição de terror dos soldados e nas suas armaduras.

A estrutura do coroamento é composta de duas partes, uma onde numa estrutura de marcenaria menos trabalhada se destaca a crucificação que aliás é comum encimar este tipo de retábulos. Ao centro, em posição mais elevada Cristo Crucificado, com um semblante de sofrimento e o tórax torneado a mostrar as costelas salientes e o ventre reentrante … Aos lados da cruz, em pé, à direita, a Virgem, e, à esquerda, S. João, a Mãe e o discípulo favorito. Completam este tema os dois companheiros do drama, o bom e o mau ladrão. 

Sé Velha «O Mau ladrão», retábulo.jpg

 «O Mau ladrão», retábulo da Sé Velha de Coimbra

À direita, o bom ladrão ergue o olhar para Cristo, à esquerda o mau ladrão com a cabeça pendente torce-se nas cordas. Seguindo a tradição do Norte da Europa não estão pregados na cruz, mas com os braços atados a esta... A estrutura de coroamento é ainda, neste retábulo, composta por outra parte que se liga directamente à estrutura arquitectónica do edifício românico. A da semi-cúpula absidal que foi, de uma forma bastante original, inteiramente coberta com uma estrutura de marcenaria semelhante a uma abóbada estrelada, prefiguração do espaço celeste, onde se representa o Juízo Final. Na chave central da abóbada o busto nu de Cristo Juiz, envolto em nuvens, com as mãos erguidas para deixar veras chagas e mostrar-se tal como morreu na cruz. Em cada um dos fechos da abóbada anjos tenentes seguram com as mãos veladas os instrumentos da Paixão que assumem o carácter de brasões de Cristo. Completa o coroamento, abaixo de Cristo Juiz, S. Miguel Arcanjo, o chefe da milícia celeste, que tem aqui como símbolos a lança e o estandarte.

Macedo, F.P. 1988. O Retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra. Separata das Atas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte. Portugal e Espanha entre a Europa e Além Mar. Coimbra. Instituto de História da Arte. Universidade de Coimbra

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por Rodrigues Costa às 09:23



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