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Neste último Sabat do mês de Hexevan da era da criação do mundo de cinco mil setecentos e oito [1947] – bendito e Eterno Deus de Israel – os meus olhos de mortal viram a sombra do grande arrabi da judiaria de Coimbra.
Bem pouco preparado estava para tal encontro.
Dia de maravilha esse: luminoso, tépido, a atmosfera pura como frequentemente acontece no outono, as distâncias nítidas e o ambiente vizinho dum encanto subtil. A luz trespassa-nos e convida-nos a gozar estas horas únicas que a Natureza dá antes de nos mergulhar nos sombrios nevoeiros e no horror do frio.
Eis-me por aí à toa, entregue ao prazer do momento.
Errando por Montarroio encontrei-me numa varanda natural, voltado para cidade velha, mais aliciante nesta luz dourada. Parei a olhar para a antiga judiaria, a rua do Corpo de Deus.
Posição sugestiva, hoje que se vê poeticamente o passado, posição de deserdado seria outrora.
Passava a muralha pela parte de trás, servindo de base agora ao Colégio Novo
Passava a muralha pela parte de trás, servindo de base agora ao Colégio Novo. Deste ponto o terreno inclina-se violentamente, em escarpas sucessivas, até atingir as linhas demarcadas pela Visconde da Luz e pelo terreno onde assenta o café de Santa Cruz, a sacristia, etc. alongando-se pela antiga Ribela acima.
Rua de Corpo de Deus, nos anos 50 do século passado
Havia um socalco levemente mais largo e nele se alcandoraram as casarias do gheto coimbrão, tendo dois acessos, um para o lado da Calçada e outro para a Fonte Nova; barricados estes, transformavam-se quase em fortaleza, bem precária contudo.
Desci ao vale por um caminho que representa um outro já multissecular. Fui ter ao sítio da Fonte Nova.
Vale da Ribela e Rua de Entremuros. Imagem da coleção particular do Dr. Branquinho de Carvalho
Pode ver-se de longe esta modelação forte e nobre, sempre repelida de cristãos, nervo do comércio e progresso deles, lançada aqui, como quase em toda a parte, fora das muralhas, como primeira vítima oferecida aos invasores.
Pode ver-se longe esta modelação natural do terreno, por intermédio de certas linhas que servem como que de curvas de nível e que são: a do Colégio Novo, no alto, a da rua do Corpo de Deus, a da parte traseira das casas desta, os diversos socalcos dos quintais até ao ângulo inferior, que serve de esporão terminal aquele dorso da colina, formado pelo ângulo da Visconde da Luz e da linha da rua das Figueirinhas. Representa esta (modificada pelos crúzios) uma estreita vereda que levava à Porta Nova e que nos serve hoje para avaliar rapidamente o declive do terreno.
Pode-se ver de longe esta modelação forte e nobre, sempre repelida de cristãos, nervo do comércio e progresso deles, lançada aqui, como em quase toda a parte, fora das muralhas, como primeira vítima oferecida aos invasores.
Gonçalves, A. N. 2019. António Nogueira Gonçalves. Colaboração em Publicações Periódicas. Coordenação de Regina Anacleto e Nelson Correia Borges. Prefácio de José de Encarnação. Coimbra, Câmara Municipal. Volume II, pg. 483-485.
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