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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 30.07.24

Coimbra: Mosteiro de Santa Ana, tratamento das doentes 2

Como sabemos, nos conventos, era comum a confeção de doces e bolos, destinados ao uso da comunidade, em alturas festivas e como forma de rendimento, ou seja, para venda.  … Do convento de Santa Ana registámos o fabrico de algumas iguarias: as amêndoas, o arroz doce, o arroz de leite, a aletria, o bolo de São Nicolau, os bolos de Natal, as famosas arrufadas, os também afamados “bolos de Sant’Anna”, os sonhos, a marmelada, os doces de pêssego, de ameixa, de pera e de chila.

CSA. Arrufada1.jpgArrufadas de Coimbra. Imagem acedida em: https://amodadoflavio.pt/2017/07/doce-tradicional

Na botica de Santa Ana, questionamo-nos sobre o motivo pelo qual despenderam valores tão elevados no doce de chila. Se nos fundamentarmos no seu valor nutritivo, a chila apresenta um alto conteúdo em vitamina C. às suas propriedades nutritivas é necessário acrescentar o seu alto conteúdo em fibras, em água e em potássio e baixo conteúdo em sódio, pelo que o seu consumo é recomendável no caso da retenção de líquidos, transtornos renais, cardiovasculares ou hipertensão arterial. Na época em que situamos o nosso estudo, sabemos que no hospital de Caminha, o doce de chila era dado a doentes que sofriam de gastro-hepatite e tísica pulmonar.

No grupo dos alimentos mais utilizados temos também o leite, frequentemente de burra, ficando em terceiro lugar na hierarquia das despesas, com um total de 11.520 reis

… O leite e, particularmente, o de burra, pelo seu alto valor nutritivo, era ministrado a pessoas debilitadas. Ao possuir uma consistência espessa e açucarada era aplicado em pomadas para feridas e doenças de pele, revelando-se um excelente cicatrizante. Entrava também na composição de soros para medicamentos, utilizado em moléstias crónicas do peito, do intestino, na gota e nas epilepsias.

“O leite, na altura, representava ainda um dos produtos mais unanimemente recomendado para os tísicos (tuberculosos), havendo na comunidade de físicos do tempo a crença que o seu soro mundifica as chagas do pulmão”.

Mas não era só para tratar a tuberculose que o leite de burra era quase obrigatório. Era-o também para uma série de outras enfermidades, como distúrbios gástricos, “pela sua facilidade de digestão, nas cistites, por amenizar a dor durante a micção, nas dores intestinais, por facilitar a cicatrização de fissuras do intestino, nas febres, porque refrescava, mas também na paralisia, nos espasmos ou no catarro”.

… Mas as terapêuticas mais usadas no convento de Santa Ana eram, indubitavelmente, feitas através das sanguessugas, também designadas pelas religiosas por bichas ou bissas.

CSA. Sanguessuga.jfif“Bissas” ou sanguessugas. Imagem acedida em:https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=5718OTKw&id

.… A ideia corrente era a de que este verme extraía o sangue que tinha toxinas ou elementos deteriorados, que se acumulavam nos vasos sanguíneos e nos músculos enrijecidos, causando doença. Outra função prendia-se com os casos de gangrena, visto que a sua função sugadora forçava o sangue a circular, ajudando a manter as células vivas. O recurso a sanguessugas também era utilizado para a cura da pleurisia e da sífilis.

CSA. Prática da sangria.jpgPrática da sangria. Imagem acedida em: https://www.medicina.ulisboa.pt/newsfmul-artigo/115/tratamentos-medicos-aplicados-ao-longo-da-historia

A sangria era uma técnica muitíssimo usada nos séculos, XVII, XVII e XIX. Consistia na abertura de uma veia com uma lanceta, para deixar sair o sangue “causador de moléstia” e era aplicada, geralmente, quando ocorria uma inflamação seguida de febre. Mas esta não era a única forma de sangrar o doente, já que nos casos em que houvesse dificuldades para encontrar uma veia ou o estado do paciente fosse demasiado debilitado, eram usadas as sanguessugas.

… Será igualmente de relevar a utilização de açúcar para remédios que no Convento de Santa Ana nos aparece em terceiro lugar no total das despesas, ou seja 7.592 reis. Nestes casos, o que a escrivã regista é muito claro: “Despendi 6 arrateis de açucar para remédios 780 reis”, ou “Despendi em 8 arrateis de açucar para remédios 1000 reis”, em 186058. Portanto, não há qualquer dúvida que seria consumo de botica.

…. O açúcar, a marmelada, o mel eram usados particularmente na confeção de medicamentos. “O açúcar chegou a ser considerado, no século XVII, uma especiaria de luxo e só após o incremento do seu cultivo na América do Sul é que passou a ser acessível a todas as classes sociais; na alimentação veio substituir o mel e na medicina era tido já por Galeno como elemento essencial da farmacopeia”. Nos registos de boticas, encontram-se referências a açúcar rosado, levado “em ponto” com pétalas de rosas. Era recomendado especialmente para diarreias e disenterias, mas também para problemas respiratórios.

 Sousa, D. Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871). Texto acedido em: https://www.academia.edu/116755957/Comer_e_curar_no_Convento_de_Santa_Ana_de_Coimbra_1859_a_1871_?email_work_card=title

 

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por Rodrigues Costa às 11:08



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