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A' Cerca de Coimbra



Sexta-feira, 26.07.24

Coimbra: Mosteiro de Santa Ana, Tratamento das doentes 1

Não sabemos, ao pormenor, como estava regulamentada a dieta das doentes de Santa Ana, mas nela estava incluída a carne de galinha.

… Este consumo de galinha contrapõe, à partida, o que se comia no quotidiano desta comunidade. Encontramos significativos valores na aquisição de carne de vaca, porém nunca de galinha. Existe, aliás, um rol mensal destinado exclusivamente à carne de vaca, com uma despesa mensal que ronda os 20.000 réis.

CSA. Comer e curar. Op. cit. pg. 224.jpgAUC, Livro de Receitas e Despesas do convento de Santa Ana 1859 – 1871, doc. 46. Op. cit., pg. 224

 Que comiam em Santa Ana para além da carne de vaca? Algumas vezes referem despesa com a matança do porco e aquisição de tripas para os enchidos (“shorissos”). Surgem com alguma frequência despesas em lombo e pastéis de carne.

São, ainda, frequentes as despesas com bacalhau e com peixe fresco, embora sem mencionarem qual a espécie. O seu consumo surge, habitualmente, nos períodos de abstinência de carne ligados à Quaresma, em particular nos meses de Março ou Abril. Veja-se, por exemplo, que em Santa Ana, em abril de 1866, despenderam em peixe “que se deo na Coresma três vezes e em letria 5ª feira Santa 4.120 reis”. De igual modo, em Março de 1867, despenderam em bacalhau e arroz para as conçoadas da Coresma 2.000 reis”, “em peiche 3 vezes que se da na Coresma e letria e castanhas 9.470 reis”.

Embora não saibamos qual o peixe que compravam, percebemos que este alimento não seria, de todo, desvalorizado em relação à carne, dado que, com frequência, era manjar de festa, como aconteceu em Abril de 1862, “Despendi em peixe de Domingo da Festa dos Passos 1.060 reis”; Em Março de 1863 “Despendi em peixe pelo Banquete 1.615 reis”. Despenderam, novamente, em peixe pelos Passos 1.715 reis”.

Complementando o quotidiano alimentar, encontramos também o arroz, as batatas, as castanhas, os figos, o queijo, a manteiga, o leite, o azeite (usado também na iluminação), o trigo (não só para o pão, mas também para bolos, havendo às vezes preferência pelo trigo galego para as arrufadas), o vinho, o chá e a cidra.

CSA 8.jpgPlanta do Convento de Sant’Ana e respetiva cerca… 1873-74. In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 61.

CSA 2.6.jpgPlanta do edifício e terrenos confinantes, 1905, DSE – 6845 – 1.º-5-64-73 In: «Sant’Ana. Três séculos de convento, um século de quartel», pg. 103.

Para o cultivo do terreno que lhe restou junto à cerca, após a extinção das Ordens Religiosas, arrolam detalhadamente as despesas com os trabalhos agrícolas ligados às vindimas (incluindo fabrico da aguardente), ao ciclo do milho, enxertia de árvores de fruta como limoeiros e laranjeiras, aos cortiços para as abelhas, à sementeira de alhos, feijões, grão-de-bico, cebolas, repolhos, favas, entre outros.

Porém, a aquisição de galinhas jamais é registada, a não ser nas Despesas da Botica. Estamos já num período de decadência, pelo que já não as recebiam através dos foros, como outrora acontecia. Poderiam criar algumas em galinheiros existentes nos seus terrenos junto à cerca, mas seriam talvez insuficientes, tendo o desvelo de as comprar para as doentes. Por sua vez, o seu preço comparado com outros produtos, era elevado: o valor despendido na aquisição de tripas, vinho, sal e meio porco, para enchidos, importava em 1.200 reis; um lombo para o Procurador 1.100 reis, ao passo que 4 galinhas custavam 1.400 reis.

… Os elementos de que dispomos também não nos dão informação de como seria confecionada a galinha na botica de Santa Ana. Porém, no contexto da dieta alimentar de alguns hospitais de então, regista-se que a carne de galinha era servida cozida, assada ou usada na preparação de caldos.

… Mas a presença de sobremesas ou da doçaria na dieta alimentar hospitalar desta época era comum e o convento de Santa Ana não foi exceção. No período em que nos situamos, a despesa com doce de chila e outros doces (que não se identificam), atinge um valor considerável, só comparável com os gastos em sanguessugas e bichas. Aliás, é com estes dois itens que gastam mais dinheiro: com sanguessugas e bichas 36.980 reis; com doce de chila e doces 36.910 reis.

Este consumo significativo de doces poderá ser entendido mediante duas perspetivas: uma forma de agraciar o médico; aquisição ou confeção de produtos que, por sua vez, o médico ministrava às doentes.

 Sousa, D. Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871). Texto acedido em:

https://www.academia.edu/116755957/Comer_e_curar_no_Convento_de_Santa_Ana_de_Coimbra_1859_a_1871_?email_work_card=title

 

 

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por Rodrigues Costa às 12:02



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