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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 09.04.19

Coimbra: Gíria dos Estudantes 1

Centramo-nos hoje numa dissertação de licenciatura em Filologia Românica, publicada em 1947, e que aborda a gíria dos estudantes de Coimbra no final do século XIX e na primeira metade do século XX.
A obra encontra-se, fundamentalmente, dividida em três partes: Introdução; O estudante de Coimbra, a vida escolar e as Instituições Académicas; e O estudante de Coimbra nas suas relações com a sociedade em geral.
Determinámos dedicar uma entrada a cada parte.
Nas transcrições efetuadas, optamos por citar as palavras e as expressões da gíria a negrito.

As gírias não têm uma sintaxe sua e, por esse motivo, não nos é permitido considerá-las como línguas propriamente ditas ou mesmo dialetos. São antes, para nos exprimirmos com mais rigor, vocabulários usados por determinados grupos cujos termos aparecem «enxertados» na língua corrente.
… Os processos de formação das gírias … de uma maneira geral, são os mesmos que usa a língua comum, e, sob este aspeto, a gíria e a linguagem comum chegam a identificar-se.
O que caracteriza, depois, as gírias é o facto de elas não serem compreendidas senão pelos iniciados, tornando-se secretas para todos os outros, e um como que elemento de defesa do grupo que a fala.
… Assim a gíria académica serve-se, por vezes, do latim para exprimir certas ideias … quando querem dizer que um estudante não sabe nada da lição, por a não ter estudado, traduzem esse facto pela expressão in albis … usam mesmo a forma latina decretus,

Decreto c.jpg

para designar as decisões respeitantes às praxes emanadas do Conselho de Veteranos ou pecunia para significar dinheiro, como no próprio latim; se alguém não tem dinheiro diz-se que anda a pauperibus. Outras vezes chega até a dar feição latina às palavras portuguesas, o que se verifica na expressão ir a calcantibus, querendo significar ir a pé.
… Na linguagem dos estudantes encontraremos, pois, palavras como trupe grupo de académicos que depois do toque da cabra, à tarde, anda em busca de caloiros ou bichos para lhe cortar o cabelo, e que se foi buscar ao francês troupe.
O inglês contribui também com alguns elementos para a formação da gíria académica coimbrã. Lembremos, por exemplo, cow-boy, pessoa simpática e divertida; o seu derivado, já aportuguesado, cowboiada, filme interpretado por cow-boys … mas significando também qualquer situação divertida; e poney com o significado de elegante. Temos também o nome próprio Power, lindo entre nós por póver, e que é dado aos homens que andam rigorosamente na moda … Não pegar nos books é outra expressão em que entra a língua inglesa, e que quer dizer não estudar nada.
… podemos citar [do italiano] o vocábulo nente para significar nada, proveniente, segundo alguns, da palavra italiana niente.
… a gíria académica usa da composição. Temos em primeiro lugar, a composição por meio de dois elementos…pinga-amor, indivíduo que dedica a maior parte do seu tempo a dirigir galanteios às raparigas … lagarto-azul, nome porque eram conhecidos os alunos da Escola Industrial.
… Quanto à composição por meio de prefixos … desgranizar era o termo empregado na aceção de dar, passar, etc., já caído em desuso. Tem a sua origem no facto de existir em Coimbra, no tempo do célebre boémio Pad-Zé, autor do termo, um merceeiro chamado Graniza que fornecia os estudantes, por vezes a crédito, embora mui custosamente. Então, quando desejava alguma coisa, Pad-Zé, seu vizinho, pedia mesmo da janela: Ó Graniza, desgraniza para cá isto ou aquilo! … E o nosso homem, embora com muita pouca vontade, sempre desgranizava.

Pad'Zé 02.jpg

O Pad-Zé

… A gíria académica serve-se dos sufixos que a língua comum lhe pode oferecer e utiliza outros que lhe são próprios.
No primeiro caso deparamos com as palavras do tipo de amélice, ato do que é Amélia: Falcoada, derivada de Falcão, designando a ação em que um grupo de estudantes deixa de pagar qualquer despesa feita; fiteiro o que simula qualquer coisa; gazeteiro, o que falta às aulas; manteigueiro … o que designa o que é adulador; martelão, o aluno que estuda muito; chumbaria na aceção de grande quantidade de chumbos; coelheira, as últimas carteiras da sala de aula.
… No segundo caso copianço de copiar, que designa a ação de copiar; rapanço de rapar, cortar os cabelos aos caloiros ou bichos; encostanço de encostar, para traduzir a ação de dançar.
… Um outro elemento de que as gírias se servem é a perífrase … um indivíduo foi armado com asas de pau querendo significar que foi sovado … se um estudante diz a outro que pagou cinquenta escudos para a Banda da Polícia não significará nada mais do que … esteve preso
… Não podemos esquecer, ao tratar da criação das gírias, do papel representado pelo eufemismo… Um exemplo … é o facto de um estudante chamar Museu a um determinado … prostibulo de Coimbra … Em qualquer parte, mesmo num salão, poderemos ouvir um académico perguntar a outro se vai para leste, quando deseja saber se ele se dirige a qualquer casa de prostituição. A origem da expressão é engraçada e nasceu do facto de quase todas essas casas se encontrarem naquela direção, nas diversas terras percorridas pelo Orfeão Académico numa das suas viagens.
A prostituta será denominada de uma maneira mais atenuada: chamar-se-lhe-á borboleta, imagem de certo modo agradável.

Castro, A.F. 1947. A Gíria dos Estudantes de Coimbra. Suplementos de Biblos. Série Primeira, 7. Coimbra, Faculdade de Letras

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por Rodrigues Costa às 09:51



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