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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 25.01.24

Coimbra: Extinção da Roda dos Expostos

Não tendo conseguido encontrar imagens da roda de Coimbra, apresentamos imagens de duas das que existiram no País.

Atualizamos a ortografia para facilitar a leitura dos textos.

Às 7h da manhã do dia 2 de julho de 1872 a Roda dos Expostos de Coimbra fechou para sempre.

Roda dos expostos. Sortelha.jpg

Roda dos expostos de Sortelha. Imagem acedida em: https://capeiaarraiana.pt/2019/01/19/expostos-no-antigo-concelho-de-sortelha/

Roda dos expostos Santa Maria.jpg

Roda dos expostos (Recolhimento de Santa Maria Madalena, Ilha de Santa Maria (Açores), Portugal). Imagem acedida em https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/87/Roda_expostos_1.jpg

A abertura do Hospício dos Abandonados, que a substituía, vinha finalmente concretizar a proposta de extinção da Roda apresentada à junta geral do distrito a 25 de abril de 1870 pelo Doutor Manuel Emídio Garcia (1838-1904) e que então se receara pôr em prática.

Não sei quem assistiu ao ato do encerramento da Roda, mas estou em crer que o Doutor João António de Sousa Dória (1814-1877), primeiro diretor do Hospício', terá feito ponto de honra em ser ele próprio a encerrá-la.

…. Ninguém em Coimbra tinha memória de não haver Roda dos Enjeitados, que funcionava na cidade pelo menos desde 1700, há 172 anos.

…. Em meados do século XIX crescia a contestação ao abandono livre e em 1867, pelo decreto de 21 de novembro, o ministro Martens Ferrão ousara abolir as rodas em todo o país. Agia antes do tempo, pois escassos quatro meses depois a medida foi revogada pelo decreto de 20 de março de 1868. Mas à falta de lei geral, algumas juntas de distrito, por sua iniciativa, acabaram por aplicar nos seus espaços o que se projetara para o país, abrindo-se hospícios distritais

…. Contrariamente ao que a palavra indicia, o Hospício dos Abandonados de Coimbra nunca foi um hospício na verdadeira aceção da palavra, um internato, porque as crianças só aí permaneciam temporariamente até serem distribuídas por amas externas, tal como sempre se praticara na Roda. Assim sendo, as crianças do Hospício viviam por todo o distrito, e até fora dele, em casa das amas. O que distinguia a antiga Roda da nova instituição era, portanto, fundamentalmente, o processo de admissão.

…. O Hospício manteve-se nas antigas instalações da Roda, um edifício que, como se disse, fora enfermaria e hospedaria do extinto mosteiro de Santa Cruz e é atualmente a Escola Secundária Jaime Cortesão.

Roda, pg. 176.jpg

Edifício onde funcionou o Hospício dos Abandonados, fotografado a 3 de janeiro de 1935 quando foi demolida a Torre de Santa Cruz que lhe estava adjacente. Op. cit., pg. 176

…. Segundo o Regulamento do Hospício de Coimbra (1872), só eram admitidas "as crianças encontradas em abandono, em qualquer lugar publico ou particular, sem que se lhes saiba a procedência parental" …. Além destas crianças, que eram as expostas, a nova instituição também recebia "...todos os dias, das 9 horas da manhã até ás 4 da tarde, e ali se conservarão provisoriamente, até que, por despacho da autoridade competente, sejam definitivamente admitidas, as crianças menores de sete anos, que estiverem nos seguintes casos:

1.° Se seus pais houverem desaparecido e as tiverem abandonado.

2.° Se forem filhos de pessoas miseráveis que estejam presas, condenadas a prisão ou degredo, ou sofram moléstia grave; não tendo em qualquer destes casos recursos para se sustentarem e a seus filhos, nem parentes com obrigação de os alimentar e recursos para isso, nos termos do art.º 294 do Código Civil".

3.° Se forem órfãos desamparados.

…. O Hospício acolhia também os chamados repostos, crianças devolvidas pelas amas, o que podia ser apenas para se curarem. Não esqueçamos que o Hospício era dirigido por um médico. Houve ainda alguns expostos que por serem deficientes físicos ou mentais, aí permaneceram durante anos, embora o regulamento o não previsse. Foram sempre muito poucos, abaixo da dezena.

…. O que distinguia o Hospício da Roda — a não liberdade de abandono que passara a comportamento ilegal e criminalizado — teve como consequência imediata a redução espetacular do número de expostos. Reproduzo o gráfico porque é eloquente.

Roda, pg. 179.jpg

Op. cit., pg. 19

Como se visava acima de tudo diminuir o número de crianças a cargo das finanças públicas, a opção pelo Hospício foi de facto, em Coimbra, um êxito rotundo.

Lopes, M.A. Assistência pública à infância após a extinção da Roda dos Expostos: Hospício dos Abandonados e crianças maiores de sete anos (distrito de Coimbra, 1872-1890). In: Da caridade à solidariedade: Políticas públicas e práticas particulares no Mundo Ibérico, pg. 173 a 192. 2020. Braga. Universidade do Minho. Laboratório de Paisagens, Património e Território - Lab2PT.

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por Rodrigues Costa às 19:24


12 comentários

De Ireneu sousa Machado a 25.01.2024 às 23:06

Creio que na igreja de Santo António dos olivais, no átrio de entrada, ainda existe a abertura de acesso à roda.

De António a 26.01.2024 às 15:48

A primeira foto não é da Roda de Expostos de Sortelha, mas sim de Almeida.

De Rodrigues Costa a 27.01.2024 às 11:12

Bom dia
Não conheço nem uma nem outra. Limitei-me a procurara na net. E se bem reparar na legenda está o link de onde foi tirada, a saber, https://capeiaarraiana.pt/2019/01/19/expostos-no-antigo-concelho-de-sortelha/ Com isto não estou a dizer que possa estar e guardada em Almeida.
Obrigado
Rodrigues Costa

De Anónimo a 27.01.2024 às 21:50

Não tem grande interesse para o assunto em questão, mas realmente a foto refere-se à Roda de Almeida, que conheço bem e que ainda se encontra no seu lugar (Casa da Roda). Aliás, no próprio blog referido (capeiaarraiana.pt), a legenda que acompanha a foto refere isso mesmo.
Excelente iniciativa, interessantes assuntos.Ânimo e parabéns.

De Anónimo a 27.01.2024 às 22:04

Obrigado pelo seu incentivo e interesse.
Com consideração, o
Rodrigues Costa

De Ireneu Machado a 27.01.2024 às 21:37

Sim. Há pouco tempo, estive lá. Está bem conservada e o interior bem arranjado: apto a receber os enjeitados.

De Anónimo a 27.01.2024 às 21:42

Boa noite de novo
Aqui refere-se a qual das rodas?
É curioso que na hotelaria ainda haja quem designe de roda a ligação da cozinha com a sala.
RC

De Rodrigues Costa a 27.01.2024 às 10:50

Na realidade o princípio é o mesmo, mas as finalidades eram diferentes. A roda que existia na igreja de Santo António dos Olivais, é similar àquela que encontra no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e serviam – nomeadamente - para os fiéis colocarem as suas oferendas.
A Roda era uma Instituição que tinha um fim exclusivo e sítio próprio. Serviam para ali serem colocadas, de uma forma anónima, crianças que os pais consideravam não ter condições para criar. Competia aos Concelhos financiaram o funcionamento dessas instituições. A roda de Cimbra funcionava na Rua de Montarroio e abria para as instalações da atual Escola Jaime Cortesão, onde ficavam as crianças.
Penso que ficará esclarecida, mas na net existem muitos dados sobre o funcionamento das rodas
Rodrigues Costa

De Ireneu Machado a 27.01.2024 às 21:04

ok.
Muito obrigado pelo esclarecimento. Desconhecia a primeira função da roda que refere. Pensei que fossem todas para "depositar" bebés. Por isso, sempre pensei que, na mesma cidade, pudessem existir várias.
Um abraço de gratidão pela sua consideração.

De Anónimo a 27.01.2024 às 21:40

Boa noite
Obrigado pelas suas palavras amigas. As coisas passavam-se como diz.
Comconsieração, o
Rodrigues Costa

De Rita a 21.01.2025 às 09:10

Obrigada pela partilha. Será que se consegue acesso aos registos de batismo destas crianças?

De Rodrigues Costa a 21.01.2025 às 14:54

Boa tarde
Julgo que sim. Eu começaria pelo Arquivo da Universidade. Se ali não estiverem, por certo, poderão dar uma pista do caminho a tentar.
Obrigao pelo seu comentário.
Rodrigues Costa

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