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TRINTA ANOS DE VISITAS OCASIONAIS
Após esta estadia em Coimbra, por várias vezes Camilo visita a cidade do Mondego, testemunhadas na sua obra ou na sua correspondência.
Assim, relembrando em «Maria da Fonte» a sua grande amizade com Manuel Negrão, iniciada em1847, evoca «aqueles dois rapazes nada românticos, em pleno romantismo, que endureciam o corpo em passeios a cavalo de dezoito léguas, até Coimbra».
Revista de Coimbra de que Camilo foi redactor. Pg. 58
Duma visita à Lusa Atenas em 1850, encontramos registo no «Nacional», do Porto, quando em 16 de Fevereiro aquele jornal portuense noticia a chegada de Camilo à Cidade Invicta, regressado na véspera de Coimbra.
Também o poema «Chora!...Chora!...», publicado em «O Bardo», revista do Porto, em 1852, é datado de Coimbra,1850.
Não serão prova da permanência do escritor na cidade em 1850 e1851 os trechos colhidos em «A Mulher Fatal», onde Camilo se coloca na função de narrador interveniente na ação, mas o registo aqui fica: «No fim do ano de 1850 fui a Lisboa e passei por Coimbra. Era no tempo das caleças... Ai!»
E também, mais adiante: «Na minha volta de Lisboa, pernoitei em Coimbra, em Abril de 1851». E ainda, noutro passo da mesma obra «No meado de Setembro, voltei a Coimbra».
Em «No Bom Jesus do Monte», no capítulo «1854», em período que o texto nos faz situar em finais de 1851 ou princípios de 1852, escreve Camilo: «Ao abrir a manhã do próximo dia, como passasse Manuel Negrão à minha porta, caminho de Coimbra, fui com ele por esse mundo fora. De volta de Coimbra, mudei a minha residência para o Porto.»
Em 1852 Camilo Castelo Branco esteve em Coimbra, e aí planeava continuar os seus estudos. É o que se depreende de uma carta enviada ao seu amigo Guilhermino de Barros, remetida do Porto, que embora não datada, se pode situar sem dúvida naquele ano. Nele escreve Camilo, então a atravessar a crise mística que o levara ao seminário do Porto: «Noticio-Ihe, se o não souber ainda, que vou para Coimbra a matricular-me em teologia: recolhi-me há dias de lá, onde tinha a fazer alguns preparatórios em toda a sua extensão.
Um dos folhetos de Camilo na «Questão da Sebenta». Pg. 147
E mais adiante, na mesma carta, acrescenta: «Eu de Coimbra continuo a redação do «Christianismo», e podemos prolongar sobre variados motivos a nossa útil controvérsia, ou, melhor direi, os nossos estudos religiosos.»
Igualmente para Guilhermino de Barros, escreve, em carta posterior, essa datada de 23 de Setembro de 1852: «A minha pouca saúde priva-me de ir à Universidade, porque os meus intentos eram estudar muito, e a medicina impõe-me uma vida muito distraída, para distrair a morte.»
Joaquim Cunha de Andrade, baseando-se numa carta dirigida a Manuel Negrão, a que atribui a data de 1855, argumenta a favor de uma estada do romancista em Coimbra nesse ano, colocando mesmo a hipótese de ali ter sido escrito o romance A Neta do Arcediago.
Camilo teria passado também por Coimbra em 1858, como resulta da leitura de um passo da Carta a Petrónio, publicada na «Revolução de Setembro», em 1861. «...naquele jardim de feijão carrapato do Carolo, que tu nunca viste, e onde eu me perfumei dos odores da couve lombarda, há três anos.»
«Cá estou na estúpida Coimbra e na mais estúpida das suas ruas – A Larga». Carta de Camilo ao Visconde de Ouguela. Pg. 37
De novo, em 1862, está documentada uma outra passagem de Camilo por Coimbra. É o próprio romancista que a refere, na carta enviada a Adrião Pereira Forjaz de Sampaio, remetida de Lisboa, em 19 de Março de 1862, e nesse mesmo dia inserida no jornal A Revolução de Setembro. A carta, peça fundamental da chamada «Questão do Instituto», começava exatamente assim «Há coisa de seis dias que eu pernoitei na estalagem do Lopes, em Coimbra.»
Também em 1865 o escritor está em Coimbra. Mais uma vez ele próprio o assinala, agora no opúsculo «Vaidades Irritadas e Irritantes». Nesse folheto, em 1866, escreve, referindo-se a Antero de Quental: «Há menos de um ano que o conheci em Coimbra, graças a mediação do meu sobrinho António de Azevedo Castelo Franco.» E mais adiante: «Vi a casinha erma onde o visitava o alvor da manhã, e o conversavam os murmúrios da tarde. Versos lhe ouvi, que deviam ser o seu monólogo nos silêncios daquelas noites estivais.»
E no capítulo «A Lira Meridional», dedicado à obra do mesmo nome do seu sobrinho António de Azevedo Branco, escreve nos «Serões de S. Miguel de Ceide»: «Depois, tomei a vê-lo com Antero de Quental, seu companheiro de casa, entre uns olivais, longe do bulício da Atenas, na vertente de uma colina onde apenas chegavam os berros obscenos da Cabra, a cabra da torre que parece salmear trenos pela almas agonizantes dos cábulas.»
Em 1867 Camilo está de novo na cidade com Manuel Plácido, como sabemos através da carta que dirige a António Feliciano de Castilho, em 12 de Setembro desse mesmo ano: «Vou amanhã a Coimbra acompanhar o filho de D. Ana Plácido, garoto de 10 anos que já dez vezes fugiu do colégio. Vai para o seminário. Tenho pena dele, que vai amargar a liberdade em que a mãe o criou.»
Manuel Plácido, que aliás contava apenas 9 anos, continuará em Coimbra no ano seguinte, onde de novo o romancista se desloca, como refere Alexandre Cabral.
Por essa altura também nos testemunha Cândido de Figueiredo a sua presença nesta cidade, quando escreve, no livro «Homens e Letras»: «A primeira vez que o vi, há hoje dez ou doze anos, Camilo Castelo Branco estava triste, doente. Repisava, a passo lento, a curta diagonal da saleta de uma hospedaria coimbrã, fumava um bom e aromático charuto e falava pouco. A lenda havia-mo figurado um moço alegre, alto, bem-disposto, que em numerosos combates incruentos florejava com tanta eficácia as armas do seu estilo sedutor, como despedia as azagaias do seu olhar magnético, dominador, irresistível. O seu olhar achava-se agora velado por dois melancólicos vidros convexos, esfumados; e as faces levemente pálidas e as primeiras cãs de uma velhice prematura faziam-me cismar no destino de quase todos os homens de génio.»
Ainda dessa época nos fala o próprio Camilo, quando escreve em «A Mulher Fatal» (publicado em1870) o trecho em que se refere à rua Visconde da Luz: «Com que prazer eu vi, há dois anos, o senhor doutor Dinis que naquela rua me deu lições de latim!»
Andrade, C.S. 1990. Coimbra na vida e na obra de Camilo. Coimbra, Coimbra Editora.
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