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Op. cit., pg. 199
A figura aqui apresentada é uma daquelas que revelam um escultor de garra e bem experimentado na arte de entalhar a madeira. Faltando-lhe embora a mão esquerda e quase todo o antebraço, assim como quase todo o braço direito, mesmo assim o todo da estatueta é notável pela atitude e expressão, pelo lançamento do manto, pelo doseamento das pregas a distribuir luz e sombra num equilíbrio admirável.
Deve tratar-se de um fidalgo, a julgar pelo trajo e pela cadeia que lhe adorna o peito. A mão esquerda devia segurar qualquer objeto que se vinha apoiar na coxa do mesmo lado, onde restam vestígios. O braço encosta ao tronco, e o que resta do antebraço indica a posição de quem sustém algum bastão, espada, etc. Um prego espetado no coto mutilado é o que testemunha uma tentativa falhada de restauro infeliz. Do braço direito apenas ficou uma pequena parte a seguir ao ombro, e a mão. Sabe-se, porém, pela posição da mão com a palma voltada para fora, qual ela a posição do braço.
Op. cit., pg. 205
A figura aqui representada é um baixo-relevo que se encontra na face interna de um painel que delimita uma série de cadeiras. Com a mão direita soergue a capa e com a esquerda segura um bastão terminado por quatro bolinhas.
Pelo seu tamanho, este bastão não é um bordão ou cajado, antes parece um cetro. Mas não é cetro, pois a figura não tem coroa nem aspeto de rei.
Consultando bibliografia, achei que, entre os cantores que nos cabidos das catedrais, mosteiros e colegiadas, entoavam os ofícios divinos, havia um que tinha por missão ensinar a cantar bem e dirigir o coro: era o chantre ou mestre de coro. Só aos chantres era reservado o uso de capas de seda e cetro (Solange Corbin, «Essai sur la Musique Religieuse au Moyen Age», Paris, 1952, pg. 202). A mesma autora, depois de dizer que esse uso está documentado em textos e iluminuras, tais como o Missal de Braga (de 1558) e o Saltério 114, da Biblioteca Pública Municipal do Porto, diz que uma iluminura deste último, que era certamente o de Santa Cruz, apresenta o chantre com o bastão de quatro bolas em cruz, que seria a insígnia da sua dignidade.
Não tive oportunidade de ver as iluminuras citadas, mas basta o testemunho e a opinião da ilustre e conscienciosa investigadora para poder interpretar a figura em causa como sendo o chantre do coro de Santa Cruz.
Pereira, A. N. Do Cadeiral de Santa Cruz. 2.ª edição. Introdução de Nunes Pereira, Abertura de Anselmo Ramos Dias Gaspar e Prefácio à segunda edição de Marco Daniel Duarte. 2007. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 199-200 e 205-206.
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