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Com a reformulação do programa original que resultava da supressão da ala sul – e sem pôr em causa o partido estético «manuelino» e mudéjar nem, muito menos, a desejada relação semiótica com a antiga urbe, que lhe servia de cenográfico escrínio e pedestal –, o Paço Real de Coimbra incorporava, de facto, na sua morfologia, um elemento novo: o deslumbrante trecho de horizonte campestre, riscado pelo curso serpentino do Mondego, que se fruía agora do terreiro, convertido em «mirante» sumptuoso e único. Apropriação humanista da natureza e da paisagem, contaminando, nesses anos de transição estética, os últimos fulgores da arquitetura gótica; mas, também, decerto, finalizados os trabalhos em 1533, espaço apetecível de lazer e desfrute, seja pelos seus moradores, seja pelos escolares vizinhos da frustrada «universidade» de D. Afonso V, alojada nos «Estudos Velhos» adjacentes, que invadiam com o seu bulício a vasta esplanada do edifício régio, onde tinham tomado o hábito de vir “jogar a choqua”. Mas que, porém, “com bestas & espyngardas & pedradas ffazyaom muyto nojo aos telhados & vydraças dos ditos paços” como o descrevia o próprio Rei (D. João III), em carta aos edis de Janeiro de 1536 … Pouco mais de ano e meio volvido, todavia, em 24 de Setembro de 1537, era o próprio soberano – e ao mesmo tempo que se afirmava «determinado de com a ajuda de nosso sñor mãdar logo começar a obra das escolas geraes nesa çidade junto da Igja. de sã po» (com esse fito reconvertendo a velha sede universitária dionisina) –, que decidia transferir para o Paço Real as aulas (e respetivas “cadeiras & bamcos”) do Estudo Geral que, desde Maio anterior, funcionavam em casa do reitor D. Garcia de Almeida, junto à Porta de Belcouce: as faculdades de Leis e Cânones e as cátedras de Matemática, Retórica e Música. Não sem recomendar, contudo, que «nã façã buracos nas paredes nem se quebre ladrilho algum»
… as aulas se acomodavam na parte «livre» do edifício – os aposentos régios –, desajustada como era, por completo, a estrutura celular da «ala dos Infantes» … a 13 desse mês de Outubro e ao som de charamelas a corporação fazia a sua entrada solene no edifício régio, onde nesse mesmo dia se reuniria o conselho, começando as lições, uma após outra, nos dias que se lhe seguiriam.
Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens, ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 446 a 448.
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