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Já não se faz em Coimbra a procissão dos fogaréus ou farricocos, que saia da igreja da Misericórdia em quinta-feira das Endoenças (quinta-feira Santa), e tirava o nome de nela se incorporarem mendigos empunhando archotes; já não se faz a «serração da velha» pela quaresma, nem o «enterro das sestas» a sete ou oito de Setembro; mas ainda se fazem pelo Natal os «coscoréis», para gasto da casa e presentes aos amigos; e ainda pelo mesmo tempo se adornam as mesas e os presépios com searas de trigo em pratinhos.
Pelo entrudo, além de todos os projeteis vulgares, usa-se arremessar, atirar «laranjinhas». São estas compostas de uma delgada camada de cera, de cor e feitio diversos, segundo a fôrma empregada, e cheias de água, às vezes aromatizada.
Conserva-se ainda o costume de dar o folar ao pároco, pela Páscoa. O reverendo, acompanhado de um sacrista que conduz a caldeirinha da água benta, e de um menino de coro que leva um crucifixo, percorre as ruas, e entra nas habitações, dando a beijar o Cristo, aspergindo a casa com a água sobredita, e apoderando-se (é o fim da visita) da «pratinha», que as devotas da casa têm colocado respeitosamente numa salva, ou espetado delicadamente numa maçã ou num pero...
Outra costumeira mais curiosa se conserva ainda ali.
No dia de finados é costume irem os rapazes – os garotos – munidos de cestinhos ou saquitos, bater às portas designadas na gíria local pelo nome de «bolinhos»; fazem então grande gritaria cantarolando numa toada monótona os seguintes pseudo-versos:
Bolinhos, bolinhos,
Para mim e para vós,
E para os nossos finados.
Que estão enterrados
Ao pé da bela cruz
Para sempre. Amen, Jesus
Truz. Truz. Truz
... Geralmente dão-se à garotada os «bolinhos», isto é, figos secos, nozes, avelãs, doçarias, etc.; porque, se não se lhe entrega alguma oferta, fazem eles um barulho temível, berrando em uníssono:
Esta casa cheira a unto;
Aqui mora algum defunto:
Esta casa cheira a breu:
Aqui morreu algum judeu.
E a assoada não fica nisto algumas vezes, pois tem uma sequência de assobios e coisas piores.
***
Esta tradição ainda se mantinha viva no início dos anos 50 do século passado na rua onde nasci, a Couraça dos Apóstolos.
Para além do que Borges de Figueiredo refere, há que acrescentar que nesse tempo os grupos de miúdos eram portadores da “caveira”.
Esta era feita com recurso a uma caixa de sapatos
“Caveira” dos bolinhos e bolinhós dos miúdos pobres
Ou com recurso a uma abóbora
“Caveira” dos bolinhos e bolinhós dos miúdos ricos
Aos versos recolhidos por Borges de Figueiredo acrescento alguns que ainda cantei:
- Ao chegar à porta da casa depois do Truz. Truz. Truz, acrescentávamos:
A Senhora que está lá dentro assentada num banquinho
Faz favor abra a porta para nos dar uns bolinhos.
- Se eramos maltratados desatava-se a correr, gritando:
Esta casa cheira a alho
Aqui mora algum bandalho.
- Se eramos bem tratados, cantava-se diante da porta:
Esta casa cheira a vinho
Aqui mora um anjinho.
Outros, tempos, outras palavras, a mesma música por certo.
Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 359-360
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