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António Nobre não passa despercebido na Coimbra de então. Os poemas dispersos já publicados, o esguio da sua figura, a palidez do rosto, o singular modo de vestir a capa e batina, fazem-no sobressair de entre os seus pares.
Fotografia do Poeta. In: Passear na Literatura. António Nobre
À mesa do «Lusitano», sede das tertúlias boémias e literárias, naquele século XIX de todos os poetas, vai nascer uma revista, grito de uma geração que quer deixar em páginas impressas a afirmação do seu pensar. E surge assim A «Bohemia Nova», que na sua efemeridade, é a presença de uma nova poesia, que desencadeará um vendaval de apaixonadas discussões literárias.
Imagem acedida em https://almamater.uc.pt/republica/item/65714
O fim do ano escolar aproxima-se, e com ele a deceção dolorosa de um ano perdido, com a “quadrilha” de lentes, nas suas próprias palavras, a negar-lhe a aprovação.
Após as férias, no regresso a Coimbra, António Nobre, no acto da matrícula, dá como morada a “Estrada da Beira”.
Estrada da Beira. In: Passear na Literatura. António Nobre
“Vejo o meu quarto de dormir, todo caiado,
Donde ouvia arrulhar as pombas no telhado;
Oiço o relógio a dar as horas vagamente,
Devagar, devagar, como os ais dum doente;”
«Só — Na Estrada da Beira»
Se aí não vem a viver, ficará para sempre ligado a essa rua pelo grande amor da sua vida, Margarida Lucena, a sua Margareth, que cantou em versos, com o nome de «Purinha»:
«Aquela, que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de Véus, como uma espuma,
O Senhor Padre me dará para mim
E a seus pés, me dirá, toda coroada: Sim!»
E entre os fugazes encontros no Jardim Botânico e as novenas nas Ursulinas, a casa amada na “Estrada da Beira”:
«Vejo o teu Iuar e a ti, tão pura, tão singela,
E vejo-te a sorrir, e vejo-te à janela
Quando eu seguia para as aulas, manhã cedo,
Ansiosa, olhando dentre as folhas do arvoredo,
Olhando sempre até eu me sumir, a olhar,
Que às vezes não me fosse um carro atropelar.»
Durante o ano letivo, mora numa casa que dá, por um lado, para a Rua do Correio (hoje Joaquim António de Aguiar) e por outro, para o Beco da Carqueja, mesmo ao pé “de uma das melhores coisas de Coimbra, a Sé Velha; é uma esplêndida igreja, estilo mourisco, que eu tanto desejaria transportar para a Boa Nova, fazendo dela o tão desejado Torreão”.
Beco da Carqueja, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Moro, já sabes, no Beco da Carqueja: beco célebre, a que se refere, na sua História de Portugal, o Oliveira Martins. Aqui, numa casa vizinha (nesta quem sabe?), houve uma associação secreta composta de estudantes e conhecida popularmente pelo “Bando da Carqueja”, cujos fins, atém de políticos olhavam a guerrear os Isentes e aquela Universidade:”
«Carta a Alfredo de Campos, 9 Janeiro 1890»
Beco da Carqueja, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Não escrevi e gastei, ou antes estraguei duas folhas de papel: uma por hesitar na preferência das minhas duas adresses— Beco da Carqueja, 114 Correio;
...Queria antes de acabar, falar-te desta República a que os meus companheiros, talvez influenciados pela epidemia-Dandy— chamam Le Château jaune.
«Carta a Alberto de Oliveira, 9 Janeiro 1890»
Das janelas da sua nova casa, espraiando a vista, olha-se o rio, que lhe inspira quadras como esta, que irá entrar no folclore coimbrão:
«Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua água.
Qu’é dos prantos que eu chorei?»
E lá mais longe, o Choupal, que lhe guia a mão nos versos que compôs:
«O choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós,
Es tal qual meu avôzinho:
Falta-te apenas a voz.
Fui plantar o teu cabelo
Entre os choupos, no Choupal,
E nasceu, anda lá vê-lo,
Um choupinho tal e qual.
Ó boca dos meus desejos
Onde o padre não pôs sal,
São morangos os teus beijos,
Melhores que os do Choupal!»
Andrade, C.S. Passear na Literatura. António Nobre. S/d. Coimbra, Câmara Municipal
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