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A burguesia citadina instala-se no Bairro de Santa Cruz (Continuação)
Em Coimbra, este estilo encontra-se disperso por toda a cidade, quer em grande número de janelas deste tipo que, na sua maioria, apresentam uma extrema simplicidade, quer em algumas casas. No entanto, o neomanuelino coimbrão, aquele que saiu mesmo do risco e do cinzel dos artistas locais, é tratado de maneira sóbria e denota profundos conhecimentos do estilo quinhentista.
Esta casa da Rua Alexandre Herculano, para além do andar térreo, apresenta três pisos, cada um com sua varanda saliente, de pedra lavrada, a ornamentar a fachada que, na parte superior, ostenta elegante loggia. Uma esfera armilar em relevo dá cunho à dupla entrada. No conjunto, os elementos manuelinos abundam: cordas, escudos, esferas armilares, cruzes da Ordem de Cristo e arcos conopiais, fazem com que este seja um dos melhores exemplares citadinos do tipo. Porque indocumentado, não permite que se conheçam os nomes do proprietário e do projetista, bem como a data da sua feitura.
Fig. 28 – Edifício neomanuelino. [Foto RA].
Edifício neomanuelino, pormenor. Foto RA
Edifício neomanuelino, pormenor. Foto RA
Mas nesta rua erguem-se vários edifícios com interesse; dois desses imóveis foram projetados por Raul Lino, arquiteto que, nesta data, ou seja, depois de 1902, já se impunha no nosso país pela obra realizada e tinha grande aceitação na urbe mondeguina.
Quase em frente ao já referido edifício neomanuelino, em 1908, Albino Caetano da Silva começa a construir uma moradia riscada por aquele alarife.
Fig. 29 – Moradia de Albino Caetano da Silva. [Foto RA].
Moradia de Albino Caetano da Silva, pormenor. Foto RA
O edifício foge, obviamente, ao que se fazia na cidade, mas se se pensar em termos estendidos, acaba por refletir um gradual, embora moderado, crescimento económico dos encomendantes, passível de lhes permitir recorrer, para riscar as suas moradias, a artistas que não vivem no burgo; esta possibilidade introduz, paulatinamente, uma certa modernidade arquitetónica, que inicia a alteração fisionómica da urbe.
Raul Lino, para além de projetar a moradia de Caetano da Silva, preocupa-se com os pormenores decorativos e desenha os azulejos policrómicos que se encontram a ornamentar as paredes das fachadas.
Antes de 1915 já se perfilava a possibilidade de, em Coimbra, vir a ser construído um edifício que servisse de sede à Associação Mundial de Académicos (atual Associação Cristã da Mocidade – ACM); o local elegido situava-se no gaveto formado pelas Ruas Alexandre Herculano e Venâncio Rodrigues.
Raul Lino, o arquiteto escolhido, começou a riscar o projeto em janeiro de 1916 e em meados do ano seguinte era exposta na Calçada, numa das montras dos Grandes Armazéns do Chiado, a maqueta aguarelada do edifício; parece que a feitura do imóvel foi custeada pelo International Comittee of Young Man's Christian Associatons, de Nova Iorque.
Edifício da Associação Cristã da Mocidade (ACM), pormenor. Foto RA
Fig. 30. Edifício da Associação Cristã da Mocidade (ACM). Pormenor. [Foto RA].
Não cabe aqui referir quais os objetivos da instituição, mas, de acordo com a imprensa que se publicava na época, o edifício projetado por Raul Lino era “um dos ornamentos do Bairro de Santa Cruz” e o arquiteto, no interior, interpretou “admiravelmente o princípio utilitário e filantrópico da instituição e, ao dar ao exterior o estilo português modernizado, manifestou o seu espírito de adaptação ao meio particular em que cada grémio se estabelece, num perfeito equilíbrio entre o nacionalismo e o cosmopolitismo exagerados”.
Finalmente, no dia 20 de junho de 1918, procedeu-se, com pompa e circunstância, à inauguração do imóvel que contou com o trabalho de artistas ligados à ELAD, mormente com o de João Machado.
Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf
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