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A Mitra Episcopal de Coimbra representa essencialmente o conjunto de bens patrimoniais que estavam destinados ao sustento e provisão do bispo de Coimbra.
A diocese de Coimbra teve sede, primitivamente, em Conímbriga, no período de romanização da Península Ibérica, depois em Emínio (Aeminium), durante o domínio dos Suevos, tendo sido nestes períodos sufragânea de Mérida e depois de Braga, e por fim ficou sedeada na cidade de Coimbra, enquanto diocese isenta.
Os limites geográficos do bispado ficaram definidos em 1253, pela bula Provisionis nostrae de Inocêncio IV, de 12 de Setembro, tendo sido retirados a Coimbra os territórios entre o rio Douro e Antuã que foram anexados ao bispado do Porto.
Inocêncio IV
A área geográfica do bispado de Coimbra sofreu alterações com a criação do bispado de Leiria, pela bula Pro excellenti apostolicae sedis de Paulo III, de 22 de Maio de 1545, no reinado de D. João III, que ditou a saída de seis paróquias (Caranguejeira, Colmeias, Espite, S. Simão de Litém, Souto da Carpalhosa e Vermoil) da diocese de Coimbra que passaram a pertencer ao novo bispado.
Paulo III
Idêntica situação ocorreu aquando da criação da diocese de Aveiro, desmembrando localidades diversas do bispado de Coimbra, por breve de Clemente XIV de 12 de Abril de 1774.
Clemente XIV
Com a nova circunscrição diocesana ditada pela bula Gravissimum Christi de 30 de Setembro de 1881, na diocese de Coimbra foi integrada parte dos bispados de Leiria e Aveiro, que só voltaram a ser restaurados pelo papa Bento XV em 1918 (Leiria) e 1938 (Aveiro).
As doações patrimoniais à Sé de Coimbra são anteriores à fundação da nacionalidade. A necessidade de sustentação dos bispos, cónegos e mais prelados esteve na origem de várias doações, nomeadamente, a importante doação do Mosteiro da Vacariça, em 1094, por D. Raimundo e D. Urraca, e do mosteiro do Lorvão, em 1109, que apenas por sete anos esteve na posse da Mitra.
D. Raimundo
No entanto, as propriedades de Santa Comba Dão, Couto do Mosteiro, Midões, Vila Cova e parte da Pedrulha, que eram do dito mosteiro do Lorvão, mantiveram-se na sua posse.
Em 1082, o conde D. Henrique e D. Teresa doam à Sé de Coimbra os castelos de Coja e Arganil, altura em que os bispos de Coimbra passam a designar-se Senhores de Coja.
D. Henrique e D. Teresa
A partir do reinado de D. Afonso V, o bispo de Coimbra passa a acumular o título de conde de Arganil, na sequência do reconhecimento da participação do bispo D. João Galvão nas campanhas do Norte de África (conquista de Tânger e Arzila), em 1471… concedeu também a este prelado, por provisão régia de 18 de Agosto de 1472, a vedoria mor das obras e alcaidaria-mor das comarcas da Beira e Ribacôa, razão pela qual se intitulava alcaide-mor de Avô.
Bandeira, A.M.L., Silva, A.M.D., Mendes, M.L.G. 2007. Mitra Episcopal de Coimbra: descrição arquivística e inventário do fundo documental. Acedido em 2019.04.29, em
https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/DIO_MitraEpiscopalCoimbra
Frequento com alguma assiduidade do Arquivo Histórico Municipal de Coimbra e tenho para mim que se trata de um local que não pode ser ignorado por todos aqueles que se interessam pela história da cidade.
Alicerço a minha convicção em virtude do vasto e valioso acervo que ali se encontra depositado, constituído, em boa parte, pelos documentos fundacionais da nossa cidade. Além disso, pode sempre visualizar-se uma exposição temporária de médio ou longo prazo que mostra documentação original e contextualizada, na medida em que se encontra especialmente vocacionada para centrar, num discurso claro e integrado, uma mensagem relacionada com a cidade.
Também se pode observar a imagem de S. Jorge, montado num cavalo, a fim de participar na procissão do Corpus Christi, a festa maior que, durante muitos séculos, acontecia em Coimbra.
Imagem de S. Jorge
Não posso, nem quero, deixar de chamar a atenção para a grande competência, disponibilidade e simpatia das Técnicas responsáveis pelo aquivo e que atendem personalizadamente (o que é muito importante para quem investiga) todos quantos ali se deslocam.
Podemos ainda observar as varas que os vereadores outrora levavam nas mãos quando participavam em atos oficiais, bem como peças de vestuário que então utilizavam
Varas dos vereadores da Câmara de Coimbra
A exposição temporária de médio ou longo prazo é periodicamente renovada e nela podem ser observados, quando integram a mostra, alguns destes documentos:
- Carta de Sentença
1297, Julho, 8, Coimbra. Carta de Sentença do Ouvidor da Corte, Estêvão Peres, ordenando ao alcaide de Coimbra, João Arrais, que restituísse a dízima, indevidamente cobrada ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, “atendendo ao Costume de Coimbra, sobre que foram perguntados os alvazis e homens bons”.
É o documento original mais antigo que se encontra no AHMC.
- Carta partida por ABC
1299, Maio, 20, Coimbra. Instrumento de composição amigável feito entre o concelho de Coimbra, representado pelos seus procuradores Domingues Esteves e Martim Anes, mercadores, e o concelho de Penela, pelo procurador António Anes, sobre a jurisdição e direitos a cobrar nos lugares de Pousafoles-o-Velho, Pousafoles-o-Novo (conc. Miranda do Corvo); Pereiro (conc. de Penela); Cabeça de Boi e Lavarrabos (actual Rabarrabos, conc. de Penela).
O acordo alcançado referia que os moradores dos lugares pagariam “irmãmente a metade” de todos os serviços e tributos que aí fossem lançados quer pelo concelho de Coimbra, quer pelo de Penela.
Nota: Uma carta partida por ABC, era um pergaminho no qual era escrito um original e uma cópia fiel do mesmo, ambos devidamente assinadas. O pergaminho era cortado na forma que se vê na imagem, sendo cada uma das metades entregue às partes subscritoras. Se fosse necessário confirmar a veracidade de uma das partes, juntavam as duas e verificavam se o corte coincidia.
Lei das Sesmarias
1375, Junho, 1, Coimbra. “Exórdio da ordenação da lavoura”, conjunto de medidas decretadas por D. Fernando e posteriormente conhecidas por “Lei das Sesmarias”, para que “haja maior abundância no reino”, tentando recuperar a produção agrícola, após uma época de grave crise económica, provocada pela epidemia da “peste negra”. É um dos poucos originais do texto fernandino que hoje se conhece.
Acordãos e Vereações
1491, 23 de Março a 31 de Dezembro, Coimbra. “Livro dos Acordos e Verações do ano de mil iiijc LRj”em que foram oficiais: João de Barros, cavaleiro e João Pessoa, juízes; Pedro Brandão, cavaleiro, Aires Alvelo e Álvaro Vasques, vereadores; Garcia Rodrigues Pacheco, procurador da cidade. É o mais antigo livro de registo das reuniões da vereação que se preservou até à actualidade.
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra ali na Rua Pedro Monteiro, no edifício da Casa da Cultura, ao cimo da Sereia. Vá por lá que vai gostar.
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra. Catálogo da Exposição. 2018
Segundo o cronista da Ordem [em Coimbra], o convento de São Domingos estava já formado em 1227 sendo seu prior Frei João e a iniciativa da fundação ter-se-ia ficado a dever a D. Branca, filha de D. Sancho I [a quem] atribui … todo o mérito da elevação do convento que … seria um dos mais antigos do reino, fundado antes de vinte anos decorridos sobre a confirmação da Ordem.
S. Domingos. Gravura de Jacques Callot
… Frei Luís de Sousa … anota que D. Teresa, sabendo do propósito da irmã, como que dele se apropria e concede o lugar de Figueira Velha, para a instituição do mesmo, acrescentando, contudo, que a cargo de D. Branca teria ficado a construção, em si, do edifício.
Mas é possível que o convento de S. Domingos de Coimbra já fosse uma realidade em 1226, data em que um chantre da Sé … lega aos pregadores 10 morabitinos. Sem dúvida, no ano de 1229 aí se sepultava [um] cidadão de Coimbra.
… o arcebispo de Braga D. Silvestre (1229-1244), passando pelo convento de São Domingos, concedeu, a todos os homens que fossem ajudar nas obras, 40 dias de indulgência.
…. Logo desde o início da sua existência os Pregadores de Coimbra atraíram vocações …. Adquirem a credibilidade e estima dos vizinhos da cidade e arredores que lhes legam bens móveis e imóveis e escolhem o convento como sepultura.
Frei Gerardo de Frachet, na sua obra Vitae Fratrum Orditiis Praedicatorum, dedicou aos sermões e aos milagres de Frei Paio de Coimbra várias páginas
… E o mosteiro de São Domingos de Coimbra teve a felicidade de contar, logo no início, entre os seus frades, com um pregador da envergadura de D. Paio de Coimbra. Os seus 407 sermões são o maior acervo de sermonaria medieval que possuímos, alguns dos quais poderão ombrear com os de Santo António de Lisboa. A sua palavra calaria fundo no coração do povo e a sua fama de santidade depressa se espalhou, chegando célere a Gérard Frachet que inclui a sua vida e milagres na «Vitae Fratrum», posta a correr em 1259.
Localização do convento velho de S. Domingos na carta da cidade levantada em 1845 por Isidoro Emílio Baptista
…. Breves são estas notas históricas sobre o convento velho de S. Domingos, como breve foi também a duração do primitivo edifício e do seu arquivo, arrasado pelas cheias do Mondego… Segundo Nogueira Gonçalves situar-se-ia este primitivo convento ao fundo da Rua Direita, já na confluência com a atual Rua de Fernão de Magalhães, mas desconhece-se, completamente, pormenores sobre o seu traçado. Sabemos apenas que o claustro tinha dois pisos, abrindo-se para o superior a porta da sala do cabido, e o interior da igreja seria ornamentado com vários altares, entre eles o de S. Frei Gil, Santa Iria, Santa Catarina e, no final do século XV, o de Nossa Senhora do Rosário.
Os efeitos das águas já se faziam sentir em pleno século XIV … as obras do convento novo começaram em 1543.
Localização do convento velho de S. Domingos, na atualidade. Imagem Google
Nota:
Há alguns anos, no início do atual milénio realizaram-se obras nos terrenos situados nas traseiras do antigo Hotel Almedina, atual Stay Hotel.
Face às estruturas e aos materiais encontrados no decurso desses trabalhos tornou-se necessário levar a cabo estudos arqueológicos – cujo relatório, julgamos, não se encontra ainda divulgado – que possibilitaram localizar o velho convento de S. Domingos naquele local. Já Nogueira Gonçalves, em artigos outrora publicados e relacionados com o assunto, apontara para aquela zona, embora com um pequeno desvio de cerca de 100 metros.
Coelho, M.H.C. e Matos, J.J.C. 1986. O Convento velho de S. Domingos de Coimbra. Contributo para a sua história. Separata do Arquivo Histórico Dominicano Português. Vol. III/2
Determinaram as «Constituições Sinodais do Bispado de Coimbra», em 1591 … que em todas as igrejas houvesse um livro de Tombo, autêntico, donde constassem todas as suas propriedades e bens … Assim surge o «Inventário da prata e ouro, ornamentos e roupa do serviço da igreja de Nossa Senhora e dos Sanctos e de todas as cousas de que se serve a Igreja de S. Tiago que mandou fazer o prior».
…. O aspeto que esta igreja citadina de um dos topos da Praça Velha, depois de restaurada, nos oferece, poderá não ser, porventura, o mesmo da sua primitiva fábrica. Todavia, temos de reconhecer que a reconstituição feita foi, na ocasião, a única e a melhor possível.
A igreja de Sant’Iago antes das obras de restauro
A Igreja de Sant'Iago durante as obras de restauro
A igreja de Sant’Iago depois as obras de restauro
Está a sua fundação envolta em lendas que se relacionam com a tomada da cidade, em 1064, por Fernando Magno. De concreto apenas se sabe que antes da reconstrução dos finais do século XII e inícios do XIII – a nova igreja foi sagrada em 28 de Agosto de 1206 – já no local existia outro templo de que há referências documentais no século XII.
[A origem lendária da fundação da Igreja de Sant’Iago foi contestada, nomeadamente, por António de Vasconcelos … e F.A. Martins de Carvalho… Para estes historiadores o documento mais antigo respeitante a Sant’Iago apenas remontava a 1183. Foi A. Nogueira Gonçalves quem revelou e chamou a tenção para notícias anteriores àquela data].
No século XVI, a fisionomia do monumento foi grandemente alterada,
Com efeito, em 3 de Junho de 1546 lavrou-se contrato entre a Irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia e a Colegiada de Sant’Iago para a construção da casa e igreja da Misericórdia sobre o velho templo românico.
Entrada para a Misericórdia antes das obras de restauro da Igreja de Sant’Iago
O novo edifício ficou edificado sobre a nave da «capela de S. Simão, onde ora está o Santíssimo Sacramento e sobre a capela de Vasco de Freitas», com entrada pela rua de Coruche, na parte posterior, o que era possível graças ao grande desnível do terreno. O patim de acesso foi feito sobre a «sacristia e capela de S. Simão».
Para segurança de ambos os templos se estipulavam a construção de «arcos», «na dita nave de S. Simão», bem como diversas medidas a tomar quanto ao encaminhamento das águas pluviais.
…. Que capelas ou altares haveria então na Igreja de Sant’Iago?
Também a este respeito o inventário fornece indiretamente algumas informações. O número não iria além de sete: três na cabeceira e quatro do corpo da igreja, sendo uma à Epístola e três do lado do Evangelho.
Na capela-mor se encontrava a imagem do orago, Sant’Iago, e o sacrário com o Santíssimo Sacramento que mais tarde esteve também na capela do Bom Jesus. Nas colaterais destacavam-se os altares de Nossa Senhora da Conceição, à Epístola. O primeiro era da administração da Colegiada. O segundo pertencia à respetiva confraria, constituída por nobres, no dizer do escrivão do inventário, e «muito rica», segundo as palavras do prior.
…. No corpo da igreja, do lado direito, entre a porta travessa e a escada que subia para o coro, situava-se a capela gótica primitivamente dedicada a S. Pedro e depois a Santa Escolástica, ao Bom Jesus, e, por fim, ao Sacramento. Nas obras de restauro foi transferida para o tramo fronteiro, indo ocupar o espaço da capela de Santo Ildefonso.
Do lado esquerdo estavam as capelas de Santo Elói e Santo Ildefonso, a que mais tarde se juntaria a do Espírito Santo, instituída em 1653 por Úrsula Luís, viúva do mercador Manuel Roiz-
…. A capela de Santo Ildefonso era da família dos Alpoins.
.… A capela de Santo Elói «que edificaram e fabricaram os ourives desta freguesia …» era a primeira, ao entrar no portão principal.
…. Resta ainda a capela de S. Simão e a de Vasco de Freitas… A primeira é a da Senhora da Conceção, ou seja, a colateral direita da cabeceira da igreja. A última deverá talvez corresponder à do Bom Jesus, primitivamente de S. Pedro.
Quanto a Santo André, que aparece com certo destaque no inventário, com suas vestes próprias e um possível altar, onde «servia» uma estampa e um frontal de rede, a ter existido na verdade este altar, seria bastante singelo. O mais lógico é que se tratasse de uma imagem integrada num dos outros altares.
…. Além das confrarias de Nossa Senhora da Conceição, dos nobres, e de Santo Elói, dos ourives, o inventário fala ainda das de S. Simão, Santo André, Sant’Iago, Santa Bárbara, Nossa Senhora da Piedade e Espírito Santo. Todas possuíam a sua arca, destinada a arrecadar a cera que cada confrade deveria pagar anualmente e de que se faziam as tochas que eram levadas na procissão do Corpo de Deus.
Borges, N.C. 1980. O Inventario dos Ornamentos e Joias da Igreja de Sant’Iago de Coimbra, em 1697. Coimbra, Instituto de História da Arte. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Vataça … Uma mulher com rosto, que se individualiza, uma «domina». Não é rainha, condessa, abadessa ou santa. O parentesco biológico e o artificial ligam-na, todavia, a rainhas e reis, abadessas e santas. Mas a sua aristocracia distinta, a sua inteligência invulgar, o seu excecional tato diplomático fazem dela uma hábil conselheira, pacificadora de estados, informadora e agente político, recebendo em troca importantes mercês de reis e comprando ela própria castelos.
… Vataça era «filha da muy nobre Lascara inffante de Grecia» e do conde Guilherme Pedro de Vintemiglia e «imperatoris Graeciae neptis».
…. É exatamente em Barcelona, a 11 de Fevereiro de 1282, que se realizam os esponsórios de D. Isabel de Aragão e D. Dinis de Portugal. Com D. Isabel, vem como sua dama, D. Vataça, sua prima em 7.º grau.
D. Dinis e D. Isabel. Gravura da série Lusitanorum Regum Icones Ordinis Temporum Axpositae. 1791. [Lisboa. Biblioteca Nacional]
Desde então as suas trajetórias assimilam-se – na vida e na morte.
Na corte, na fidelidade da rainha, conhece Vataça Martim Anes um vassalo de D. Dinis … é sem dúvida um casamento político, arranjado na corte, porventura imposto (não o eram quase todos?), a ajuizar pela extrema diferença de idades entre os nubentes … não houve descendentes do consórcio… [Martim Anes] terá morrido a 21 de Agosto de 1295 … A 1 de Julho de 1296, as «honradas donas» Constança [mãe de Martim Anes] e Vataça dividem os bens de Martim Anes.
…. Ligada pelo parentesco e pela vassalidade com D. Isabel, escolhida para aia de sua filha D. Constança, uma vez viúva, vai como camareira-mor desta para Castela, quando se celebram suas bodas, em Alcanizes, no ano de 1297.
Constança de Portugal. Genealogia dos Reis de Portugal. António de Holanda. 1534
…. A sua própria «criação» na corte, o contínuo papel de «mãe» e tutora de infantes e príncipes, o seu próprio estigma pelo afastamento da sua família do poder, o seu desenraizamento e possível apartidarismo e independência (mera imagem) fazem dela uma extraordinária e inteligente diplomata, conseguindo habilmente levar ao campo pacífico as discórdias existentes entre Castela e Aragão, relativas à sucessão do trono de Castela.
…. Em 1323 havia alguns anos que regressara de Castela, triste pela morte da sua infanta D. Constança [18 de novembro de 1313] e ferida com os conflitos gerados sobre a tutela e regência dos herdeiros menores, que nela se repercutiram.
…. A partir da morte de D. Dinis, em 1325, as relações entre D. Vataça e D. Isabel estreitaram-se ainda mais, pois passaram a habitar ambas os paços de Santa Clara…. Sabendo-se ainda que, para além de viverem à sombra das clarissas, D. Isabel, no seu testamento escolhe para a sua sepultura o mosteiro de Santa Clara … D. Vataça … será a Sé de Coimbra que albergará o seu corpo e disporá da sua riqueza.
Túmulo de Vataça Láscaris rodeado de águias bicéfalas, símbolo da nobreza Bizantina. Mestre Pero. 1336
O visitante ou o crente que percorra hoje, sob uma luz coada e amena, o repousante interior da vetusta Sé conimbricense, deparará do lado do Evangelho com um túmulo … Eis Vataça eternamente evocada pelo seu túmulo, esse monumento de vaidade póstuma, como já foi apelidado.
Estátua jazente do túmulo de D. Vataça
A sua figuração deve-se a Mestre Pero das Emanhas, artista vindo certamente de Aragão, que igualmente esculpiu o túmulo da sua senhora, a rainha D. Isabel. Os trabalhos teriam começado, sem dúvida, já em sua vida … [e] erguia-se no coro … de onde foi, posteriormente, removido.
Nota:
Sobre o mesmo tema as Autoras pulicaram: Os Bens de Vataça. Visibilidade de uma existência. Separata da Revista de História das Ideias, vol. 9. 1987. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Coelho, M.H.C. e Ventura, L. Vataça. Um Dona na vida e na morte. Separata de Actas das II Jornadas Luso-Espanholas de História Medieval. Vol. I. 1897. Porto, pp.159-194
- Nos finais do séc. XI/ início de XII, existia uma edificação romano-bizantina, da qual ainda estavam inteiros dois pórticos, em 1894. Em 1131 aparece referida tendo por prior um D. Onorio. Até 1183 esteve sujeita ao Arcebispo de Compostela, e a partir daí passou a pertencer ao bispo conimbricense.
- Foi sagrada sob a designação de basílica em 1206, devido a profanação, reparação ou reconstrução.
- Em 1500, D. Manuel funda a Misericórdia em Coimbra. E, em 1526, esta muda-se para o celeiro da Igreja Paroquial de São Tiago. Em 3 de Junho de 1546 é lançada a primeira pedra da Igreja Velha da Misericórdia sobre uma das naves de S. Tiago, concluída em 1549, com capelas, retábulos e varanda de João de Ruão. No entanto acontecem divergências com a paróquia, e saem, e em 1571 começam mesmo a construir outro edifício na mesma praça, mas em 1587 suspendem os trabalhos. Voltam a S. Tiago em 1589. São retomadas as obras. Deu-se a deformação da frontaria com o acrescento de dois pisos. A rosácea é rasgada e convertida em janela de sacada. Em 1772 vão para a Sé Velha, mas pouco depois voltam para São Tiago. De facto, a Misericórdia tinha tido várias localizações, mas acabava sempre por voltar. No séc. XVIII nova reforma desfigurou-lhe completamente as naves interiores, tendo as suas paredes sido todas estucadas.
- Em 1841 a Misericórdia vai definitivamente para o Colégio da Sapiência, junto com o Colégio dos Órfãos.
S. Tiago antes das obras
- Em 1858, quando a Câmara procede ao alargamento da “tortuosa, escura e estreitíssima” Rua do Coruche, para a converter na atual Visconde da Luz, as absides da capela-mor e laterais foram cortadas e, portanto, as proporções da planta inteiramente alteradas. Além disso não se respeitou a disposição da antiga escadaria que dava acesso à porta principal, tendo sido introduzida como que uma escadaria “em trono”.
S. Tiago durante as obras
- Em 1861, é demolida a Capela-mor de São Tiago e parte do Adro da Misericórdia Velha. Para restabelecer o acesso às instalações, constroem-se umas escadas e um patim gradeados.
S. Tiago depois das obras
A antiga Igreja da Misericórdia vem a ser demolida em 1908. Em 1930, a igreja é visitada por um conjunto de especialistas, no sentido de serem tomadas opções para o restauro. No entanto o restauro só se conclui em 1935, pelos Monumentos Nacionais.
Anjinho, I. 2006. Da legitimidade da correção do restauro efetuado na Igreja de S. Tiago em Coimbra. Acedido em 2018.01.23, em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31091/1/
Catedral Histórica de Coimbra
A Catedral mais Portuguesa de Portugal (Século XII)
GUIA PARA VISITA À CATEDRAL E CLAUSTRO
Planta da Catedral e do Claustro Gótico
De transição do Românico para o Gótico, levantado entre 1218-1223 (reinado de D. Afonso 11). A sua construção estava prevista no testamento de D. Afonso Henriques.
O Claustro da Sé Velha de Coimbra começou a ser construído em 1218, sobretudo graças a legados pios deixados pelos 3 primeiros reis de Portugal (D. Afonso Henriques, D. Sancho I e D. Afonso II). Será, no entanto, D. Afonso II quem dará um maior incentivo à construção do Claustro da Sé, até porque pretendia que os restos mortais do Chanceler Julião Pais (autor do primeiro código de leis portuguesas) aí fossem colocados. No claustro da Sé funcionou também a primeira Escola Catedralícia portuguesa (fundada em 1086, por intermédio do bispo D. Paterno). Seria ainda no claustro da Sé que ficariam alojados (a partir do século XVI) os restos mortais de D. Sesnando Davides, conquistador da cidade, em 1064, e um dos fundadores do Cabido de Coimbra em 1080. As naves do claustro possuem vários arcos geminados de volta perfeita (românicos) encimados por um arco envolvente de ponta quebrada (góticos). Várias rosáceas, todas elas diferentes, marcam uma equilibrada transição de um estilo para o outro. Na parte superior do Claustro, já demolida, existiu um importante scriptorium, onde trabalhavam os monges copistas, bem como uma rica biblioteca.
Sé Velha, claustro
18- Retábulo da Natividade (c. 1580). Oficina de João de Ruão.
19- Capela de São Miguel, única do claustro de arquitectura românica. Local escolhido para alojar os restos mortais de Julião Pais e da sua família.
20- Capela de Santa Maria. Utilizada como Sala Capitular (séc. XIII e XIV). Primeiro espaço onde funcionou a Misericórdia de Coimbra. Ao centro um cruzeiro em pedra policromada do século XIV.
21- Capela de São Nicolau. Arca tumular de D. Afonso de Castelo Branco, grande mecenas das artes e da cultura coirnbrãs, e Vice-Rei de Portugal durante o reinado de Filipe II.
Arca tumular de D. Sesnando
Ao lado, túmulo de D. Sesnando, conquistador e primeiro governador cristão de Coimbra. Grande diplomata responsável pela coexistência pacífica das comunidades muçulmanas, cristãs e judaicas da cidade.
EXTERIOR DA CATEDRAL
«Porta Especiosa» e «Porta de Santa Clara» são renascentistas; inscrição Árabe; Oliveira Milenar.
22- Expressão em árabe: "Um dia, a minha mão perecerá mas fica a marca da minha amargura". Característica única da catedral de Coimbra face a outras catedrais europeias.
23- Oliveira Milenar. Símbolo de Paz e Harmonia.
Comissão Fabriqueira da Sé Velha de Coimbra. Guia para visita à Catedral e Claustro.
Há dias fui mostrar a Sé Velha ao meu neto Alexandre.
À entrada foi-me disponibilizado um excelente guia para uma visita, editado pela Comissão Fabriqueira da Sé Velha de Coimbra que, pelo seu interesse, aqui se reproduz integralmente. Isto, no propósito de lembrar a todos a importância de, quando em vez, revisitar os locais onde se encontram as raízes de Coimbra.
Catedral Histórica de Coimbra
A Catedral mais Portuguesa de Portugal (Século XII)
GUIA PARA VISITA À CATEDRAL E CLAUSTRO
Sé Velha antes da primeira intervenção de restauro
A Sé Velha de Coimbra foi edificada no século XII (c. 1139-1184), durante o reinado de D. Afonso Henriques. A fase construtiva mais acelerada aconteceu no bispado de D. Miguel Salomão (1162-1176), prelado que se assumiu como um importante mecenas. No local onde atualmente se ergue existiu, desde o século IX, um outro templo com a invocação “Mariae Virginis” (conserva-se a sua pedra fundacional no interior da Sé Velha). A cidade de Coimbra foi definitivamente conquistada aos muçulmanos, a 9 de julho de 1064, por intermédio de Fernando Magno (Rei de Leão e Castela) e de Sesnando Davides (moçárabe natural da região de Tentúgal); este último tornou-se o primeiro Governador cristão da cidade.
Dedicada a Santa Maria de Coimbra, a construção da Sé Velha deve ser entendida dentro de uma estratégia de afirmação da autonomia e da independência nacional. Coimbra, «cidade Real», onde estava instalada a Corte de D. Afonso Henriques, via-se assim dotada de uma catedral digníssima, que honrava não só a cidade como também a primeira geração de portugueses que então se afirmava.
De estilo românico, uma verdadeira «Catedral Fortaleza», erguida com técnicas construtivas de elevada execução tanto na forma como nos materiais, conhecem-se apenas o nome de 3 dos seus mestres pedreiros: Roberto (de Clairmont), Bernardo e Soeiro. Coimbra, capital do novo reino, ganhava um baluarte de fé capaz de ombrear com as melhores catedrais europeias.
EVANGELIZAR PELAS FORMAS
PERCORRENDO NOVE SÉCULOS DE HISTÓRIA
Planta da Catedral e do Claustro Gótico
Planta em cruz latina; 3 naves; 12 pilares; 5 tramos; cruzeiro; torre lanterna e transepto. 3 capelas: principal com retábulo Gótico Flamejante dedicado à Assunção da Virgem; capela de São Pedro (esquerda); capela do Santíssimo Sacramento (direita). Trifório (galerias superiores), característico das igrejas de peregrinação do Caminho de Santiago.
1- Conchas Tridácmas, originárias do Oceano Índico (Indonésia). Oferta do Governador de Timor Loro-Sae em 1930.
2- Azulejo "mudéjar". Adquirido em Sevilha (bairro de Triana) no princípio do século XVI por Olivier de Gand sob mecenato do Bispo D. Jorge de Almeida. Imagem barroca de Nossa Senhora do Rosário. Século XVIII.
3- Túmulo do bispo D. Vasco Rodrigues (século XIV). Antigo bispo da Guarda e de Coimbra.
4- Interior da «Porta Especiosa». Autoria de João de Ruão. No exterior é possível contemplar este portal renascentista com o seu belíssimo medalhão da Virgem com o Menino. A sua denominação deriva da antífona medieval "Speciosa Maria est" que se
cantava nas procissões. O tema principal é a Anunciação da Virgem.
5- Pinturas barrocas de Santa Úrsula e de Santo António. Final do século XVII, autor desconhecido.
6- Túmulo da princesa bizantina Vataça Lascaris. Dama de Corte da Rainha Santa Isabel. Túmulo apresenta várias águias bicéfalas (símbolo do seu sangue real). Este túmulo (século XIV) é da autoria de Mestre Pêro, também ele responsável pela construção do túmulo da Rainha Santa Isabel.
7- Túmulo do bispo D. Egas Fafes (século XIII). Único bispo de Coirnbra nomeado arcebispo de Santiago de Compostela.
8- Altar de Santa Clara (final do século XVI). Resta apenas a imagem de São Cristóvão
com o Menino Jesus ao ombro.
9- Capela de São Pedro. Retábulo renascentista da autoria de Nicolau de Chanterene. Ao centro (em cima) representação da cena Quo Vadis. Na parte inferior do retábulo (ao centro) o momento da morte de São Pedro, crucificado de cabeça para baixo. Aos pés do retábulo sepultura em campa rasa do bispo D. Jorge de Almeida. Para além de ser o bispo que na História de Portugal mais tempo assumiu uma diocese (1483-1543) foi também o primeiro Inquisidor-mor do reino.
10- Retábulo gótico flamejante (inícios do século XVI). Concebido na Flandres por Olivier de Gand e Jean D'Ypres. Motivo central: Assunção da Virgem Maria. O mecenas da obra foi o bispo D. Jorge de Almeida e o seu escudo de armas encontra-se representado por 3 vezes.
11- Pedra fundacional do templo dedicado a Santa Maria que anteriormente existiu neste local e foi, supostamente, destruído por um ataque árabe em 1117. Pode ler-se nela a inscrição Mariae Virginis.
12- Capela do Santíssimo Sacramento, da autoria de João de Ruão. Datada de 1566. Representação de Cristo ao centro, em concílio, a dialogar com os 12 apóstolos presentes na Última Ceia. Em baixo, à direita, os 4 evangelistas. No lado oposto, a Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo acompanhada por São José. O mecenas desta magnífica capela foi o bispo D. João Soares que esteve presente no Concílio de Trento.
13- Pia Baptismal (séc. XVI). Concebida em pedra de Ançã por Diogo Pires-o-Moço (artista régio). Possui 3 motivos centrais: o Baptismo de Cristo no rio Jordão; Moisés, ainda criança, a ser salvo nas margens do rio Nilo; e o escudo de armas de D. Jorge de Almeida.
14-Túmulo com jacente do bispo D. Pedro Martins.(final do século XIII).
15- Pintura barroca da Rainha Santa Isabel com a representação do Milagre das Rosas. Natural do reino de Aragão tornou-se Rainha de Portugal devido ao seu casamento com D. Dinis. Foi canonizada em 1625. Em baixo, arca tumular de D. Tibúrcio (século XIII), o primeiro bispo a ser sepultado no interior da Sé de Coimbra.
16- Pintura de São Sebastião (final séc. XVII). Em baixo, arca tumular de D. Estêvão Anes Brochado (séc. XIV).
17- Escultura barroca da Imaculada Conceição. Da autoria de Frei Cipriano da Cruz (séc. XVIII). Em baixo, réplica do documento que instituiu a primeira missa celebrada em Portugal, em 1320, dedicada à Imaculada. Esta missa decorreu na Catedral de Santa Maria de Coimbra (Sé Velha).
Comissão Fabriqueira da Sé Velha de Coimbra. Guia para a visita à Catedral e Claustro.
O foro académico foi uma instituição, que muito enalteceu a Universidade medieval portuguesa, acolhendo sob a sua égide protetora os lentes, escolares e oficiais, e bem assim os respetivos familiares, que todos, de certa época em diante, eram isentos da jurisdição de quaisquer autoridades estranhas à Universidade, e só pleiteavam perante o tribunal benévolo, carinhoso e paternal dos seus Juízes privativos. Como autores e como réus, nas causas cíveis e nas causas crimes, a nenhum outro foto estavam sujeitos, nenhum outro Juiz tinha jurisdição para conhecer dos seus pleitos, a não ser que houvesse recurso, e salvo o caso de se dar motivo às intervenções do Corregedor.
Por isso toda a gente ambicionava entrar em o número dos «privilegiados» da Universidade, e os profissionais dos diversos mesteres suplicavam com grande empenho e honra e mercê de serem contados entre os fornecedores (como hoje se diria) da Universidade, comprometendo-se por vezes alguns a anda receber pela mão-de-obra dos fornecimentos e consertos que fizessem. Ourives, livreiros, impressores, e bem assim carniceiros, vinhateiros, padeiros, etc. etc., disputavam o grande benefício de serem inscritos no quadro do pessoal universitário, para gozarem os respetivos privilégios, entre os quais avultava o do foro académico.
Fundada a 1 de março de 1290 por diploma de D. Dinis, expedido de Leiria, a Universidade foi confirmada e privilegiada pela bula de Nicolau IV «de satu regni Portugaliae».
Na carta de fundação prometia el-Rei a sua proteção eficaz aos escolares do novo «Estudo geral», chegando a dizer-lhes que, se fossem por alguém ofendidos ou vexados, recorressem sem hesitação à sua «Alteza Real».
... Pelo seu lado o Papa, na bula citada, isentou do foro leigo ou comum, em todas as causas crimes em que fossem réus, não só os mestres e escolares, mas também os seus serviçais, ficando todos sujeitos ao foro eclesiástico.
... Foi no outono de 1308 que se realizou a transferência da Universidade para Coimbra.
D. Dinis. In: Compendio de crónicas de reyes
A 15 de fevereiro de 1309, outorgou-lhe D. Dinis a «Carta magna privilegiorium», na qual a isenção do foro comum foi consideravelmente ampliada.
... 1.º Proíbe ao alcaide Coimbra e aos seus oficiais que, em qualquer ocasião e seja por que motivo for, obrigarem os estudantes a comparecer perante os tribunais seculares;
2.º Permite-lhes apenas que os prendam em delito de homicídio, ferimento, furto ou roubo, rapto de mulher, ou fabricação de moeda falsa; com a condição porém de, o mais breve possível e sem dificuldades, independentemente de qualquer requisição, fazerem entrega deles à autoridade eclesiástica para esta os julgar.
E assim ficaram as coisas nos primeiros tempos da Universidade em Coimbra. As pessoas universitárias eram isentas da jurisdição as autoridades comuns, tanto nas causas crimes como nas cíveis, e sujeitas à jurisdição de um Juiz próprio, que, por escolha e determinação del-Rei, era a autoridade eclesiástica.
Neste mesmo diploma é criado na Universidade... o novo oficio... da Conservatória do Estudo.
Documento da criação foro académico
Diz o Rei, que quere que sejam escolhidos dois homens probos da cidade de Coimbra, que tenham por obrigação vigiar solicitamente pela honra e cómodo do Estudo e dos estudantes, que inquiram e relatem a el-Rei o que lhes parecer conveniente ao mesmo Estudo e estudantes; e que, enfim, se esforcem por conservar fielmente as imunidades, privilégios e liberdades da Universidade e de cada um dos seus alunos.
Verdeal prendendo um académico
Manteve-se o foro privativo da Universidade, até ao advento do regime constitucional, implantado em Coimbra a 8 de maio de 1834.
A jurisdição deste foro privativo residia, como vimos, na Conservatória judicial da Universidade. Havia nesta, além do magistrado judicial, que era o Conservador, o pessoal seu subordinado: 2 almotacés, 1 meirinho de vara branca, 2 escrivães, e outros oficiais. Tinha o meirinho às suas ordens 10 homens armados com «suas chuças ou partezanas» (as atuais alabardas), homens que vulgarmente se chamavam «verdiais» (os archeiros de hoje) por serem de cor verde as casacas dos seus uniformes. O Conservador erguia a sua vara banca de um magistrado judicial, não só nos edifícios das Escolas, mas em toda a cidade de Coimbra; e casos havia em que lhe era licito alçar a vara «em todas as partes do Reino, onde a Universidade tem suas rendas ed dividas».
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 297-299, 302-304, do Vol. I
Há uma bela vista de Coimbra, desenhada pelo artista florentino Pieri Maria Baldi, que visitou Portugal vindo na comitiva do príncipe Cosme, herdeiro do soberano Gran-Duque da Toscana... demorando-se em Coimbra três dias, no mês de Fevereiro de 1669. Foi nestes dias que fez o desenho.
Gravura de Baldi
Nele se sê a verdadeira feição do afamado arco romano de Belcouce, que é, pura e simplesmente, a porta principal do «oppidum» Emínio; as casas que lhe ficam por trás e ao lado, ocupando precisamente o local do velho palácio (que em 1537 pertencia ao Reitor Garcia de Almeida que mandou dar as lições das Faculdades jurídicas e médica em salas do seu próprio palácio, onde residia, sito à Estrela, próximo da torre e do arco romano «de Belcouce»), são casas vulgares apenas.
[Aquando da construção do Colégio de S. António da Estrela], das antigas edificações, que aqui havia, foi poupado o arco romano, que permaneceu a Sul do novo edifício, e a parte inferior, que restava, da célebre torre quinária de Belcouce, ficando mais de metade do seu corpo embebida na alvenaria da fachada ocidental, de modo que se conservou à vista, a salientar-se, o ângulo ocidental; aproveitou-se habilmente para mirante o terraço triangular que sobre ela ficou descoberto. Também pouparam a interessante inscrição comemorativa da construção da torre, que se edificou por ordem de D. Sancho I. Para datar esta construção, esculpiram-se na lápide comemorativa três elementos cronológicos, que não se adaptam bem entre si, embora a discrepância não seja grande: o início do reinado de D. Sancho I, a tomada de Coimbra aos mouros por Fernando Magno de Leão, e a era hispânica de 1249. Oscilam entre os anos de 1209 e 1211. Parece que aquela primeira data se reporta ao começo da obra, e esta ao assentamento da inscrição, quando se havia concluído a torre, na era de 1249 a.D. 1211. Muito se discreteou sobre a concordância destes três dados cronológicos.
Arco romano, apresentação de Isabel Anjinho
... A 10 de Junho de 1778, mandou a Câmara demolir o arco romano da Estrela! Assim desapareceu estupidamente o monumento histórico mais precioso e interessante no seu género que Coimbra possuía; mas, em compensação, exultou a vereação por ter aumentado com esta desastrada medida a receita municipal deste ano, entrando em cofre a quantia de 30$000 reis, que pagou Miguel Carlos pela compra da pedra da demolição!
Pormenor da gravura de Hoefnagel, apresentação de Isabel Anjinho
É possível marcar-se aproximadamente o local onde se erguia o arco, tendo em consideração que esse local foi depois da demolição aproveitado pelos frades para ali construírem uma casa suplementar ao Colégio, na extremidade sul deste, a qual se vê em estampas que ilustram este capítulo. Ainda existe, no jardim... um marco de referência precioso: um cubelo de suporte da muralha, que se encontra à mão esquerda, quando da Couraça se transpõe a porta de entrada do jardim. Este cubelo se vê nas respetivas estampas, marcando o vértice do ângulo S-O da dita casa.
Colégio de S. António da Estrela
As fachadas ocidental e meridional estende-se nesta estampa quase lado-a-lado, no 1.º plano, desde a parte posterior da igreja, à nossa esquerda (onde se salienta a pequena capela-mor, e ao lado a pequeníssima sacristia com as suas 2 janelas), até ao topo S, quase completamente escondido detrás duma casa com três filas de 5 janelas em cada um dos seus 2 andares, e por baixo destas mais outra fila de janelas simuladas. Esta casa foi construída, no último quartel do século XVIII, a ocupar o local onde se erguia o afamado arco romano ou de Belcouce; ficou quase encostada ao topo meridional do Colégio, construindo- entre um e outro edifício a porta larga e a passagem de entrada para o grande pátio do Colégio, e para esta nova casa. Um cubelo, que se vê no ângulo deste pequeno prédio, ainda hoje existe, e serve de marco para fixarmos o lugar da casa, e consequentemente do arco de Belcouce.
O Colégio era composto de 2 corpos contíguos, um com a orientação S-N, o outro E-O, formando assim um ângulo reto. No topo ocidental deste último corpo, divisa-se a parte restante da torre de Belcouce.
Esta fotografia foi tirada do areal do rio, a montante da ponte, alguns anos depois do incêndio que devorou o edifício em a noite de domingo, 27 de janeiro de 1895, deixando ficar somente as paredes.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 274-276, 404 do Vol. I
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