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As Conversas Abertas reiniciam-se, na 6.ª feira, dia 26 de janeiro, às 18h00, tendo como palestrante o P. Doutor Nuno Santos.
Como ocorreu nos últimos anos, as Conversas decorrerão nas últimas sextas feiras, dos meses de janeiro a junho, sempre à mesma hora, com entrada livre, na sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra.
Eis o cartaz desta Conversa.
Relembro que após a intervenção do Palestrante, é usual abrir um período de debate onde todos poderão colocar as suas questões.
Para os que costumam assistir e para os que nunca participaram aqui fica o convite para estarem presentes.
Rodrigues Costa
No início do passado mês de dezembro, a nova direção do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro (GAAC) anunciou o regresso da Munda.
A primeira série que tinha como diretor o Dr. Mário Nunes, foi editada entre 1981 – aquando do surgimento do GAAC – e 2007, tendo sido publicados 52 números. Há que saudar não só o renascimento do Grupo, bem como da sua revista científica que teve um papel relevante, no panorama cultural da Cidade. Renascimento que foi assim noticiado pela Direção em exercício.
A retomada da publicação da revista Munda, que durante longos anos marcou a vida editorial coimbrã, constituía um dos maiores desafios que se colocavam à atual direção do GAAC.
Esse objetivo acaba de ser concretizado, com a publicação do n.º 1 de uma nova série, a 2.ª, com um vasto leque de artigos centrados na vida cultural e artística da região centro e, em especial, da cidade de Coimbra.
São 170 páginas que proporcionamos aos sócios e ao público em geral, com a consciência de que tudo foi feito para honrar o grandioso passado da revista,
Munda. N.º 1 – 2 série. Novembro de 2013, capa
O índice da revista permite-nos aquilatar da qualidade e interesse dos artigos ora publicados.
SECÇÃO TEMÁTIVA: RETRATOS HISTÓRICOS DE COIMBRA
- Coimbra, 1901, A Primeira Viagem de Manuel Gómez-Moreno a Portugal, de Josemi Lorenzo Arribas e Sérgio Pérez Martin.
- Martin Wdser em Coimbra: Um Escritor Alemão Esquecido. Entre Helmut Helling e Karl Heinz Delille, de Pedro Miguel Gon.
- Lusitania, Viaje por un País Romântico. Coimbra pelos Passos de Rogelio Buendía, de Ana Marques.
- Viajar no Mondego com Fotografias de Época, de Alexandre Ramires.
VÁRIA
- Monforte de Ribacôa, um castelo Leonês na posse de Portugal, de Carlos D’Abreu e Román Hernández Rodriguez.
- Moinhos Hidráulicos no Río Ocreza, de Lois Ladra.
- O Moinho do Meligioso e a Batalha do Bussaco. Esforço de Preservação do Património Histórico-Militar, de João Paulo Almeida e Sousa.
Destes artigos chamamos, nomeadamente, a atenção para o da responsabilidade de Alexandre Ramires, intitulado Viajar no Mondego com Fotografias de época, onde são apresentadas 21 recuperações de fotografias do início do seculo passado, das quais selecionamos as seguintes.
Barracas no Mondego, autoria não identificada, Maio1905. Op. cit., pg. 77
Barca de lenha, autoria não identificada, 1906. Op. cit., pg. 81
Crescer no Rio, autoria não identificada, 1906. Op. cit., pg. 85
À beira-rio, autoria não identificada, 1906.Op. cit., pg. 89
Ponte do Modesto, autoria não identificada, c.1930. Op. cit., pg. 95
Munda. N.º 1 – 2 série. Novembro de 2013. Coimbra. Grupo de Arqueologia e Arte do Centro.
A fim de assinalar a milésima entrada do blogue “A’Cerca de Coimbra”, entendemos, em jeito de balanço, solicitar a alguns dos qualificados leitores habituais, um breve comentário sobre o caminho já percorrido.
Pela nossa parte comprometemo-nos a prosseguir o trabalho encetado, enquanto a saúde nos permitir, embora admitamos introduzir alguns ajustamentos que se considerem pertinentes.
Aos Autores dos comentários, apresentados por ordem alfabética, simplesmente, o nosso muito obrigado.
Rodrigues Costa
António Cabral de Oliveira
Faz anos que sou frequentador assíduo, sempre com renovado interesse e o maior provento, de A’Cerca de Coimbra, o blog de Rodrigues Costa que, com coerência e determinação, tanto tem contribuído para o aprofundamento dos saberes sobre esta cidade – e seu termo –, também para um maior enraizamento do que alguns, poucos, ainda chamam, imagine-se, de orgulho coimbrão.
A ele recorro, sistematicamente, precioso auxiliar numa vida dedicada ao jornalismo, sobretudo de proximidade, para fonte confiável, não raro inspiradora, esclarecer dúvidas, ganhar conhecimentos, melhor me entrosar na realidade histórica e quotidiana de Coimbra.
A quem goste de Coimbra, de conhecer mais intrinsecamente a sua cidade, recomendo, como leitura obrigatória, uma circunstanciada e permanente consulta do blog. É indizível, em verdade, o quanto se aprende, o tanto que havia – há sempre – ainda por descobrir.
Gosto de visitar o site. Só lhe falta, mas talvez um dia, sistematizadamente, o alcance, o toque que a materialidade do papel propicia, aquele resto de cheiro a tinta que nos arrebata no livro.
Dispensado de encómios pessoais – em nome da consideração, respeito e amizade que há décadas nos une –, obriga-me, contudo, uma palavra de grande elogio, na simplicidade que só poucos alcançam, ao trabalho desenvolvido, persistência da regularidade, à excelência alcançada.
Por ocasião da entrada milésima, parabéns, Rodrigues Costa, pelo empenhamento e persistência afirmados. E, permitindo-me falar não apenas a título pessoal, um bem-hajas por mais um serviço, enorme – se isto não é servir Coimbra, não sei, então, o que o será – à cidade que nos enleva.
Longa vida – queira Deus – para nossa inteira vantagem pessoal, essencialmente enquanto inquebrantável esteio na defesa dos superiores anseios de Coimbra, ao A’Cerca de Coimbra.
António Cabral de Oliveira
Carlos Ferrão
Promover a Cultura é um desafio interminável, que convoca o melhor da inteligência humana a surpreender-se sobre o passado, agir no presente e preparar-se para o futuro.
Durante séculos o mais importante veículo de disseminação da cultura escrita, era o papel em livros, revistas, jornais ou panfletos. O seu uso foi posto em causa durante muito tempo e com o início da era digital, "a morte do papel" tornou-se um conceito plausível de ser discutido por vários teóricos e especialistas, trazendo novos domínios vantajosos, como a mobilidade, a pesquisa, a edição e a partilha.
Com a utilização maciça do computador, o uso do papel não foi totalmente suplantado, mas surgiram espaços próprios e originais para a escrita e apareceram novas ou diferentes convenções do texto que revolucionaram a própria escrita.
A escrita eletrónica e o texto digital parecem potenciar, de facto, a diferenciação de géneros e audiências. No atual contexto de publicação, estão contemplados os textos digitais, os websites, os chats, as redes sociais e em particular os blogs.
Os blogs passaram a ser o “coração” de uma estratégia em ambiente web, uma vez que, dirigidos a audiências especificas e segmentadas, alimentam as redes sociais e permitem a interação entre o editor e o leitor.
Aqui chegados, escolhida a ferramenta para criar e editar e a plataforma de alojamento, o blog “A’ Cerca de Coimbra”, faz o seu primeiro “post” em 15 de Maio de 2015, para um amplo projeto de partilha cultural.
Apoiado na História, na Sociologia ou a Antropologia, e focado no património material e imaterial faz despertar a atenção dos leitores para a enorme e rica herança cultural que a cidade possui, e passou a ser um espaço de excelência onde se procura, ou conquista o saber em conteúdos de qualidade e consistência e onde se encontra uma porta aberta para opinar.
“A’ Cerca de Coimbra”, regista neste mês de dezembro a sua 1000ª entrada. Não pode deixar-se passar em claro este tão relevante facto, e destacar o seu importante papel na transmissão de conhecimento que a partir de um enorme trabalho continuo de investigação, enriqueceu e continua a enriquecer a comunidade.
Parabéns ao Dr. Rodrigues Costa, fundador e editor do blog “A’ Cerca de Coimbra”, pelo empenho e por esta importante conquista que alcançou e faz acreditar que no mundo virtual, esta é uma forma real e transparente do que deve ser a divulgação da cultura.
Venham mais 1000, 2000 ou 3000 “postagens”!
Carlos Ferrão
Isabel Anjinho
Numa época em que todos fazem blogues, mesmo que sejam “blogues acerca de nada”, como pude constatar recentemente, é justíssimo enaltecer e falar um pouco sobre o blogue A’Cerca de Coimbra, iniciado em Maio de 2015, na sua milésima entrada.
Mas, em primeiro lugar, uma palavra sobre o seu autor, António Rodrigues Costa, que me honra com o tratamento por “Filha”, de que já não prescindo. Homem de convicções, “salatina” de gema, na sua modéstia pouco fala sobre os altos cargos que desempenhou na Câmara Municipal de Coimbra, nomeadamente de Vereador e Director de Cultura. Durante a sua passagem pela Praça 8 de Maio, um dos legados que nos tentou deixar e que, infelizmente, os que o seguiram não entenderam manter, foi o saudoso Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra. E talvez tenha sido a sensação de um trabalho não reconhecido, nem na sua maioria continuado e até mesmo por vezes deliberadamente escondido, que o levou a encetar este magnífico blogue sobre a história de Coimbra. Nesta empreitada, a que se propôs, esteve apoiado pelos Amigos de sempre, Regina Anacleto e Nelson Correia Borges (permitam-me não usar os títulos, sobejamente conhecidos, dos três protagonistas desta história).
O blogue A’Cerca de Coimbra teve o seu começo em 13 de Maio de 2015, sendo o seu objectivo “recolher referências à cidade do Mondego existentes em obras publicadas e divulgá-las utilizando os recursos que as novas tecnologias disponibilizam”.
Bem organizado, por datas e/ou por temas, apresenta uma escrita clara e objectiva, com as “fontes bibliográficas” sempre no final de cada entrada. A sua leitura é um prazer, sendo igualmente um excelente auxílio à investigação. De facto, basta recorrer ao índice de “tags” para, rapidamente, se chegar ao assunto desejado.
De entre tudo o que pude ler no blogue, destaco uma entrada, de 20 de Setembro de 2022, que me impressionou, pelo implícito grito de dor do autor, que o levava a quebrar a sua tão característica descrição no que respeitava aos cargos desempenhados: «... A sua consulta levou-nos a constatar que nesse Inventário [da Documentação de Turismo no AHMC ] se encontra omitido a esmagadora maioria de um significativo número de processos respeitantes ao período situado entre 1974 e 1983, processos esses que se encontravam devidamente organizados e arquivados e que patenteavam evidente e relevante interesse histórico. Em suma, os anos [entre 1977 e 1988] em que tive a honra de dirigir aqueles serviços [municipais de turismo] foram, pura e simplesmente ignorados». Percebemos, depois, que a documentação referente a esses anos simplesmente desaparecera do conjunto arquivístico a tratar, razão porque não pudera ser incluída. Seria da maior justiça a revisão dessa publicação bem como um agradecimento público, por parte da edilidade ao António Rodrigues Costa.
Isabel Anjinho
Mário Araújo Torres
Iniciado em 13 de maio de 2015, o blogue «A’ Cerca de Coimbra», criado e mantido ao longo de quase nove anos por António Rodrigues da Costa, um reconhecido especialista apaixonado por assuntos conimbricenses, atinge a sua milésima publicação.
Nascido na Couraça dos Apóstolos, “na casa da Cerca, adossada à muralha”, “muito jovem, aos 16 anos, tive como primeiro emprego a responsabilidade de dactilografar os difíceis originais do historiador de Coimbra, Dr. José Pinto Monteiro, que rapidamente também me encarregou de fazer pesquisas, nomeadamente nesse magnífico jornal que foi «O Conimbricense». Nasceu daí o meu gosto pela história de Coimbra.” (publicação de 20 de maio de 2015).
Aplicou-se ao longo dos anos, no seu blogue, a dar a conhecer dados sobre a história de Coimbra, recolhendo e divulgando as informações que ia coligindo, enquanto leitor compulsivo que sempre foi.
Se as primeiras publicações quase se limitaram à reprodução de breves extratos das obras que ia lendo, com o tempo foram aumentando em extensão e enriquecidas com informações bibliográficas e pertinentes imagens.
É insuscetível de enumeração nesta breve nota a quantidade e variedade dos temas tratados, sempre centrados em Coimbra: as vicissitudes da sua história, a origem e beleza dos seus monumentos, as suas paisagens e tradições, as suas personalidades (do Conde Sesnando a José Afonso), a sua bibliografia.
Acresce a pertinência, a riqueza e a qualidade das ilustrações, sempre com a preocupação de indicação das fontes.
E, por último, o completo domínio dos instrumentos informáticos, com inserção de palavras-chave que, com um clique, nos remetem para os textos que tratam as centenas de temas, e um índice cronológico das publicações.
Por ocasião da milésima publicação de “A’ Cerca de Coimbra?”, os seus leitores agradecem a António Rodrigues da Costa o seu ingente esforço e aguardam que finalmente as autoridades municipais manifestem publicamente o seu reconhecimento.
Mário Araújo Torres.
Regina Anacleto
O blogue “A’ Cerca de Coimbra”, da responsabilidade do Dr. Rodrigues Costa, começou a ser publicado em 2015 e regista hoje a sua 1000.ª entrada.
Esta plataforma digital tinha e continua a ter como objetivo principal a divulgação de temas de recorte específico, maioritariamente relacionados com a história da cidade de Coimbra.
Utilizando textos de múltiplos autores, sempre devidamente identificados, o blogue procura estabelecer uma conexão profunda com o leitor, disponibilizando-lhe, através desta forma de comunicação, conhecimentos diversificados e, por vezes, de difícil acesso. Para estimular esse diálogo vivo com o público, os textos são, sempre que possível, acompanhados de imagens ilustrativas dos conteúdos.
No blogue, o seu responsável procura dar uma visão global da história da urbe, caldeando textos mais antigos com publicações atuais, portadoras de novas visões e achegas. A História não é uma ciência estática. Está em constante movimento face a novos achados e a novas interpretações, resultantes, algumas vezes, das modernas tecnologias colocadas à disposição do investigador. Convém esclarecer que a perfeição é inatingível e que ninguém consegue saber tudo nem dizer tudo. Por isso, o facto de o Dr. Rodrigues Costa se encontrar umbilicalmente ligado à sua cidade natal e ao estudo da sua história alia-se, no seu blogue, a uma perceção clara dos movimentos da História e do modo como se articulam com a história local.
Saliente-se, de resto, neste contexto, que a história local, durante longos anos ostracizada, tem vindo a despertar o interesse dos investigadores, desde meados do século XIX, na exata medida em que contribui para um mais profundo entendimento da História (em sentido global), tornando-se num precioso auxiliar capaz de aportar múltiplos esclarecimentos aos campos político, económico, social e mental. Os indivíduos, assim como as sociedades, procuram preservar o passado como um guia que serve de orientação para enfrentar as incertezas do presente e do futuro.
Acrescente-se ainda, na esteira da dinâmica deste blogue, que a memória coletiva de uma determinada população estende-se aos territórios onde vive, aos seus monumentos, aos vestígios do passado e do presente, aos seus problemas, à cultura material e imaterial e, também, às pessoas.
De tudo isto dá conta “A’ Cerca de Coimbra”.
Por isso, na ocasião da publicação desta 1000.ª entrada do blogue “A’ Cerca de Coimbra”, não podemos deixar de parabenizar o Dr. Rodrigues Costa pela transmissão de tão grande volume de saber relacionado sobretudo com a cidade do Mondego e de salientar o enorme esforço de criteriosa investigação a que a publicação em causa o tem obrigado.
Resta-nos esperar a possibilidade de continuar a aprender com tão pertinentes ensinamentos.
Regina Anacleto
Memórias de Coimbra. Op cit., capa
Nesta entrada, também atualizamos os termos do texto para facilitar a leitura de todos os leitores, e nela tomamos conhecimento de uma procissão que surgiu em Coimbra e que, ao tempo só em Coimbra se realizava, mas cuja prática foi alargada a outros pontos do País.
Havia uma, porém, que era particular a Coimbra, e da qual fala Frei Manuel da Esperança na sua História Seráfica da Ordem dos Frades Menores na Província de Portugal. Escreveu o cronista:
A cousa mais memorável, que se pode escrever, é a procissão dos Nus, a qual se faz no seu dia [o dos Santos Mártires de Marrocos].
Mártires de Marrocos. Quadro de Piero Casentini, pormenor. Imagem acedida em: https://www.capuchinhos.org/franciscanismo/artigos/martires-de-marrocos
A procissão ou devoção dos nus. Imagem acedida em: https://miluem.blogs.sapo.pt/a-procissao-ou-devocao-dos-nus-634217
Teve princípio por ocasião da peste que, no Ano de 1423 abrasou esta cidade [de Coimbra] com todos os seus contornos, levando, não só as casas, senão lugares inteiros. E vendo isto. um homem do lugar de Fala, freguesia de S. Martinho do Bispo, por nome Vicente Martins, e por alcunha o Granjeeiro, fez voto que se os Mártires o livrassem a ele, e a seus filhos, daquele mortal contágio, visitaria com eles, nus da cinta pera cima, todos os anos no seu dia o seu sagrado sepulcro. Eram os nomes dos filhos: Estêvão, Álvaro, Afonso, Gonçalo e João; os quais conformados com a promessa do pai, lhe deram execução. O Anjo percuciente, que viu matizadas as portas da sua casa com a virtude do sangue dos Cordeiros Franciscanos, não ousou meter nela o seu cutelo de morte, que ensopava em sua vizinhança. Juntou-se depois a eles outro homem, chamado João Cabelos, de um lugar pouco distante, que sendo enfermo de gota coral, foi curado pelos Mártires. Hoje concorrem, não só os destas famílias, mas também os mais vizinhos dessa da dita paróquia de S. Martinho do Bispo, como da Igreja Nova, e Taveiro; muitos homens de alguns lugares à roda: outros da cidade, e arrabaldes; e com eles grande soma de meninos, ou a pé se tem idade, ou nos braços da mães, e das amas, que os criam.
A procissão se ordena desta forma.
Na manhã de 16 de janeiro, que é o dia dos Santos, todos se vão ajuntar na igreja do nosso convento de S. Francisco da Ponte: uns já despidos: outros, que se despem nele. Ficam nus dos joelhos pera baixo, e da cinta pera cima. em calções, e quando muito, uma toalha cingida. Alguns se confessam, e comungam; e acabada uma missa, que cantamos, vai saindo a cruz da nossa comunidade nas mãos de um religioso, cujos lados acompanham outros dois, que levam ceroferários (círios ou tocheiros). Segue-se logo os Nus postos em duas fileiras. Assim despidos, e descalços com as cabeças descobertas, as contas [do rosário] numa mão, e uma vela na outra. Depois seguimos nós, e ainda mais atrás outras fileiras de Nus, os quais levam assim as varas do pálio, como tochas, em companhia de uma relíquia destes gloriosos Mártires. No ano de 1641 foram achados por conta, feita à nossa instância, mais de duzentos e vinte; e posto que não seja número fixo, sempre é grande, e outras vezes maior. Deste modo, e neste dia, no coração do inverno, atravessam o a ponte do Mondego, e duas ruas da cidade, as mais correntes, e publicas até chegarem ao real mosteiro de Santa Cruz, recompensando a glória deste notável triunfo, as afrontas, e opróbrios, com que os invictos Mártires foram levados, despidos, e açoutados pelas ruas de Marrocos da cadeia até ao paço.
Martírio dos Santos Mártires de Marrocos. Imagem da coleção RA
Acham sempre o Pregador no púlpito: alguns se vestem numa casa separada, como fazem oração; outros esperam, que de todo se acabe o ofício divino...
Refere depois o autor que um bispo de Coimbra (que não nomeia), amigo de novidade, teve por muito indecente esta procissão dos Nus, proibiu que se fizesse. Logo nesse ano sobreveio uma peste, e o bispo, mudando de conselho permitiu a procissão.
Diz ainda Frei Manuel da Esperança que esta peste ocorreu em 1559, mas que, tendo afetado todo o reino, não entrou na cidade.
Alarcão, J. Memórias de Coimbra. 2023. Coimbra, Edição Lápis de Memórias.
Prosseguindo na chamada de atenção dos leitores para a obra recentemente publicada por Jorge Alarcão,
Memórias de Coimbra. Op cit., capa
escolhemos um tema aqui pouco tratado, socorrendo-nos do capítulo da obra citada, intitulado As procissões em Coimbra no séc. XVI.
Refira-se que no texto não são apresentadas quaisquer imagens. Aliás, manda a verdade que para a época a que o texto se refere, desconhecemos a existência de tais imagens. Restou-nos assim ilustrar a entrada com imagens do espólio guardado no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra.
A entrada de hoje é dedicada à procissão do «Corpus Christi» e atualizamos os termos do texto para facilitar a leitura de todos os leitores
A principal procissão que se realizava em Coimbra, no séc. XVI, era a do «Corpus Christi. Aliás, era festividade comum a todas as cidades do reino, mas a de Coimbra é particularmente conhecida por se ter conservado o Regimento dela, muito pormenorizado.
AHMC. Regimento da procissão do Corpus Christi, pg. 1
…. A procissão era algo entre o sagrado e o profano. Não diremos que tinha aspetos carnavalescos, mas, pelo menos, tinha muito de cortejo alegórico; e a população da cidade, mais do que incorporar-se nela, assistiria, das ruas e das janelas, à sua passagem.
Começava a procissão no largo da Sé, onde os participantes (ou figurantes) deviam comparecer pelas sete horas da manhã. Descia à rua Direita, ia ao Arnado e daí retornava à Sé. Com tão longo percurso, demoraria muitas horas a desfilar.
Na procissão incorporavam-se os representantes das corporações de artes e ofícios da cidade, com suas bandeiras.
A «judenga com sua toura» abria a procissão. Era um grupo de pelo menos 6 homens, escolhidos de entre os forneiros, carvoeiros, fabricantes de telha e de cal e lagareiros da cidade. Disfarçados de judeus, levavam nas mãos uma representação da «Torah», livro sagrado daquele povo - pois é nesse sentido que devemos entender «sua toura».
Vinham depois o «segitorio bem concertado e a serpe com huma silvagem grande».
O segitório era um homem de vestimenta colorida, armado de setas que brandia talvez contra a figuração de uma serpente ou dragão (porque serpe também significava dragão).
João Pedro Ribeiro leu: «Os carpinteiros da Cidade são obrigados de dar a Serpe com uma silvagem grande». Outros autores leram: «com um selvagem grande». A primeira leitura parece-nos mais correta: a serpe iria aos ombros de homens; e para que os pés deles não fossem demasiadamente visíveis iam encobertos por uma rede entretecida de silvas.
Provavelmente, segitório e serpente ora avançavam, ora recuavam, na simulação de um combate.
Seguia-se a «folia de fora», grupo de homens (e também de mulheres?) de fora da cidade, mas do seu termo, com seus instrumentos musicais, e talvez dançando.
Os fabricantes de cordas, de albardas, de odres e os tintureiros seguiam a folia, e levavam sua(s) bandeira(s) e quatro «cavalinhos fuscos bem feitos e pintados».
Os barqueiros, que vinham logo após, transportavam um S. Cristóvão «muito grande com um menino Jesus ao pescoço».
Iam no cortejo as regateiras e vendedeiras de peixe e fruta, com suas gaitas e tamboris. Deviam fazer duas «pelas», isto é, dois grupos. Temos dúvidas sobre se iriam em posição a seguir aos barqueiros, ou se acompanhavam lateralmente o cortejo, ora avançando, ora recuando.
Seguiam-se os oleiros. Eram pelo menos dez, e um deles ia disfarçado de rei e acompanhado de pajem, ambos «bem vestidos e louçãos».
Os pedreiros, seguindo os oleiros, levavam cada um seu castelo nas mãos.
Alfaiates e alfaiatas, juntos com as tecedeiras de tear baixo, deviam levar no grupo um imperador e uma imperatriz, com oito damas que seriam «moças honestas e gentis mulheres bem ataviadas».
Depois vinha a «folia da cidade».
Seguiam-se os sapateiros, formando a «mourisca». Esta era um grupo de homens vestidos como se fossem mouros. Levavam no grupo uma Santa Clara. A presença desta no meio da «mourisca» aludia ao ataque da cidade de Assis pelo Imperador Frederico II com um grupo de sarracenos - ataque que Santa Clara teria repelido exibindo a custódia com a hóstia. O episódio encontra-se representado num famoso retábulo de finais do séc. XIV que se guarda hoje no Museu Nacional de Machado de Castro.
Vinham agora os tecelões e tecedeiras de tear alto, com uma imagem de Santa Catarina.
Os correeiros levavam com eles um homem «que seja bem desposto e alvo» (isto é, de boa compleição e não moreno ou tisnado), que devia representar S. Sebastião.
Seguiam-se os sirgueiros, latoeiros, bordadores, seleiros, adargueiros. Os sirgueiros fariam cordões de seda; os seleiros, selas para cavalgaduras; os adargueiros, escudos de couro.
Vinham depois os cerieiros (que preparavam a cera e dela fariam velas, círios, ex-votos). Diz-se: «sam obrigados de fazerem Santa Maria de asninha, e Joaquim. "Asninha" é o mesmo que "burrinha". Com os cerieiros viria uma senhora (Santa Maria) montada numa burrinha, representando a fuga para o Egipto. Surpreende-nos que o acompanhante seja S. Joaquim, pois devia ser S. José. Ainda hoje se realiza, em Mafra e em Braga (mas com particular importância nesta última cidade), a Procissão da Burrinha. cuja figuração principal é a da Virgem, montada em jumenta e conduzida por S. José.
Não sendo comum a designação de "asninha" para burrinha, vamos encontrá-la no «Auto da Feira» de Gil Vicente, quando Branca Anes, amaldiçoando o marido, exclama: E rogo à Virgem da Estrela / e à Santa Gerjalem / i ós choros da Madanela / e à asninha de Belem / que o veja eu ir à vela / pera donde nunca vem».
O episódio da fuga para o Egipto, recordado na procissão do «Corpus Christi», foi muito popular em Portugal. Na Beira e no Norte, em afloramentos rochosos,
encontram-se gravuras rupestres pré-históricas, em forma de ferradura, que o povo designa como Fraga das patinhas da burrinha de Nossa Senhora ou Pegadas da burrinha de Nossa Senhora.
A seguir aos cerieiros vinham livreiros e pintores. Os ataqueiros (fabricantes de cordões ou de outros elementos para apertar peças de vestuário ou de calçado?) eram seguidos pelos boticários.
Os espingardeiros, com suas armas de fogo, deviam dispará-las quando a procissão saía do largo da Sé, depois no Arnado, e de novo quando a procissão regressava à Sé.
Barbeiros e ferradores levavam um S. Jorge.
AHMC. S. Jorge, (séc. XVIII?). Imagem utilizada na procissão do Corpus Christi, em Coimbra
AHMC. do Corpus Christi, em Coimbra. Presumível vestimenta do pajem que segurava o cavalo onde ia montada a imagem de S. Jorge (séc. XVIII?)
Seguia-se uma moça com as armas da cidade.
«As armas da Cidade, que vão com uma moça formosa coroada, e aí detrás da bandeira da Cidade, e estas armas são dadas aos malgueiros tratantes. A bandeira da Cidade há-de ir de trás dos homens de armas, a qual há-de levar o alferes…. e os regedores da Cidade, hão-de de eleger em cada um ano Cidadãos antíguos, que acompanhem a dita bandeira, e irão quatro Cidadãos com a dita bandeira».
Vinha depois uma grande fogaça que as padeiras deviam tender e cozer e que, depois da procissão, era oferecida aos presos.
Na cauda da procissão ia a clerezia, e com ela a «gaiola» que levava a custódia com a hóstia. Junto da gaiola iam quatro anjos tangendo com violas e arrabis [arrabil, instrumento de cordas tocado com um arco]. Acompanhavam a gaiola doze cidadãos dos mais honrados da cidade.
…. Em 1724, por resolução régia, foi proibido que na procissão do Corpo de Deus houvesse danças e jogos, ou se representassem figuras, mesmo que fossem de santos, sendo admitidos somente a imagem de S. Jorge e os andores que as irmandades quisessem levar
…. A procissão do «Corpus Christi» não era a única da cidade. Além das que se faziam na Quaresma, realizavam-se a da Visitação de Nossa Senhora e a do Anjo Custódio, instituídas por D. Manuel ,,,, e celebradas no dia 2 de Julho e no terceiro Domingo do mesmo mês.
Estas eram procissões que se realizavam em todas as cidades do reino.
Alarcão, J. Memórias de Coimbra. 2023. Coimbra, Edição Lápis de Memórias
Continuando a debruçar-nos sobre a obra Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação, de Carlos Santarém Andrade, abordaremos de seguida o último capítulo dedicado à Proclamação da República em Coimbra.
Segunda parte.
Na tarde do dia 13 de Outubro teria lugar a tomada de posse da Comissão Administrativa Municipal. Leia-se, sobre o acto, «A Defesa", do dia seguinte: "Foi ontem aclamada e tomou posse a comissão administrativa que há-de gerir os negócios municipais até às próximas eleições. Pelas 2 horas e meia da tarde, a convite do administrador do concelho, reuniu-se na sala nobre dos Paços Municipais o povo desta cidade". O jornal prossegue a descrição do acto, com a relação dos membros efectivos, constituída, entre outros vultos republicanos, pelo Dr. Sidónio Pais e António Augusto Gonçalves, respectivamente presidente e vice-presidentes da comissão, acrescentando: "Uma estrondosa salva de palmas acolhe a leitura desta lista, que se prolonga à medida que o Sr. Secretário da Câmara vai proclamando cada um dos nomes dos escolhidos e estes vão tomando o lugar que lhes é reservado".
Sidónio Pais, 1.º Presidente da Comissão Administrativa Municipal. Op. cit., pg. 151
António Augusto Gonçalves. Vice-Presidente da Comissão Administrativa. Op. cit., pg. 151
Seguem-se vários discursos: "Todos os oradores são muito aplaudidos, e entusiasticamente correspondidos os vivas soltados à República Portuguesa, à Pátria, ao Exército, à Marinha, ao Povo de Lisboa, à Câmara Republicana". Continua o jornal: “Encerrada a sessão, repetem-se os aplausos e os vivas à nova vereação, que se prolongam por vários minutos". E a terminar, "A banda do 23 tocou a «Portugueza» no átrio dos Paços Municipais.
A proclamação da República em Coimbra, que decorrera com normalidade, viria a ter um incidente que ocorreu na Universidade, quando um grupo de estudantes radicais, auto-denominado de ”Falange Demagógica'', provocou, no dia 17 de Outubro, distúrbios nas instalações universitárias, partindo peças de mobiliário, rasgando algumas vestes doutorais, destruindo mesmo diversos adereços na Sala dos Capelos, em que foram disparados tiros que atingiam os retratos de D. Carlos e de D. Manuel II.
Distúrbios na Universidade. Op. cit., pg. 150
O acto, reprovado geralmente, incluindo a imprensa republicana, foi justificado pelos seus autores, num manifesto "Aos Espíritos Livres», no dia 18, em que declaravam: "Eis porque meia dúzia de caracteres impolutos que não se deixaram arrastar por essa onda de corrupção ignominiosa, vêm agora, impelidos por um nobre e altivo sentimento, livres das peias de preconceitos atávicos, quebrar os grilhões malditos que arroxeavam os pulsos de centenas de gerações".
Entretanto é nomeado Reitor da Universidade Manuel de Arriaga, que chega a Coimbra acompanhado por António José de Almeida, Ministro do Interior, sendo recebidos por uma enorme multidão na Estação Nova.
Chegada de António José de Almeida e de Manuel de Arriaga à estação de Coimbra. Op cit., pg. 153
E no dia 19 de Outubro reabria a Universidade, sendo o novo Reitor empossado no cargo por António José de Almeida. O acto, que decorreu sem as tradicionais praxes académicas, foi relatado, no dia 27 de Outubro, pelo jornal "A Tribuna": "Usando da palavra, o Sr. Dr. António José de Almeida, começa por dizer que veio expressamente a Coimbra para, em nome do Governo Provisório da República, apresentar aos professores e alunos da Universidade o novo Reitor Manuel de Arriaga, a quem se faz uma entusiástica manifestação de carinho e respeito que profundamente o comove".
Manuel de Arriaga. Op. cit., pg. 153
Usou da palavra em seguida o novo Reitor, que agradeceu com um discurso, findo o qual, como acrescenta o jornal: “Muitos lentes, seus condiscípulos e amigos, correm a abraçar o venerando velhinho cuja suave figura todos infunde um respeito profundo, uma carinhosa simpatia. O público dispensa-lhe uma carolíssima manifestação em que os vivas e as palmas se sucedem e se prologam”.
Em favor das vítimas da revolução em Lisboa, tem lugar no dia 1 de Novembro, em Coimbra, um bando precatório para angariar fundos, que saiu dos Paços do Concelho, percorrendo várias ruas da Cidade.
Bando precatório para angariar fundos. Op. cit., pg. 154
ambém no dia 6 de Novembro, comemorando o 30.º dia da proclamação, é descerrada a lápide dando o nome de Praça da República ao largo até então denominado D. Luís.
Convite comemorativo do 30.º dia da proclamação da República. Op. cit., pg. 154
Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.
Continuando a debruçar-nos sobre a obra Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação, de Carlos Santarém Andrade, abordaremos de seguida o último capítulo, dedicado à Proclamação da República em Coimbra. Primeira parte.
No dia 4 de Outubro, o jornal "Defeza", de Coimbra, dá-nos uma curta, embora destacada, notícia sob o título "Revolução em Lisboa?", sem adiantar desenvolvimentos.
"A Tribuna", do dia 5, dá mais pormenores, no artigo "A revolução de Lisboa", sobre os sucessos na capital, descrevendo vários episódios da luta travada no dia anterior, mas cujo desfecho era ainda desconhecido. Sobre o assassínio de Miguel Bombarda, no dia 3, por um dos seus doentes do foro psiquiátrico, tenente do exército, informa-nos ser o seu autor natural de Coimbra, onde fez os Preparatórios para a Escola do Exército, tendo prestado serviço como alferes no Regimento de Infantaria 23, aquartelado nesta cidade. Sem conhecimento do rumo dos acontecimentos, os republicanos viveram horas de angústia e ansiedade, decidindo enviar a Lisboa um emissário para se inteirar do que se passava.
Jornal “Defeza”, de Coimbra. Op. cit., pg. 147
No dia 5, à noite, corre em Coimbra que a República fora proclamada, o que provoca que, na Praça do Comércio (onde se situava o Centro José Falcão) se juntasse muita gente. E quando, cerca das 3 horas da manhã do dia 6 de Outubro, um emissário do governo republicano, entretanto formado, confirma a proclamação da República, há grandes manifestações de regozijo, acompanhadas do lançamento de foguetes, sendo arvorada no edifício da Câmara e na Universidade a bandeira republicana, como nos informa o "Notícias de Coimbra", do dia 8 de Outubro. O mesmo jornal descreve que "a filarmónica «Boa União» toca a «Portugueza», formando-se um cortejo em direcção ao Governo Civil, aonde se encontra já o novo Governador Sr. Dr. Fernandes Costa".
O alferes medico sr. João Augusto Ornellas, falando ao povo das janellas da Camara de Coimbra, após a notificação da proclamação da Republica. In: Illustracção Portugueza, II-1910, n.º 224, Lisboa, 1910.10.24, p.539.
Dr. Fernandes Costa. 1.º Governador Civil de Coimbra após a implantação da República-Op- cit., pg. 148
Na sede do Governo Civil (então, na Rua Larga, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina) a passagem do testemunho do até então governador, Dr. José Jardim, faz-se com toda a urbanidade, sendo mesmo cumprimentado à saída do edifício. O extenso cortejo regressa à Baixa, ao som de vivas à Liberdade e à República, terminando na Praça do Comércio, cerca do meio-dia.
À uma da tarde desse dia 6 de Outubro estava prevista a proclamação da República nos Paços do Concelho. E essa tem lugar perante o Dr. Fernandes Costa e a vereação que até aí gerira o município, e que então pede a demissão. Como informa o mesmo jornal, no Salão Nobre completamente cheio, "esta cerimónia termina por constantes vivas à Pátria, a Portugal, ao exército e armada e à República, no meio do maior e mais indiscritível entusiasmo", que acrescenta: "Duas bandas de música, a «Boa União» e a «Conimbricense», tocam em frente, no largo, formando-se, em seguida novo cortejo, composto por milhares de pessoas que percorre, com as duas filarmónicas, várias ruas da cidade".
O povo depois do discurso do sr. João Ornellas a caminho do quartel de infantaria 23. In: Illustracção Portugueza, II-1910, n.º 224, Lisboa, 1910.10.24, p.539.
Auto da Proclamação da República em Coimbra em 6 de Outubro de 1910. Op. cit., pg. 150
Também o quartel do Regimento de Infantaria 23, então na Rua da Sofia, pelas quatro da tarde, se associa à proclamação, hasteando no seu mastro a bandeira do novo regime. Momento registado pelo referido periódico: "Há então um indiscritível entusiasmo, a que se associam os soldados, erguendo vivas à República e confraternizando com o povo. Ouvem-se pouco depois os primeiros acordes da «Portugueza»”. É a banda militar que a toca. Novas manifestações, igualmente calorosas, se ouvem, com vivas ao exército e à armada". À noite seriam iluminados os edifícios públicos e mesmo casas particulares, percorrendo as ruas da cidade grupos de populares em marchas «aux flambeaux». No dia seguinte novas manifestações de alegria teriam lugar em vários pontos de Coimbra.
Uma nota muito curiosa é-nos ainda revelada pelo jornal: "É agora cumprida a disposição testamentária do falecido Dr. Inácio Roxanes, em virtude da qual, no dia da implantação da República, devia ser distribuída a quantia de 100$000 réis pelos pobres da freguesia de Santa Cruz, desta cidade. O respectivo testamenteiro anda cumprindo já a referida disposição".
Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.
Carlos Santarém Andrade, cerca de um mês antes da sua partida, apresentou aquele que foi o seu último livro, Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação.
Carlos Santarém Andrade ( .Coimbra, 2022). Op. cit., badana
Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação.
Op. cit., capa
O livro assenta num aturado trabalho investigativo que honra o seu Autor e que representa um muito digno fecho de uma vida dedicada à cidade de Coimbra.
Carlos Santarém analisa, na obra em apreço e ao longo de nove capítulos, o percurso do ideal republicano em Coimbra. No primeiro aborda o tema Da Patuleia à Geração de 60 e dele destacamos o que se segue:
À Universidade de Coimbra, em meados do século XIX, afluía a geração dos filhos dos revolucionários liberais de 1820, muitos dos quais deram a sua vida ao serviço da causa da liberdade, nos batalhões académicos da Guerra da «Patuleia» em 1844 e 1846, e que viriam a mostrar o seu desapontamento contra os termos da Convenção de Gramido, imposta por potências estrangeiras.
Era então Coimbra como que uma placa giratória, a que convergiam jovens de Lisboa e do Porto, onde as ideias liberais estavam mais difundidas, que aqui conviviam com outros jovens vindos dos mais variados pontos do país e que, no regresso às suas terras ou regiões levavam, a par do canudo de bacharel, o conhecimento dessas ideias, amplamente discutidas durante os anos do seu curso, quer em acaloradas reuniões e assembleias no Teatro Académico, quer nas mesas de pinho das tascas coimbrãs.
1848 é uma data importante nas lutas pela liberdade na Europa. Em 23 de Fevereiro é proclamada a II República Francesa, que levaria à abdicação do rei
Luís Filipe, a que se seguiu em Março a revolução liberal em Viena, que poria fim ao governo autoritário do príncipe Metternich. Ainda em Março desse ano tem lugar a revolução demo-liberal de Berlim, havendo igualmente levantamentos nacionalistas em Itália, então ainda não unificada. Todos estes factos se iriam repercutir na Europa de então.
Na sequência dos acontecimentos, surge em Coimbra uma mensagem dos estudantes da Universidade, datada de 9 de Abril de 1848, subscrita por mais de
400 assinaturas (sensivelmente metade da população académica), dirigida aos seus colegas de Paris, Viena, Berlim e Itália.
Texto da mensagem dos estudantes de Coimbra aos seus colegas de Paris, Viena, Berlim e Itália. Op. cit., pg. 10
Não podendo ser considerado um manifesto republicano é, porém, um hino à democracia, à luta contra a tirania, lembrando que eles próprios se sentiram traídos “pela santa aliança dos reis" que acabaria por "ingerir-se na nossa causa, arrancaram-nos as armas e atar o pobre Portugal ao poste dos vencidos para continuar a escarnecê-lo", e em que os princípios da Revolução Francesa - Liberdade, Igualdade, Fraternidade - estão bem patentes.
Não deixa de ser significativo o aparecimento, em 25 de Abril de 1848, de um jornal clandestino, em Lisboa, intitulado "A República".
Significativa é também a existência de uma participação policial, datada de 16 de Agosto de 1849, que nos dá conta de dois indivíduos, numa tasca da baixa coimbrã, terem dado vivas à república, sendo levados para a cadeia da Portagem, tidos por elementos das forças rebeldes e apodados de vadios.
Participação oficial de 16 de Agosto de 1849. (Cópia cedida pelo Dr. Paulino Mota Tavares). Op. cit., pg. 11
Na década de 60 do século XIX aflui a Coimbra uma geração a vários títulos notável. É fundada em 1861 a «Sociedade do Raio» que contava, entre os seus membros, além de outros, com Antero de Quental, figura maior dessa geração.
Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.
Concluímos esta pequena série, com uma recolha, dos monumentos construídos pelo País para homenagear Torga.
Tendo a nossa opinião – que não deixarei de referir no tempo adequado – aqui e agora, gostaria de ler a opinião dos meus leitores sobre o tributo da nossa Cidade, em resposta ao muito que foi amada por Torga e ao quanto ele engrandeceu Coimbra.
Segue, por ordem alfabética da sua localização as imagens recolhidas.
Boticas. Acedido em Acedido em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monumento_a_Miguel_Torga_-_Boticas
Coimbra. Ladeira do Seminário, Descerramento de placa. Acervo. CF
Coimbra. Largo da Portagem. Foto Augusto Ferreira, acedida em https://www.facebook.com/photo?fbid=6896877433668889&set=pcb.6896878563668776
Coimbra. Troleicarro com pintura de homenagem a Torga. Op. cit.
Leiria. Placa evocativa. Col. CF
Miranda do Corvo. Monumento a Torga. Acedido em https://www.allaboutportugal.pt/pt/miranda-do-corvo/monumentos/homenagem-a-miguel-torga
Oeiras. Parque dos Poetas. Col RA.
Sabrosa. Espaço Miguel Torga. Acedido em https://www.sabrosa.pt/
S. Martinho de Anta. Col. RA
S. Martinho de Anta. Óscar Rodrigues. Escultura do rosto de Miguel Torga na raiz de um negrilho. Col. RA
Rodrigues Costa
Frente ao rio ao longo dos tempos, escreveria mais tarde:
MEMORIA
De todos os cilícios, um, apenas,
Me foi grato sofrer:
Cinquenta
A ver correr,
Serenas,
As águas do Mondego.
Como dramaturgo publica em 1941 «Terra Firme. Mar» e nesse ano inicia o seu «Diário», o primeiro de 16 volumes em que, ao longo de mais de 50 anos, nos deixou as suas reflexões, os seus pensamentos, os seus poemas, as suas angústias e a sua visão de um mundo em constante mutação.
Torga. «Diário. II». Acedido em https://www.bing.com/images/search
O seu consultório era também a sua oficina. de escritor.
O seu consultório era também a sua oficina. de escritor
Um a um, novos livros iam saindo da sua pena; «Rua», «Lamentação, «O Senhor Ventura». A partir de 1944, com «Libertação» é a Coimbra Editora que lhe imprime que lhe imprime os seus livros: «Novos Contos da Montanha», «Vindima», «Odes», «Sinfonia», «Nihil Sibi», «O Paraíso», «Cântico do Homem», e tantos, tantos outros.
Torga. «Contos da Montanha». Acedido em: https://www2.unicentro.br/pet-letras/2017/08/29/resumo-da-obra-contos-da-montanha-de-miguel-torga/
Miguel Torga conhecia profundamente o seu país, desde as agrestes terras do norte às suaves planuras do sul. A sua ligação à terra, às montanhas, aos rios, é uma das suas mais evidentes características. Escritor telúrico, como tão largamente é referido, ele próprio, filho de camponeses transmontanos, aspirava a ser um semeador de poesia:
RASTO
Semeador de versos? Quem me dera!
Não haveria homem mais feliz.
Ter o espírito em flor na primavera,
E o corpo, no inverno, com raiz.
Não.
Retalho apenas a ilusão…
À teimosa procura
Dum singular e único sinal
Que todo me defina e me resuma,
Vou desfolhando a rosa da expressão
E deitando no chão
Caídas as palavras, uma a uma.
O constante peregrinar, o calcorrear do país, estão bem patentes na sua obra. consubstanciados no seu livro «Portugal», um retrato vivo e nítido da terra portuguesa.
Torga. «Portugal». Acedido em https://livrariaultramarina.pt/product/portugal-miguel-torga-1950-1a-edicao/
E nos volumes do «Diário» são constantes as impressões que lhe causam e as reflexões que lhe inspiram as suas viagens de norte a sul do país.
Mas Miguel Torga viajou também por outras paragens. Mais uma vez a Europa, de novo o Brasil da sua adolescência, o México, Angola e Moçambique, a longínqua Macau, deixando-nos de todas essas viagens as suas sensações, os seus poemas.
Numa cidade que mudava, também ele mudara de residência. E na Rua Fernando Pessoa, para os lados da Cumeada, passa a ter o seu novo lar, em 1953, a que, em breve, o sorriso de uma filha vem dar nova vida.
O reconhecimento da sua obra não tardaria, com a atribuição de vários prémios, quer nacionais quer internacionais, e a sua universalidade está bem patente na tradução dos seus livros nas mais variadas línguas e nos mais diversos países.
«Orfeu Rebelde», o título de um dos seus livros, aplica-se com propriedade à sua obra e à sua personalidade. Poeta da rebeldia, avesso a escolas literárias, Torga foi um lutador solitário, usando a caneta como arma para transmitir toda a sua força interior. Que está bem expressa no seu poema
ORFEU REBEIDE
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros felizes, sejam rouxinóis …
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
De moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violência faminta de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo de um poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se um canto é de terror ou de beleza.
O tempo corria, inexoravelmente. Para trás iam ficando as longas jornadas de caça, o subir dos montes, a descida dos vales. O médico usaria menos vezes o bisturi, daria maior descanso ao estetoscópio. E um dia o velho consultório da Portagem deixaria de ser o ser o seu posto de observação. Estávamos em 1992: "Desfiz-me do escritório. Mil circunstâncias adversas conjugaram-se encarniçadamente nesse sentido. E adeus, meu velho reduto, onde durante tantos anos lutei como homem, médico e poeta". Mais do que uma porta que se encerrava era uma vida que se escoava, fechadas que estavam as janelas por onde o mundo entrara pelos seus olhos iluminando as paredes do que fora espaço de tertúlia. alívio de dores e oficina de poesia.
Longa fora a sua vida. Grande é a sua obra. Por fim, a doença que lhe debilitou o corpo, não o impediu de escrever, escrever sempre. O último poema que publicou, no 16° volume do «Diário», em 1993, é uma despedida comovente:
REQUIEM POR MIM
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morte em todos os órgãos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.
Torga na sua Casa de Coimbra, da Rua Fernando Pessoa
Estava a chegar ao fim a luta desigual que Miguel Torga travava, há anos, com coragem e estoicismo. E um dia, a 17 de janeiro de 1995, termina uma vida de interrogações e ansiedades. Só ficava a poesia. E no dia seguinte era a despedida de Coimbra, o fim da jornada em que a cidade, ao longo de sete décadas, se habituara a ver o seu perfil de granito transplantado para a suavidade do seu calcário. S. Martinho de Anta reclamava o seu filho, para o afagar no seu húmus materno.
Andrade, C. S. Passear na Literatura, A ver correr, / Serenas, / As águas do Mondego. Sem data. Coimbra. Edição do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra.
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