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Há no arrabalde de Coimbra uma pequena capela dedicada a Santa Comba, Virgem e Mártir Conimbrigense, que era noutros tempos muito visitada e celebrada.
Ermida de Santa Comba, na atualidade
Em sítio ermo, ao cimo de áspera riba, sobranceira a um fértil vale, tem ante a porta um carinhoso e hospitaleiro alpendre, donde se surpreendem pores de sol magníficos.
Quando eu frequentava os estudos em Coimbra, era este templozinho muito visitado, principalmente nas tardes do outono e da primavera, pela rapaziada académica, atraída pela beleza do panorama e dos espetáculos naturais que dali se gozam, e pelo suave e místico ambiente de poesia e lenda, de que antigas tradições envolveram este lugar. Em tempos anteriores ao da minha geração académica, a esta ermida vinham durante o ano todo, mas, principalmente, a 20 de Julho, muitos romeiros, que fervorosamente traziam súplicas devotas em suas necessidades, ou agradecimentos festivos pelas graças recebidas, sempre acompanhados de numerosas oblatas.
Esta capelinha existia, é certo, no século XII. Reinando em Portugal D. Afonso Henriques, nos princípios do 2.° quartel daquele século, foram procuradas as relíquias de S.ta Comba na cripta da sua capela ...Pela trasladação das relíquias não diminui a veneração à capela, que continuou a ser um dos lugares mais respeitados desta região.
Considerava-se S.ta Comba especial advogada contra as maleitas ou sezões, doença que atacava e dizimava os habitantes dos campos do Mondego, então pantanosos e muito insalubres; por isso era grande a afluência de devotos que, constantemente, vinham visitar a imagem da Santa, colocada sobre o altar da ermida. A piedade dessa gente fez mais. Ergueu-se um outro altar na cripta da ermida, no local subterrâneo onde havia estado sepultada, e onde permanentemente ardia uma lâmpada votiva; sobre esse altar da cripta foi no século XIV colocada uma bela imagem de S.ta Comba coroada de flores, hoje depositada no Museu de Machado de Castro, escultura interessante sob vários aspetos, e especialmente por nos revelar um episódio de uma das variantes medievais da lenda columbina, que não foi registado pelos autores.
Anexas à ermida, construíram-se casas de vivenda para o ermitão, e, provavelmente, de albergaria para os romeiros, com a respetiva crasta ou claustro: um verdadeiro ermitágio, como então se dizia. Doações pias dilataram os domínios da capela com olivais rendosos.
No século XV era administradora do ermitágio de S.ta Comba a Vereação municipal de Coimbra, e havia ali ereta uma Confraria de moços ou jovens, que em 1483 andavam realizando obras na capela ou nos seus anexos, para cujo auxílio a Câmara lhes concedeu, durante um ano, todas as ofertas trazidas pelos devotos, e todo o fruto produzido pelas oliveiras.
Em 1491 perdeu a Câmara o direito que tinha sobre a ermida de S.ta Comba, em virtude de demanda que lhe moveu o Cabido da Catedral, julgada por sentença de 9 de Dezembro deste ano. Desde então até 1910 esteve aquele monumento de piedade e de poesia confiado aos Cónegos da Sé, administradores dos seus rendimentos.
Arruinadas as edificações medievais, foi em 1612 reconstruída a capela, tal como ainda hoje existe, com os seus três altares de boa talha, e paredes revestidas de azulejos, respeitando-se a primitiva cripta, à qual se desce da sacristia por uma escada de pedra. Tem contígua uma pequena casa de residência do ermitão, e nada mais. As antigas casas com a sua crasta desapareceram.
Ermida de Santa Comba, finais do séc. XIX
O Cabido manteve por muito tempo a capela em estado de decência, e todos os anos, a 20 de Julho, ali celebrava a festa da gloriosa Virgem e Mártir, com grande concorrência de povo de Coimbra e seus arrabaldes. Mas, depois de 1834, foi tudo caindo em abandono e desleixo, que aumentava progressivamente, de ano para ano. Decresceram os rendimentos da capela, os olivais foram alienados. Por fim o Cabido limitava-se a dar a casa do ermitão a um pobre, que a habitava com a família, servindo-lhe de quintal o pequeno adro da capela, que passou a ser cultivado; era esse inquilino quem recebia as raras ofertas que porventura algum devoto trouxesse a S.ta Comba, com a cláusula porém de cuidar da guarda e limpeza da ermida, e de pagar a esmola da Missa que, no dia da Santinha, um dos capelães da Sé lá ia celebrar.
Vendida em praça, há cerca de um ano, foi a capela e seus anexos adquirida por um industrial de Coimbra que, segundo se diz, a vai restaurar e abrir ao culto.
Vasconcelos, A. A ermida de Santa Comba. In “Correio de Coimbra”, 227, Coimbra, 1926.09.25.
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