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O «Paixão» é um alfaiate que mora na rua de S. João … Pinta muito regularmente a pera, segundo se conta, e dá uma sorte levada da breca em se lhe dizendo: «Ó Paixão dá cá o diamante …»
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O «Ribeirinho tinha as suas aspirações a poeta e, como tal deu-se ao luxo de publicar um livro intitulado «Allegorias» … a academia, sempre disposta a fazer das suas … ia buscá-lo a casa em engraçadíssimas marchas «aux flambeaux», percorrendo as ruas da cidade com ele ao colo, fazendo-o recitar, de momento a momento, as melhores produções do seu livro … ele saracoteando-se todo, em pose de passar à posterioridade, num gesto estudado e ridiculamente impagável, recitava, tornava a recitar, enfiado na sua capa sem mangas e nas suas calças de xadrez.
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Quem não conheceu mendigando pelas ruas … o «Jinó» essa figura esquelética de velho, de cabelo desgrenhado, de olhar mau, vivo e penetrante, que todo se exasperava quando o rapazio lhe gritava, pondo-se a dançar diante dele: «Jinó larga a Maria viúva»
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E o «D. Sebastião», um belo tipo de velhote que andava pelas ruas vendendo repertórios novos, apregoando-os de tal forma que parecia dizer «Pitónó».
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E o «Zé Macaco» … o criado do antigo Hotel Mondego, cuja presença daria um imenso prazer a Darwin, esse imperdoável falador que desandava a discutir com os hóspedes, enquanto os servia, sobre política.
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E o «Cobra» que tinha uma cara de mau, versejador de má morte, que diziam tinha roubado as pratas da Sé e ia esconder-se atrás dos silvados, à beira do rio, pescando à linha a roupa, dentro em breve reduzida a metal sonante, que as lavadeiras, belas moçoilas frescas e apetitosas, de saia arregaçada até ao joelho, aí estendiam e enxugar.
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O «António das almas» era um pandego incorrigível, um emérito patusco … colocava a sua qualidade de pregador, sendo raro o dia em que deixava de pregar um sermão por dá cá aquela palha … Pregando em toda a parte e a toda a hora, gostava no entanto muito mais de pregar no Largo de Sansão, num pilar de pedra que ali havia … subia ao seu púlpito, persignava-se e rompia sempre nestes termos: «Eu sou o António das Almas. As mulheres são umas cabras que andam pelos outeiros. De Celas nem eles nem elas» e volta ao princípio … sendo capaz de estar meia hora assim.
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O célebre «Francisquinho Tanana», um verdadeiro «magro como um junco», morava junto ao cemitério, lá no alto do Pio, e passava à tarde para o rio a buscar água num pote de barro que, à volta, trazia à cabeça com muito cuidado. A pobreza do seu vestuário era tão grande que chegava a ser imoral.
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A Feliciana Pereira, uma velhota revelha … não tinha o menor pejo em correr a pau a garotada das ruas que lhe sabia da pecha e … atormentavam os ouvidos a toda a hora dando «vivas a D. Miguel».
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A «Maria do Gato Preto» era outra velha … Vivia num casinhoto dentro da torre de Santa Cruz e, como numa noite lhe tivessem morto um lindo gato preto … foi tal a raiva que se apoderou dela que, jurando vingar-se, pelava-se toda por andar altas horas da noite percorrendo as vielas mais imundas à caça de gatos. Bichinho que ela apanhasse a jeito tanta paulada lhe assentava no lombo que nem a alma se lhe aproveitava.
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«Pedro do pífano» … era galego e mudava de nome à medida que as gerações académicas lho mudavam. Para uns foi o «Manuel da Sanfona» … para outros foi o «homem do realejo» … como tivesse um grande reportório, o Pedro perfilava-se e perguntava com certa pose: o que quer Vossa Senhoria que eu toque?! O «Hymno dos Caloiros» … diziam-lhe por ser uma coisa que não existia … O «Hymno dos Caloiros … dos caloiros … dos caloiros…» começava ele entoando a uma voz cantarolada que vinha a terminar com meia dúzia de notas arrancadas desalmadamente do pífano e pronto … eis como executava todas as músicas que lhe pediam.
Monteiro, M. 1907. Typos de Coimbra, In Ilustração Portuguesa. Série II, III Volume, n.º 49, de 28.01.1907
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