Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Quarta entrada dedicada à obra António Nunes, intitulada A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra.
No último quartel do século XIX a família dos Condes do Ameal adquiriu o imóvel quinhentista numa fase em que este funcionaria como armazém de madeiras. O anúncio público de venda surgira na edição de 7 de Maio de 1892, no jornal local «O Conimbricense».
O arquiteto Augusto da Silva Pinto recebeu, cerca de 1895, a incumbência de projetar e orientar a transformação do Colégio de São Tomás em palacete senhorial.
Do projeto Silva Pinto chegou até nós o alçado principal, de linhas neorrenascença, que não chegou a concretizar-se. O projetista propunha uma fachada simétrica, de articulação horizontal, demarcando como eixo nuclear da estrutura arquitetónica o templete de entrada. Este elemento, em diálogo com os corpos extremos da fachada. imprimia ao projeto um ritmo vertical, pontuado por quatro frontões triangulares e um remate central alteado em jeito de "arco triunfal" ornado de estátuas.
Os corpos intermédios sugeriam ritmos de leitura horizontal ordenados. À semelhança da fachada atual, adotava-se uma estruturação em primeiro pavimento, sobreloja e piso superior, muito marcada nos esquemas de fenestração. Algumas das janelas do piso superior adotavam parapeitos de balaustrada, sendo os lintéis alternadamente rematados por formas curvas e triangulares. Esta análise de ordem genérica parece indiciar que o projetista do Palácio da Justiça, engenheiro Castelo Branco, conheceu o trabalho de Silva Pinto, embora tenha optado por uma gramática decorativa acentuadamente mais austera e despojada.
O certo é que a fachada principal nunca chegou a entrar em obras, tendo mantido até 1928 a estrutura herdada do Colégio de São Tomás.
Fachada principal do Palacete Ameal e prédios adjacentes destinados a aquisição amigável. ATRC. Op. cit., pg. 59
A visualização de um antigo postal ilustrado, com a "vista norte da cidade", apresenta uma ampla panorâmica da Rua da Sofia nos primeiros anos do século XX.
Postal ilustrado do início do século XX. Visível o aspeto do Palacete Ameal, entre a Rua da Sofia e a chaminé fabril. Acervo RA
O Palacete Ameal figura em grande plano, sendo de concluir que as fachadas voltadas às atuais Rua Manuel Rodrigues e Rua Rosa Falcão já tinham adquirido um aspeto muito próximo daquele que hoje conhecemos. De acordo com a imagem citada, a fachada principal não sofrera quaisquer modificações em relação ao período religioso do colégio. A fachada voltada à Rua João Machado apresentava-se desnivelada em relação aos alçados principal e posterior, sendo visível o claustro superior sobre o telhado.
A análise de uma fotografia realizada em 1928, aquando da aquisição do palacete, ilustra o estado das obras realizadas pelo arquiteto Silva Pinto nas fachadas sul e posterior.
Vista das fachadas sul e posterior, à data da aquisição do imóvel [pelo Ministério da Justiça] construídas sob direção do Arq.º Silva Pinto. Op. cit., pg. 59
O alçado sul, voltado à Rua Manuel Rodrigues, atingira o estado que hoje lhe conhecemos faltando concluir apenas o entablamento e cornija. Os contrafortes exteriores alinhados entre o torreão sul e a caixa das escadarias estavam construídos, funcionando como suportes dos tetos abobadados das futuras salas dos Advogados e dos Solicitadores. Quanto à fachada posterior, o corpo central apresentava um grande terraço aberto ao nível do piso superior, espaço que Castelo Branco viria a vedar e converter em Sala de Audiências da Relação, após homologação do projeto em sede do Conselho Superior Judiciário. No tocante à inexistente fachada norte, a "planta do estado atual do Palácio da Justiça de Coimbra com indicação das casas e terrenos a expropriar para a construção do edifício conforme o projeto aprovado", esboçada pelo engenheiro Castelo Branco em Março de 1929, mostrava bem os engulhos e dificuldades da empreitada a levar a cabo.
Ainda sob a direção de Silva Pinto, os espaços interiores foram submetidos a obras de remodelação, particularmente a zona do claustro. No mainel de uma das portas geminadas do claustro superior ficaram gravadas as iniciais JM e a data de 1907, marcas evidentes dos trabalhos lavrados por João Machado (Pai). Datam deste período as obras de elevação do antigo claustro renascentista, em parte soterrado devido às periódicas cheias do Mondego.
Com direção e acompanhamento do arquiteto Silva Pinto, o claustro foi levantado e reconstruído sobre um engenhoso dispositivo de pedraria abobadada, disposto sob os alicerces, a cerca de 15 metros de profundidade. Parte desta estrutura suporte é ainda observável a partir do alçapão detetado nos antigos calabouços da Polícia Judiciária.
…. Falecido o primeiro titular da casa fidalga em 1920, João Correia Aires de Campos … [foram] interrompidas as obras de remodelação, o palecete seria posto à venda. Ficou a memória de um espaço votado ao colecionismo, ao amor pelas artes e literatura. Não mais se animaram os jardins do palacete onde o conde mandara erguer um teatro desmontável cuja plateia conheceu dias de glória.
Nunes, A. A Espada e a Balança. O Palácio da Justiça de Coimbra. Fotografias Varela Pécurto. 2000. Coimbra, Ministério da Justiça,
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.