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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 15.04.25

Coimbra: Nunes Pereira e os contos de Fajão

Monsenhor Nunes Pereira, conimbricense por adoção, foi um Homem, um Sacerdote e um Artista cuja grandeza e simplicidade se tornaram reconhecidas pela Cidade onde viveu a maior parte da vida e que o identificou como um dos seus maiores.

Importa lembrar que o atual Executivo, já perto de terminar o seu mandato, por certo vai, em breve, honrar o compromisso que assumiu, procedendo à inauguração do monumento que o lembrará aos vindouros e cujo projeto foi delineado pelo artista plástico José Maria Pimentel e pelo arquiteto António José Monteiro.

NP final 3.jpgProjeto do monumento a instalar na R. Nunes Pereira

De Nunes Pereira, podemos atualmente admirar muitas obras que se encontram espalhadas por igrejas e por casas particulares, o vitral da Ressurreição que orna, em Coimbra, a capela-mor da igreja de S. José e que pode ser considerado o seu testamento artístico, bem como o espólio que se encontra na Oficina-Museu Nunes Pereira, localizada no Seminário Maior de Coimbra, local onde trabalhou até ao fim da vida.

De momento está ali exposta uma mostra temporária intitulada “Da Terra e do Céu - No Caminho da Esperança” que bem merece ser visitada.

Exposição .pngOficina-Museu Nunes Pereira. Cartaz da mostra temporária

E, se pretenderem aprofundar o conhecimento da sua obra, poderão deslocar-se a Fajão, sua terra natal (concelho da Pampilhosa da Serra), a fim de visitar a Casa-Museu Nunes Pereira.

Uma aldeia típica e um museu que vala a pena ir conhecer.

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Casa-Museu Monsenhor Nunes Pereira. Acedida em: https://www.aldeiasdoxisto.pt/media/filer_public_thumbnails/filer_public/ce/...

À dimensão artística da obra de Nunes Pereira há ainda que acrescentar a sua vertente de investigador, com destaque para a antropologia cultural, neste caso, local, de que o seu livro Contos do Fajão é um excelente exemplo.

Nesse volume traduziu, em registo escrito e ilustrado, os contos de raiz popular que foi recolhendo ao longo dos anos, relacionados com a cultura e com as tradições da antiga vila de Fajão.

É para ele que, agora, chamamos a atenção dos nossos leitores.  

Contos do Fajão,capa.jpg

Capa do livro

Na “Nota Prévia” à 1.ª edição”, a Direção do Museu e Laboratório Antropológico, salienta que Os «Contos de Fajão» tão oportunamente recolhidos por Monsenhor Nunes Pereira tornam-nos espectadores de tramas movimentadas e pitorescas representadas por uma galeria de personagens finamente recortadas pelo olhar perspicaz, atento e sensível do artista, sobre a cultura e tradições da antiga vila de Fajão. Efetivamente, sem perda do colorido e sabor tradicionais, o recolector soube captar com todo o rigor e expressividade o imaginário da autocaricatura introspetiva„ contrastante na sua ingenuidade e sagacidade jocosa, por vezes brejeira, mas acima de tudo de raiz popular, traduzida no registo escrito dos contos.

O valor pedagógico desta obra é referenciado sobretudo na figura do «almocreve», herói cultural que introduz soluções oportunas e «miraculosas», nem sempre devidamente assimiladas, a exemplo de «A caça aos ratos» ou «Como os de Fajão iam à serra todos os dias buscar a manhã», como ainda na emblemática personagem do «Juiz», tão irreverente quanto protagonista de sentenças justas e prontas.

Ao que o Autor acrescenta na “Nota prévia à 2.ª edição”, historiando o seu trabalho. Quando resolvi publicar a coletânea dos Contos de Fajão, que fui recolhendo ao longo de cerca de vinte anos, bem certo estava do seu enorme interesse no campo da literatura oral portuguesa. O interesse com que o Museu

Antropológico da Universidade de Coimbra prefaciou e publicou a primeira edição desta obra, e o facto de ela se ter esgotado, confirmam essa minha convicção.

Ao publicar uma segunda edição, agora a cargo da Junta de Freguesia, através do Museu de Fajão, pareceu-me oportuno acrescentar uma nota.

Numa das minhas viagens à Alemanha, sucedeu hospedar-me em Beckum, pequena cidade da Vatesfália, num hotel dos arrabaldes da cidade. Qual não foi a minha surpresa quando vi nas paredes do hotel pinturas de cenas que lembram os Contos de Fajão.

Soube então que são famosos os "Contos de Beckum", ao ponto de serem referidos nos Guias turísticos e um deles ter figurado numa nota de banco.

Obtive mais tarde fotografias das referidas pinturas, e até um livro, publicado em 1985, mas baseado noutro de 1924, com uma coletânea ilustrada desses contos.

O título do livro é: UNSERE BECKUMER ANSCHLAGE. Não sendo iguais aos de Fajão, são, contudo, semelhantes alguns deles.

Dos vinte e quatro contos compilados no livro, destaco o intitulado “Assim se rosna por sua Vila e termo”, não só pela sua beleza divertida e pedagógica, mas também porque me foi revelado por Monsenhor numa das nossas conversas. Recordo com saudade o seu riso divertido e feliz.

O Juiz de Fajão estava um dia sentado à porta do tribunal com um pé calçado e outro não, a dobar uma meada, quando chegou um sujeito ali dos lados do Vidual

e perguntou: Diz-me onde é que aqui mora o Juiz de Fajão? (Não pediu por favor nem tratou por Senhoria).

E vai aqui assim o Juiz - Olhe: o senhor vá por esta rua acima e volte por aquela rua abaixo; onde encontrar um homem sentado à porta, a dobar uma meada, com um pé calçado e outro não, esse é que é o Senhor Doutor Juiz de Fajão.

O homem foi por aquela rua acima, voltou por aquela rua abaixo, e não encontrou nenhum homem sentado à porta, a dobar uma meada, com um pé calçado e outro não, senão aquele. Então caiu nela e disse: Saberá Vossa Senhoria que eu fui por esta rua acima e voltei por aquela rua abaixo, e não encontrei nenhum homem sentado à porta, a dobar uma meada, com um pé calçado e outro não, senão Vossa Senhoria. Vossa Senhoria é que é o Senhor (Doutor) Juiz de Fajão?

- Assim se rosna por sua Vila e termo!

(Versão de José Maria Simão, de Fajão)

img20250413_12500013.jpg

Assim se rosna por sua Vila e termo!

Pereira, A. N. Os Contos de Fajão. 2.ª edição.  2008. Pampilhosa da Serra, Junta de Freguesia de Fajão.

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por Rodrigues Costa às 19:15


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