Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 01.04.25

Coimbra: Manuscritos jesuíticos escondidos na Sé Nova

As Doutoras Maria Margarida Lopes Miranda e Carlota Miranda Urbano, investigadoras do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra publicaram um muito interessante trabalho intitulado Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra, sobre o achado de documentos jesuíticos escondidos na Sé Nova.

Desse trabalho destacamos o texto que ora se apresenta.

O Altar da Coroação, um esconderijo com mais de 250 anos.

Sé Nova, altar da Coroação 1.jpgSé Nova. Altar da Coroação e Assunção da Virgem. Acervo RA

Já ninguém imaginava que segredo algum pudesse subsistir nos espaços que outrora pertenceram aos religiosos exilados. A Fábrica da Sé Nova também não podia imaginar que a limpeza e restauro da sua talha dourada pudesse revelar bem mais do que o brilho original do ouro; mas ciente do elevado património que tem à sua guarda, o Cónego Sertório Baptista Martins, confiou a missão a uma equipa de profissionais. E eis que o Altar da Coroação e Assunção da Virgem, no transepto do lado do Evangelho (ou seja, à esquerda da Capela Mor), guardava um inesperado tesouro.

… A Técnica de restauro aspirava o interior das quatro colunas quando encontrou um objeto em forma de cunha, colocado no interior de uma das colunas do lado direito do altar.

Sé Nova anjos músicos.jpgSé Nova, colunas. Pormenor. Acervo RA

Na face posterior da coluna encontrava-se uma caixa de madeira, em forma de cunha, que continha um pequeno crucifixo de marfim envolvido em estopa de linho. Nessa mesma coluna (a coluna interior do lado direito do altar) encontrava-se ainda um saco cilíndrico, de pano branco muito escurecido pelo tempo. O seu interior guardava um grosso volume manuscrito e dentro dele um caderno de menor dimensão.

Surpreendida pelo sucedido, a Técnica que procedia à limpeza, a senhora Fernanda Monteiro Vouga, decidiu examinar as restantes colunas dos espaços congéneres da igreja, para se certificar de que nada ficava esquecido. E acabou por encontrar um novo conjunto. Na coluna interior, à esquerda do mesmo altar, encontravam-se mais dois objetos: um códice enrolado em cilindro (de modo a caber no interior da coluna) contendo um macete de cartas atadas por um cordel; e uma bolsa de serapilheira identificada pelo nome António de Vasconcelos, contendo vários embrulhos de pano (de 12-14 cm) cuidadosamente fechados a ponto de costura e identificados por fora; e ainda um último embrulho com o mesmo formato, mas em papel.

…. À medida que procedíamos no inventário, tornava-se cada vez mais clara a origem daquele pequeno tesouro. O recorte temporal dos documentos examinados dava-nos desde logo a sua chave: se os mais antigos remontam ao século XVI (a carta mais antiga é de Santo Inácio, escrita em 18 de Março de 1542), os textos mais recentes têm a data de Setembro de 1759, ou seja, são contemporâneos do decreto de expulsão dos Jesuítas (de 3 de Setembro de 1759) e dos acontecimentos que precederam a partida dos últimos jesuítas de Coimbra, no dia 24 de Outubro daquele ano. Ou seja, pouco antes da partida, um jesuíta teve a coragem de salvar da destruição um conjunto de documentos que considerava preciosos, na expectativa certamente de que um dia eles fossem resgatados por alguém que soubesse apreciá-los mais do que o poder persecutório instituído, ou, quem sabe, na esperança de um dia regressar a casa e de os recuperar.

Sé Nova vista aérea.jpgSé Nova. Fotografia aérea, inícios do século XX. Acervo RA

 A expulsão do Colégio de Coimbra

De acordo com o relato do Padre José Caeiro, o colégio de Coimbra foi cercado por soldados na noite que precedeu o dia 15 de Fevereiro de 1759. Os jesuítas tinham tomado conhecimento da Carta Régia que determinava o cerco, três dias antes. Desde a manhã de 15 de Fevereiro, quando entraram no Colégio as forças militares, até ao dia da partida dos últimos, os jesuítas viveram um rigoroso isolamento do exterior. Nenhuma notícia do que se passava no exterior podia chegar aos jesuítas. Não lhes era permitido receber cartas nem presentes. Quando em Julho foram autorizados a descer à cerca do colégio e demorar-se algum tempo nos quintais, a vigilância foi reforçada, bem como o número de sentinelas.

…. A ofensiva do cerco ia muito além do isolamento. A parte do edifício destinada às aulas foi totalmente ocupada pela infantaria, que nele praticava tudo quanto se faz habitualmente num quartel. Mas nem assim os estudos foram interrompidos.

…. Para reforçar o isolamento dos padres, estes eram cuidadosamente separados dos soldados, a fim de evitar qualquer fuga de informação. Cerraram-se portas com trancas de madeira, com cal e cimento. Uma vigilância especial foi reservada à igreja do Colégio - onde o tesouro seria escondido. Era aí que as entradas eram mais restritas e sumamente vigiadas …No dia 30 de Setembro os jesuítas tomaram conhecimento de que os mais velhos … partiriam nessa mesma noite …  Finalmente, no dia 24 de Outubro de 1759, também eles [os membros da comunidade, mais novos] foram forçados a partir do Colégio.

Miranda, M.M.L. e Urbano, C. M. Um invulgar achado do século XXI: o fundo jesuítico desconhecido do Colégio de Jesus (Sé Nova) de Coimbra. In: Brotéria, n.º 185, Pg. 508-614. Acedido em registo: https://hdl.handle.net/10316/44575.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:50


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Abril 2025

D S T Q Q S S
12345
6789101112
13141516171819
20212223242526
27282930