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O arquiteto Rafael Vieira acaba de publicar um livro intitulado Os salatinas. Coimbra da saudade.
Op. cit., capa
O Autor caracteriza do seguinte modo a obra: Este retrato narra a migração forçada de uma comunidade de cerca de três ml pessoas para bairros sociais construídos além dos limites de Coimbra. Recria a perda do sentido de pertença original, que levou os salatinas a forjar novas comunidades assentes na saudade e na memória, na revivificação de velhas tradições e na entreajuda: uma ferida ainda por cicatrizar.
A obra – que se lê com muito agrado – desenvolve-se por uma síntese inicial da história e do espaço da Alta Coimbrã e assenta num significativo conjunto de entrevista a antigos salatinas, da qual destacamos o texto que se segue.
A palavra «salatina» tem origem obscura e a sua etimologia não é conclusiva. O dicionário é sintético e resume que salatina era habitante ou natural da Alta de Coimbra. Ricardo Figueiredo, salatina de 87 anos residente em Lisboa e que morou no Bairro de Celas até 1962, diz que «salatina é, por definição, o que nasceu na Alta. Salatinas é definição do local de nascimento. Não há diferenças ou categorias». A certeza é de que a palavra termina sempre em «a» - apesar de haver uma ou outra pessoa que diga «salatino», sem que daí caia o mundo - e o consenso geográfico é que se aplica a quem nasceu numa zona específica da Alta da cidade de Coimbra e não a toda a Alta … «O meu avô paterno Zé Trego "velho" (o conhecido músico-barbeiro José Lopes da Fonseca), dizia que era salatina quem nascesse na parte Alta da Sé Velha, com limite geográfico nas escadas do Quebra Costas.»
Os limites do território salatina são assim definidos por toda a Alta acima das curvas de nível onde se implanta a Sé Velha e até ao Bairro Sousa Pinto a nascente, na zona dos Arcos do Jardim. Esta é a geografia usual e a tradicionalmente referida pela malta salatina.
Já sobre a etimologia, o historiador Eduardo Albuquerque aponta a origem na Batalha do Salado … [onde se terá] distinguido pela bravura um batalhão coimbrão.
… No entanto, o historiador Luís Reis Torgal acha-a «pouco provável», devido à distância temporal, e lança outra possibilidade, que evoluiu de um topónimo alternativo para a parte superior da Alta, Bairro Latino, correspondendo à Alta dos estudantes.
… O jornalista Fernando Falcão Machado, em 1957 … [referindo que] a palavra teria despontado enquanto invetiva, um impropério destinado às gentes do alto da cidade pelos seus antagonistas.
…. Os adversários dos salatinas eram os chibatas … «Na zona do [Teatro] Sousa Bastos, antiga Igreja de S. Cristóvão, já não são salatinas, são chibatas.
…. Dir-se-ia, ainda no campo das suposições, que tanto salatinas como chibatas seriam impropérios com que cada um destes gangues urbanos visava o outro, para o injuriar.
…. Se o topo da Alta era o território dos salatinas e, logo abaixo desses, dominavam os chibatas, já a Baixinha era o território da miudagem do ranho ao nariz, perto de onde na Idade Média existiu a segunda judiaria de Coimbra, na Rua Nova.
…. Para outros subgrupos de futricas, outras alcunhas existiam. Algumas caíram no esquecimento, como carecas, que designava aqueles que viviam na Baixa em torno da Igreja de São Bartolomeu; os da área do Mosteiro de Santa Cruz seriam os fidalgos e, junto à Sé Nova, moravam os filhos da desventura. Há ainda outros apodos vagamente recordados, como judeus para os residentes em Santo António dos Olivais, pés-descalços para os a zona do Arnado e vacões para aqueles que vinham da periferia de Coimbra.
Vieira, R. Os salatinas. Coimbra da saudade. 2025. Coimbra, edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos e Rafael Vieira.
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