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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 23.01.25

Coimbra: Estatutos do cabido da Sé de 1454

Voltamos a debruçar-nos sobre um estudo da Professora Doutora Maria do Rosário Barbosa Morujão, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra este dedicado aos estatutos quinhentistas do cabido da Sé de Coimbra.

No Arquivo da Universidade de Coimbra, entre os pergaminhos provenientes da Sé da cidade, encontram-se dois pequenos cadernos em muito bom estado, contendo os estatutos do cabido da Sé de Coimbra aprovados em 1454 e, até hoje, inéditos. Um desses cadernos é o original das “constituçõoes novas” do cabido, lavrado pelo escrivão capitular Mendo Rodrigues e confirmado pelo vigário-geral Afonso Vicente, bacharel em Decretos, que com sua própria mão as autenticou. …

Estatutos da S├® de Coimbra_Doc. 1.jpgAUC, Pergaminhos, Móv. 7, Gav. 5, nº 1

Devemos começar por recordar que os estatutos são fontes de primeira importância para o conhecimento da organização e do funcionamento dos cabidos catedralícios.

…. Assim se passava em Coimbra. Desde a criação do cabido, logo após a restauração da diocese no final do século XI, vários textos reguladores da vida dos cónegos foram surgindo, até que em 1229 o legado pontifício João de Abbeville dotou o cabido de uma completa coleção estatutária que se manteve em vigor, na generalidade, até ao século XV. Mas ao longo dos tempos essas normas tinham recebido vários acrescentos e modificações, pelo que vigoravam então múltiplos documentos. O desejo de dotar o cabido de um único texto regulador foi, precisamente, o grande intuito que conduziu à elaboração da compilação estatutária de 1454.

…. Não foi, no entanto, por iniciativa episcopal que os estatutos que nos ocupam foram promulgados, mas sim por ação do cabido.

…. dado que os textos reguladores do funcionamento do cabido andavam “espargidos” por um livro de aniversários da Sé, onde eram “deficiis e trabalhosos de buscar e achar quando se ham mester”, o mestre-escola Lopo Afonso, o tesoureiro Vasco Eanes e o arcediago do Vouga João Eanes, reunidos com outros onze cónegos da catedral, decidiram proceder à compilação desses textos, e encarregaram de tal tarefa o vigário-geral, Afonso Vicente, acima referido, juntamente com os cónegos Vasco Fernandes e Álvaro Peres.

A 26 de Agosto, o trabalho concluído foi apresentado ao cabido, que leu, aprovou e jurou cumprir os novos estatutos. A 8 de Novembro, o mesmo voltou a ser feito, e determinou-se que, daí para o futuro, fossem lidos mensalmente em reunião capitular, “por todos o saberem e averem delles boa nembrança”.

A normativa aprovada versa variados assuntos, todos eles relacionados com aspetos concretos da vida capitular e por vezes respeitantes a problemas especialmente delicados, como era o caso da fuga dos cónegos às obrigações litúrgicas, o seu absentismo, ou a prática de concessão de benefícios em expectativa. De forma breve, olhemos as alíneas que compõem estes estatutos.

Surgem, em primeiro lugar, as regras sobre as presenças nas horas litúrgicas.

Seriam considerados presentes os beneficiados que chegassem antes de determinado momento dos ofícios, coincidente, em geral, com a oração do “Gloria Patri” (do primeiro ou do terceiro salmos ou do “Beati Immacullati”, consoante a cerimónia e a hora em causa). Aqueles que participassem nas horas mas faltassem às “estações” ou à “preciosa” seriam penalizados com a perda de um ponto.

Estipulavam-se também os múltiplos casos em que a sua ausência seria justificada e fixava-se o número de dias que era possível faltar aos ofícios sem penalização.

…. O capítulo seguinte diz respeito à proibição de concessão de benefícios em expectativa. Era então muito comum tal prática, que se considera “contra directo expreso” e da qual resultavam “grandes scandallos dissensooes e perigoos”. Por isso se interdita que se façam tais “prometimentos”.

Mudando de temática, passa-se a determinar que cada novo beneficiado pagasse uma capa de pano de ouro ou de seda, de valor diferente consoante a categoria do benefício recebido, a ser conservada no tesouro da catedral.

De seguida, regulamenta-se a forma de concessão de emprazamentos [ou alugueres] por parte do cabido: deveriam ser decididos por todos em conjunto, em reunião capitular, de modo a não haver favorecimentos por parte de ninguém. No mesmo contexto de evitar situações menos claras determina-se que graças e contratos sejam atribuídos através de uma votação por meio de favas brancas e negras, exigindo-se a unanimidade do corpo canonical, e estipula-se que o autor de uma proposta se ausentasse da reunião, de modo a permitir que os outros cónegos debatessem sem constrangimentos o assunto em causa.

As normas que se seguem referem-se ao pagamento de lutuosas [direito que era pago ao senhorio quando morria o arrendatário de um bem] pelos cónegos e beneficiados do cabido e à necessidade de entregar a prazo os bens deixados à catedral para aniversários e outras comemorações.

…. De seguida, são-nos dadas importantes informações acerca da chancelaria capitular, ao determinar que dois cónegos, designados pelo cabido, deviam ser os detentores das chaves do cartório, do dinheiro da chancelaria e dos selos da canónica. A eles cabia também arrecadar o dinheiro da chancelaria que não excedesse as três libras e abastecer esta instância de escrita com cera, fita e papel.

Depois, define-se a prioridade que cabia aos beneficiados capitulares na concessão de benefícios de apresentação do próprio cabido: porque “aquel que sente o trabalho deve sentir o premyo e o que he ellegido pera os carregos nom deve ser repulso do gualardom”, um benefício vago de apresentação capitular devia ser afecto a quem tivesse voz no cabido, por ordem hierárquica.

Terminam os estatutos com a indicação minuciosa dos dias e horas em que os beneficiados recebiam os vários bens da prebenda e de outras porções a que tinham direito, elucidando-nos deste modo sobre os momentos em que, ao longo do ano, recebiam pão, vinho, pescado e outros bens alimentares, todos eles discriminados com maior ou menor grau de pormenor.

No manuscrito foi ainda lavrada uma nova entrada a 15 de Novembro do mesmo ano de 1454, acrescentando duas determinações: uma relativa à necessidade de haver pelo menos o acordo de três partes do cabido para se decidir “filhar” [contratar] um oficial fora do habitual (físico, cirurgião, sangrador, barbeiro ou carpinteiro), a outra relativa à necessidade de o presidente do cabido combinar previamente com os respetivos membros que certos assuntos seriam tratados nas reuniões capitulares de modo a que a convocatória para estas pudesse ter efeito.

Estatutos da S├® de Coimbra_doc 2.jpgAUC, Pergaminhos, Móv. 7, Gav. 5, nº 2

…. Em 1457 Fevereiro, 22, Coimbra – O bispo de Silves D. Álvaro, legado pontifício, confirma os estatutos do cabido da Sé de Coimbra … (caderno em pergaminho composto por 13 fólios … conserva o selo do bispo de Silves pendente da lombada, redondo … feito de cera vermelha sobre cocho virgem).

Morujão, M.R.B. Os Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra de 1454. Acedido em: https://www.academia.edu/7172342/_Os_estatutos_do_cabido_da_S%C3%A9_de_Coimbra_de_1454_?auto=download&email_...

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por Rodrigues Costa às 18:57


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