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Caros Leitores e Amigos do A´Cerca de Coimbra
Eis-nos chegados ao Natal, daí a entrada de hoje. Antes do mais quero desejar a todos um Feliz e Santo Natal, vivido junto dos Vossos, em paz e alegria.
A paz que julgo patente no meu cartão de Boas Festas – feito com ajuda – que vos remeto com alegria. Cartão que junta a arte do Homem, do Artista e do Sacerdote que primeiro foi meu Professor e depois um Amigo, Mons. Nunes Pereira.
Acrescento o seguinte texto de outro Homem, Escritor e Sacerdote, José Tolentino Mendonça – um dos escritores e pensadores portugueses que mais admiro - e de quem faço a seguinte citação: “O que aproxima os amigos, o que os liga entre si, é a descoberta de uma afinidade interior, puramente gratuita, mas suficientemente forte, a cumplicidade e o cuidado. Se quisermos explicar que afinidade é essa, nem saberemos ... Se me intimarem a dizer porque era seu amigo, sinto que só o posso exprimir respondendo: porque era ele, porque era eu”.
Eis a minha prenda para os meus amigos, neste Natal.
Espero voltar até Vós em 7 de janeiro. Obrigado pela vossa presença e incentivo.
Rodrigues Costa
Completamos a recolha de informações sobre a igreja de S. Cristóvão com excertos de um trabalho realizado por Sérgio Madeira e Maria Antónia Lucas da Silva, intitulado Vestígios arqueológicos na Alta de Coimbra: Redescobrir a igreja de S. Cristóvão.
Trata-se do relatório do acompanhamento arqueológico da remodelação do edifício da Rua Joaquim António de Aguiar, n.os 26 e 28, contíguo ao que resta do Teatro de Sousa Bastos, resultante da obrigatoriedade de este se situar numa área a que o Plano Diretor Municipal vigente atribui o Grau de Proteção 1 (grau máximo de proteção no que diz respeito ao património histórico e arqueológico).
Desse documento, destacamos:
Através da picagem de rebocos e arranque de taipas, para além de aparelhos construtivos pobres, de pedra e argamassa, ficou a descoberto, no interior do edifício, a partir do 1º piso, um cunhal composto por pedras de grandes dimensões. Comparando a localização destes vestígios com a planta da antiga Igreja de S. Cristóvão poder-se-á concluir que tais vestígios poderão pertencer à parede de um anexo do lado norte da igreja, talvez no espaço que outrora abrangeu «uma casa annexa de religiosos da regra de Santo Agostinho».
O prolongamento vertical do cunhal revela a existência de, pelo menos, dois níveis de alteamento, visíveis sobretudo no 3º piso e, muito provavelmente, relacionados com a construção e adossamento do imóvel (séculos XVIII/XIX) e o posterior alteamento desse mesmo piso (eventualmente após a destruição da igreja no século XIX).
Remoção de argamassas inerentes ao projeto de empreitada e aspeto do cunhal em evidência. Op. cit., sem numeração.
A referência mais antiga à Igreja de São Cristóvão remonta ao século XII, altura em que foi construída à semelhança da Sé Velha no seu estilo e disposição, ainda que de mais reduzidas dimensões. Sob a tutela de um grupo de Religiosos Agostinhos vindos de França este foi, assim, um dos templos mais antigos de Coimbra, sendo que se idealiza a hipótese de ter sido edificado sobre um outro templo religioso mais antigo, fundamentando-se essa teoria em vestígios de ossadas com cronologia anterior à construção da igreja românica, descobertas em escavações na década de 90 do século passado. Na planta da Igreja de S. Cristóvão (1859) pode observar-se a representação de uma cripta que poderá corresponder ainda ao vestígio dessa pré-existência.
O edifício medieval manteve-se ao longo dos séculos quase sem alterações estruturais, à exceção de algumas obras no 2º quartel do século XVIII, das quais constam um alongamento lateral a Norte no terceiro e quarto tramos e a abertura de cinco novas frestas.
Sobreposição da Planta do 1º piso dos números 26-28 da Rua Joaquim António de Aguiar e da Planta da Antiga Igreja de São Cristóvão. Op. cit., sem numeração.
No entanto, em meados do século XIX, a igreja encontrava-se muito arruinada e desprovida da importância que havia tido em tempos anteriores. Após várias ponderações, acabou por se avançar em 1859 com o desmonte integral da igreja, com vista à construção do Teatro D. Luís, inaugurado a 22 de Dezembro de 1861. A leitura da planta do teatro permite verificar que manteve grosso modo a implantação da igreja destruída, com alargamentos que resultaram na eliminação da rua e consequente adossamento da fachada sul às construções existentes e na redução da rua a nascente. Em resultado de falta de obras de manutenção e da apressada demolição da igreja, este novo edifício irá cair também em ruína e acabará por sofrer outras alterações arquitetónicas importantes na sua adaptação a cinema em meados do século XX para dar origem ao Cine-Teatro Sousa Bastos em 15 de Junho de 1914, em homenagem ao empresário ligado ao mundo do teatro.
Após uma vida de vários momentos de notoriedade o Cine-Teatro Sousa Bastos entrou num declínio que culminou com o seu fecho em 1978, ficando o edifício votado ao abandono até aos dias de hoje, encontrando-se a edificação totalmente devoluta e com sinais evidentes de degradação.
Estado atual do edifício do extinto Teatro Sousa Bastos, na sua maioria desprovido de cobertura e de miolo e fachadas com janelas partidas, rebocos soltos, vegetação nos beirados. Op. cit., sem numeração.
Por entre todas as alterações que o espaço sofreu ao longo de quase mil anos de História, o cunhal posto em evidência aquando da recuperação do imóvel sito nos números 26-28 da Rua Joaquim António de Aguiar mantém-se como vestígio dessa Igreja cuja imponência se pode agora reconstituir e que, a seu tempo, foi sede de paróquia e de freguesia e onde nas ruas que dela radiavam, agora camufladas pela atual malha urbana, múltiplos mesteres e respetivas confrarias se fixaram, numa importante dinâmica económico-social.
Considerando o seu potencial patrimonial e estético, propôs-se como medida de minimização e salvaguarda que o cunhal fosse mantido a descoberto e integrado no projeto de remodelação do imóvel em apreço.
Madeira, S. e Silva, M. A. L. Vestígios arqueológicos na Alta de Coimbra: Redescobrir a igreja de S. Cristóvão. Texto acedido em file:///C:/Users/Fernando/Desktop/Rel%C3%ADquias%20da%20Arquitectura%20Romano/Vestigios%20arquel%C3%B3gicos%20...%20-Igreja-de-S.-Cristovao.pdf
Terceira e última entrada dedicada à obra de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulado Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.
Quando pensei nos objetivos que o blogue “A´Cerca de Coimbra” pretenderia atingir coloquei em primeiro lugar o de avivar a memória dos Conimbricenses para a história e para o património da sua Cidade. Coimbra tem de ter memória e orgulho naquilo que atualmente é e que resultou de uma evolução longa de milénios.
Recentemente voltou a falar-se da igreja de S. Cristóvão e daí resultou a prioridade que damos a uma entrada sobre este templo, um dos mais antigos da Urbe.
Fazemo-lo na esperança de que ele possa servir aos decisores municipais como motivo de reflexão sobre o destino a dar ao espaço onde este local de culto esteve erigido.
Há dez anos que transformaram num teatro a velha igreja de S. Cristóvão de Coimbra. De sua veneranda fábrica não ficou patente um só vestígio. Foi completo o sacrifício. À voz imperiosa das necessidades da moderna civilização, um monumento perfeito da arquitetura cristã cedeu o lugar a um edifício acanhado e defeituoso da alvenaria contemporânea. Aquelas paredes esmaltadas de hera e de musgo, aquelas pedras tisnadas pelos soes de muitos séculos, aquelas formosas esculturas, em que a firmeza do cinzel exprimia a força da nação pareceram velharias inúteis. As recordações gloriosas do reinado de D. Afonso Henriques deviam sumir-se para deixar em todo o esplendor as pinturas, a cola e os ouropéis do Teatro de D. Luiz.
Todavia, o desamor das artes, o desprezo das tradições históricas, a estúpida indiferença para com as memórias do passado não chegaram ainda a tal ponto que nos tornasse impossível dar hoje por meio do desenho, uma ideia clara e exata do que foi aquela igreja. O sr. conde da Graciosa, coletor diligente de curiosidades artísticas e naturais, recolheu com louvável empenho em suas propriedades de Luso e da Graciosa alguns capiteis e outros ornatos que estariam provavelmente destinados para avolumar as paredes do teatro. O sr. Luiz Augusto Pereira Bastos, à primeira noticia da demolição, correu pressuroso a desenhar o frontispício da igreja antes que a pusesse por terra o camartelo destruidor.
Igreja de S. Cristóvão. Desenho de Luiz Augusto Pereira Bastos. Estampa 2, pormenor 1. Op. cit., pg. 15
O sr. António Francisco Barata, dedicado cultor da poesia do passado, guardou com veneração a planta do edifício.
Igreja de S. Cristóvão. Estampa 2, pormenor 2. Op. cit., pg. 15
Ao amoroso cuidado destes três homens e ainda ao santo zelo com que o sr. Joaquim de Mariz Júnior, fervoroso devoto das coisas da nossa terra, foi em piedosa peregrinação a quatro léguas de Coimbra desenhar os capiteis, devemos a estampa 2, sem a qual menos completo ficaria este trabalho.
Igreja de S. Cristóvão. Desenho de Joaquim de Mariz Júnior. Estampa 2, pormenor 3. Op. cit., pg. 15
Igreja de S. Cristóvão. Estampa 2. Frontispício, capiteis e planta da igreja de S. Cristóvão de Coimbra. Op. Cit., pg. 15
Os mais antigos documentos que se conhecem, além da carta citada em nota, respetivos à igreja de S. Cristóvão, são uma inscrição em que se memora a morte de D. João Pater, presbítero, em 21 de dezembro do ano 1169, uma doação de certas casas que lhe foi feita por Martim Anaia e sua mulher Elvira no mês de fevereiro da era de 1211 (ano de 1173) e uma inscrição sepulcral achada na base do cunhal da frontaria, ao lado esquerdo, quando em 1838 se principiou a obra do teatro. Nesta inscrição decifrou o sr. Aires de Campos algumas letras avulsas e a data: E : M : CC : XVIII : correspondente ao ano de 1180.
0 autor da Coimbra Gloriosa descreveu a igreja de S. Cristóvão nos termos seguintes: «Tem a capela-mor ao nascente, porta principal ao poente, travessa ao sul. Tem o templo 60 palmos de alto, 113 de comprimento e 58 de largo, obra toscana e de três naves, fabricada de pedra e cal e de abobada, a qual se segura sobre três colunas de cada parle e por todas são seis. Tem o coro quatorze cadeiras com suficiente claridade provinda de oito frestas, entre elas cinco que foram abertas no ano de 1754…. também lhe foi posta no mesmo ano uma cruz de pedra no teto da igreja ficando arvorada para o poente. Neste tempo foram extraídas do frontispício várias carrancas de pedra.»
Segundo uma comunicação do sr. prior M. da C. Pereira Coutinho, bem conhecido por seus estudos arqueológicos, as colunas de S. Cristóvão eram de um só corpo e coroadas por capiteis modelados pelos da Sé Velha. A cada uma das três naves correspondia um altar em forma de semicírculo que parecia da construção primitiva. Finalmente as paredes eram guarnecidas de ameias como as daquele templo.
Quando se fez a demolição apareceu pela parte anterior, junto da porta um subterrâneo com forma análoga à da igreja, porém em ponto mais pequeno. Nas paredes deste subterrâneo viam-se vestígios de pinturas a fresco. Dois grandes pedestais de alvenaria, quadrangulares e não afeiçoados serviam de apoio ás duas colunas do templo que a esta parle correspondiam. Na planta da estampa 2.a vê-se indicada com pontos esta construção inferior. Pelo lugar que ocupava, por sua forma e pintura, bem se conhece ter sido uma cripta. Convém saber que na Sé de Lisboa apareceu também um subterrâneo em lugar correspondente junto da porta principal.
No capítulo seguinte mostraremos como as semelhanças da arquitetura da igreja de S. Cristóvão e da Sé Velha, autorizam a supor que foram obra do mesmo arquiteto, ou pelo menos de artistas contemporâneos e da mesma escola.
À transcrição apresentada permitimo-nos acrescentar que são pertinentes e aplicáveis à realidade atual as reflexões do Autor, publicadas em meados do século XIX.
Importa, também, sublinhar aqui o meritório trabalho que Isabel Anjinho e Rúben Vilas-Boas têm vindo a concretizar no seu blogue “Coimbra Medieval”, onde apresentaram uma reconstituição do que seria a igreja de S. Cristóvão. Encontra-se disponível em: https://coimbramedieval.wixsite.com/coimbramedieval/post/igreja-colegiada-de-s-crist%C3%B3v%C3%A3o-ii.
Reconstituição do exterior da igreja de S. Cristóvão, disponível no blogue “Coimbra Medieval”
Reconstituição do interior da igreja de S. Cristóvão, disponível no blogue “Coimbra Medieval”
NOTA FINAL:
Ousamos perguntar se não será o espaço que ora regressa à posse da Cidade, o local ideal para a instalação de um núcleo museológico dedicado não só à igreja de S. Cristóvão e à sua história, mas também um local destinado a contar aos vindouros e aos nossos visitantes a história milenar de Coimbra?
Pedimos aos nossos leitores que reflitam sobre esta questão.
Simões, A. F. Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1879. Typographia Portugueza, Lisboa.
Segunda entrada dedicada à obra de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulada Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.
…. segundo os fragmentos do concilio de Lugo de 569, à catedral de Coimbra não pertenciam então mais que cinco igrejas.
Se desde essa época até aos fins do século VII, a influencia da civilização visigótica chegou a estender-se a esta parte da Península, comunicando à arquitetura e às demais artes o impulso, que em Toledo receberam, é o que ainda se ignora. Já, porém, dissemos que não faltam razões para crer que a opulência e a perfeição da arquitetura e da escultura se limitariam às cidades mais poderosas, onde a proteção e os tesouros dos reis as acolhiam e sustentavam. Confirma de algum modo esta hipótese o não ter aparecido até hoje em Coimbra um só vestígio da época dos godos, a não ser uma inscrição que se perdeu, e que parece desse tempo, com quanto Coelho Gasco, que foi quem dela conservou memória, lesse no seu último verso a era de 1200.
Nos séculos IX e X, dilatado o cristianismo, apesar da reação sarracena, aumentou-se o número das casas destinadas aos exercícios religiosos. Não era somente nas povoações grandes que se edificavam templos. Nos tratos de terra, que os reis ou os nobres davam á cultura dos servos ou colonos, construíam-se também pequenas igrejas, mosteiros ou oratórios. Multiplicaram-se depois estas instituições, por devoção ou por interesse dos sacerdotes e seculares, empenhados não somente em firmar a religião, mas ainda em celebrar ou perpetuar seus nomes e pôr os bens ao abrigo das extorsões com a proteção eclesiástica. Às casas da oração consideravam-se, como as terras, os gados e os moveis, propriedades particulares, e delas se faziam frequentemente doações, trocas e vendas.
…. No cartório do mosteiro de Lorvão ficou um documento interessante em que se vê o atraso artístico dos povos que no século X habitavam Coimbra e suas circunvizinhanças. É uma memória escrita em latim bárbaro no livro dos testamentos, na qual se refere que no tempo do abade Primo (978 a 985) viera de Córdova para aquele mosteiro mestre Zacarias, o qual o concelho de Coimbra mandou pedir ao abade que lho desse, para lhe fazer pontes em seus ribeiros. Respondeu o abade que sim; porém que, para memória, acompanharia o mestre. Vieram, pois, ambos e chegando a «IIlhastro» [sic] (junto ao lugar que chamam hoje Fornos) aí assentou o abade sua tenda e mandou aos homens da terra que trouxessem carros, pedra e cal, com o que fizeram uma ponte. Vieram a Cozelhas e fizeram outra. Vieram à ilharga do Bussaco e fizeram outra. E ultimamente chegando à ribeira de Forma [sic] construíram ainda outra ponte e junto dela uns moinhos.
Fica, portanto, bem patente que no século X não havia em Coimbra pedreiros, capazes de fazer, ao menos com segurança, as pontes dos minguados ribeiros circunvizinhos; que um mosteiro rico, situado a três léguas da cidade, mandava vir de Córdova um mestre de obras, para suprir à falta de artistas nesta parte remota dos domínios do rei de Leão; que o concelho de Coimbra uma embaixada ao abade do mosteiro, como se lá estivesse o primeiro arquiteto do mundo; e, finalmente, que o poderoso donatário, por fazer favor á cidade, e mais ainda por zelar os interesses do convento, acompanhava o mestre cordovês pelo território conimbricense, estacionando com ele pelas margens dos ribeiros e assistindo á construção das pontes e moinhos, como se foram obras admiráveis de grande e primorosa fábrica.
…. A primeira conquista da cidade de Coimbra pelos sarracenos no primeiro quartel do século VIII foi talvez a que menos estragos causou.
…. Com diversidade de circunstâncias se fizeram as posteriores conquistas, se dermos crédito às cronicas antigas. Afonso III, quando tomou Coimbra no século IX, transformou-a num deserto, para depois a povoar com gente da Galiza.
Afonso III de Leão. Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_III_das_Ast%C3%BArias
Al-Manssor procedeu da mesma sorte nos fins do século X. No espaço de sete anos teve a cidade destruída e deserta, até que os moiros a povoaram e edificaram de novo.
Recuperou-a, finalmente, depois de dilatado cerco Fernando Magno em 1064.
Fernando Magno, à esquerda. Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_I_de_Le%C3%A3o,
Assim, ora a cruz, ora o crescente, tremulavam, alternados em cada século nos muros da formosa rainha do Mondego, mudando com suas leis e costumes o estilo de seus edifícios e mais em particular dos religiosos. Estes, pelas repetidas conquistas e assolações deveriam ser os mais comumente destruídos.
…. Não admira, portanto, que se não achem hoje em Coimbra nenhuns vestígios evidentemente anteriores á última conquista que foi, como dissemos, no ano de 1064.
…. A vitoria de Fernando Magno assinalou o princípio de uma época memorável na história de Coimbra. Fazendo esta cidade capital de um extenso e importante condado, que tinha por limites naturais o Douro e o Mondego, o rei de Castella e de Leão confiou o seu governo a Sesnando, pelo qual fora aconselhado a invadir aquela parte da antiga Lusitânia.
O vulto notável de Sesnando sobressaí com vivos e esplendores nas trevas, que precederam a fundação da monarquia. Nas velhas escrituras dos mosteiros do Território conimbricense, na gótica inscrição do seu tumulo acham-se vestígios expressivos do enérgico e fecundo influxo do ilustre moçárabe.
Arca tumular de D. Sesnando, nos claustros da Sé Velha
É para lamentar que da sua vida gloriosa, e por tanto da história de Coimbra na metade última do século XI, não ficassem mais copiosos documentos.
Simões, A. F. (1870), Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1870. Typographia Portugueza, Lisboa.
Na série de entradas que agora iniciamos, iremos abordar um trabalho de Augusto Filipe Simões (1835-1884), intitulado Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra.
Op. Cit., capa
Augusto Filipe Simões. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/searchview=detailV2&ccid=71m%2FVdQs&idFbad.pt%2Fwpcontent%2Fuploads%2F2023%2F09%2Faugustofilipesimoes…
Utilizando uma linguagem romântica própria da sua época, em 6 de junho de 1870, o autor dedica o referido livro “À Cidade de Coimbra”, acrescentando que o mesma ilustra uma das épocas mais remotas e obscuras da sua história; persuade com as provas irrefragáveis, deduzidas do adiantamento das artes, que serviu de berço á civilização portuguesa; patenteia, enfim, que esses homens esforçados, que alevantaram o glorioso edifício da independência nacional, foram, a vários respeitos, muito menos bárbaros que certos apologistas do presente, que assim os reputam.
Inicia a obra com uma longa Introdução, na qual procura explicar o enquadramento histórico da evolução arquitetónica religiosa até ao século XI, no espaço que hoje é Portugal.
Dedica o Capítulo I a Coimbra que analisa até ao final dos séc. XII. No primeiro tema «A imperfeição da arquitetura cristã … o templo … o conimbricense até ao século XI», destaca a relevância atribuída a D. Sesnando, referido como o «povoador e edificador». Dessa parte inicial transcrevemos os primeiros parágrafos.
Raiou muito cedo na cidade de Coimbra a luz do cristianismo. Seus bispos autênticos principiam a ser conhecidos no meado do século VI; já, porém, antecedentemente tinha Sé anexa à de Mérida.
Nessa antiguidade tão remota diminutíssimo deveria ser o número das igrejas pertencentes á diocese conimbricense.
Primeiro que a nova religião se fortalecesse, teve de sustentar porfiosas lutas, resistindo á violência com que reciprocamente se combatiam os povos bárbaros, afrontando suas seitas e heresias, conquistando, enfim, palmo a palmo, o terreno, onde por tantos séculos obtiveram culto geral os deuses dos romanos.
No Capítulo II aborda, especificamente, as igrejas de S. Tiago, de S. Salvador e de S. Cristóvão, textos que serão objeto de entradas próprias, tal como acontecerá com o Capítulo seguinte, dedicado unicamente à Sé Velha de Coimbra.
A problemática das edificações religiosas do norte do País, consequentemente já fora da área de Coimbra, é estudada no Capítulo IV.
Em nota de rodapé à transcrição que acima fazemos de parte do Capítulo I, seja-nos permitido acrescentar, a fim de exemplificar o que seria a religiosidade dos povos então a integrar o aro de Coimbra antes da emergência do cristianismo, um pequeno excerto da nossa publicação, Murtede. O concelho que foi, a freguesia que é.
Referimo-nos, especificamente, à descoberta, em 1957, junto à igreja de Murtede (atualmente uma freguesia do concelho de Cantanhede), de uma ara erigida por Caius Fabius, consagrada a Tadudicus, divindade lusitano-romana.
Trata-se de uma ara votiva erigida por aquele cidadão romano, descrita por José Rodrigues como sendo uma coluna de 80 cm. de altura, de base quadrada e fuste cilíndrico cingido a meio, por uma grinalda airosamente esculpida, que apresenta a seguinte inscrição:
TADVDICO
FABIVS VIATOR
LA DD
O Doutor José d’Encarnação apresentou a seguinte leitura da epígrafe:
A Tadudico.
O viajante Caius Fabius
Consagra fervorosamente ao Deus Senhor
O mesmo Autor explica, ainda, que se trata de um interessante monumento religioso mandado erigir por um cidadão romano desta região que metido em aventurosa viagem fez um voto à divindade venerada na sua terra, para o caso de sair são e salvo.
Acrescentamos, como refere a Professora Doutora Regina Anacleto, que, frequentemente, as igrejas primitivas cristãs eram edificadas em locais onde, anteriormente, já era praticado algum tipo de culto.
Terá sido esse fator que interferiu na localização das igrejas primitivas de Coimbra?
Rodrigues Costa
Simões, A. F. Relíquias da Arquitectura Romano-Bysantina em Portugal e Particularmente em Coimbra. 1870. Typographia Portugueza, Lisboa.
Alfredo Bastos que se identifica como Aluno da Escola do Moura de 1937 a 1942, apresentou no 2.º Encontro sobre a Alta de Coimbra, realizado em 1994, o texto que serviu da base para esta entrada.
Op. cit., capa
Trata-se de um interessante e vivido texto de memórias construído sobre uma Escola Primária que marcou o seu tempo nesta Cidade, complementado com um bosquejo não só biográfico, mas também pitoresco, das vivências dos seus Alunos mais notáveis.
A ESCOLA DO MOURA, situada na Rua da Ilha, instalada num edifício construído no séc. XIX (anterior a 1870) que ainda existe em toda a sua estrutura interior e exterior, embora muito degradado. Fica ao lado da vetusta Sé Velha que em tempos possuiu um adro fronteiro e no seu muro um belíssimo fontanário, elemento de brincadeiras para os alunos da Escola do Moura.
A Sé Velha de Coimbra e a Escola do Moura (foto de Alfredo Bastos). Op. cit., pg. 68
A Sé Catedral, outrora belo templo recolhido e austero, com pedras a esfarelar o pó dos séculos, foi sempre local predileto de prazer e de fé das crianças daquela vizinha escola.
Inicialmente, segundo fontes históricas, o edifício da Escola ligado à Sé Velha por um arco - ARCO DA IMPRENSA -, mais tarde, infelizmente, demolido.
A Escola do Moura foi criada em 1911 por despacho do Governo da Primeira República, sendo a Cartilha Maternal de João de Deus o primeiro livro escolar a ser usado. Funcionou até cerca de 1950, altura em que, por virtude das fracas condições das instalações, foi transferida para a Escola da Sé Velha.
Esta Escola nunca teve o privilégio da conservação e beneficiação por parte do Governo ou pelos proprietários do prédio, umas senhoras que residiam na Rua dos Coutinhos, em Coimbra.
Mais tarde chegou a existir um projeto para a demolição do edifício, com vista a desafogar o largo fronteiro à Sé Velha. Hoje, com bastante pena, encontra-se completamente desabitado.
Foi o Professor Moura. de nome completo Octávio Neves Pereira de Moura, nascido em Celas, nesta cidade, em 1 de dezembro de 1879, quem inaugurou a escola. exercendo as funções docentes até 1934, altura em que se reformou. Era conhecido pelo seu espírito correto e disciplinador, usando vulgarmente uma régua com dois centímetros de espessura que servia de palmatória ou uma cana da Índia.
O fundador da Escola do Moura: Professor Octávio Neves Pereira de Moura (1879-1043). Op. cit., pg. 69
Passaram por aquela Escola, como professores, além de Octávio de Moura, Ana de Jesus Colaço de Vasconcelos, diretora da parte feminina … Leonor Robles, Maria Elisa de Melo, Ilda Lagrifa, Arbina Pires Magalhães Ferraz … Joaquina França … José Maria da Silva, Albertina de Lemos, Benjamim Bronze (que tocava violino nas aulas), mestre Duarte e Maria Júlia do Vale.
A Escola do Moura teve vários "mestres-escola" que não só se dedicaram ao ensino escolar de matérias curriculares como à iniciação artística (trabalhos manuais, desenho, pintura, modelagem em barro e música). Professores que souberam, numa época tão difícil, criar uma geração com bastantes artistas plásticos.
Alunos da Escola do Moura (1932-1942)… (fotografia de Abílio Hipólito nos claustro da Sé Velha – 1940). Op. cit., pg. 68
Confraternização dos Alunos da antiga Escola do Professor Moura (Sé Velha – 1977, 1.ª reunião). Op. cit., pg. 69
…. Nela estudaram, como é sabido, alunos que jamais a esqueceram nos seus corações e alma. É comprovante disso uma lápide comemorativa dos 50 anos, descerrada em 1977 numa parede da velha Escolha e as concorridas reuniões anuais de antigos alunos, verdadeiras e sentidas confraternizações de «miúdos» de cabelos brancos.
Bastos, A. A Escola do Moura na Alta de Coimbra. In: Alta de Coimbra. Que futuro para o passado. Actas do 2.º Encontro sobre a Alta de Coimbra, realizado em 22 e 23 de Outubro de 1994. 1994. Coimbra, Grupo de Arqueologia e Arte do Centro.
Apresentamos o trabalho de investigação realizado pelas Dr.ªs Ana Margarida Dias da Silva e Maria Teresa Gonçalves, Técnicas do Departamento de Ciências da Vida, sobre a redescoberta de um conjunto de desenhos, maioritariamente inéditos, sobre a construção do Jardim Botânico.
Op. cit., capa
Maria Forjaz Sampaio (1838, junho). Vista do Jardim Botânico a partir da Couraça de Lisboa. Op. cit., pormenor da capa
No ano em que se celebram os 250 anos da reforma pombalina da Universidade de Coimbra (UC), o Departamento de Ciências da Vida (DCV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC), traz à estampa uma coleção de 40 desenhos do Jardim Botânico da UC, 35 dos quais inéditos.
Mapa do pedaço de cerca do colégio de S. Bento de Coimbra deu à Universidade para nele se fazer o Horto Botânico no ano da Reforma de 1772 para 1773 anos. Autor: Manuel Alves Macomboa. (1772-1773). Op. cit., pg. não numerada.
Esquecidos nos depósitos da biblioteca do antigo Instituto Botânico durante décadas, são agora resgatados ao esquecimento e do desconhecido quatro dezenas de desenhos de tipologia muito diversa. Em conjunto abarcam um arco temporal de quase 200 anos: desde a escolha, logo em 1772, do “lugar, que se achar mais proprio, e competente nas vizinhanças da Universidade” (Estatutos, Título VI, Cap. II, 1772, 391) para se instalar o jardim, até às “obras de arranjo e aformoseamento” empreendidas pela Comissão Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra (CAPOCUC), nas décadas de 1940-1950.
…. Para além de publicações sobre a história e as etapas de construção do Jardim Botânico, recorremos também às fontes manuscritas do Arquivo de Botânica da Universidade de Coimbra (ABUC)5. A única menção a desenhos do jardim encontra-se num inventário de 1867, realizado por Júlio Henriques enquanto elemento de uma Comissão Administrativa do Jardim (1867-1868), que comprova a existência, à data e no edifício do colégio de S. Bento, de “12 estampas com riscos e planos do Jardim Botânico em mao estado”.
Planta do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra em 1807. Autor: [?]. Data: [séc. XX?]. Op. cit., pg. não numerada.
Desenho do patamar superior do lado dos Arcos do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Autor: [?] Data: 1857 Op. cit., pg. não numerada.
…. O presente catálogo reúne a totalidade dos desenhos (incluindo plantas, alçados e cortes) do Jardim Botânico pertencentes ao DCV9, incluindo os cinco já conhecidos e 35 inéditos (três desenhos do século XVIII, 27 do século XIX e 10 do século XX) e tem como objetivo disponibilizar, também on-line e em acesso aberto, fontes iconográficas escolhidas para o Jardim Botânico.
Projecto para a construção de uma casa para a ampliação do gabinete de trabalhos práticos de “Botânica” “no Jardim Botânico de Coimbra”. Autor: António Augusto Pedro (construtor civil). Data: 1912, janeiro, 10. Op. cit., pg. não numerada.
Esperamos que a feliz descoberta deste conjunto de desenhos inéditos no ano em que se assinalam os 250 anos da reforma pombalina da Universidade de Coimbra, e bem assim da fundação do seu jardim, contribua para o melhor conhecimento e novas leituras sobre o que foi idealizado e/ou projetado, o que foi aprovado e o que foi, efetivamente, construído, moldando o Jardim Botânico que hoje conhecemos, simultaneamente espaço de ciência, coleção biológica e um espaço emblemático da Universidade e da cidade de Coimbra.
Silva, A.M.D. e Gonçalves, M.T. Catálogo dos Desenhos do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Coleção do Departamento de Ciências da Vida (Séculos XVII a XX). 2022, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.
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