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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 29.10.24

Coimbra: A Universidade e as Artes 1

O Professor Doutor Vítor Serrão publicou um livro que intitulou A Universidade de Coimbra e as Artes. Uma dimensão do sublime, no qual analisa de uma forma aprofundada, o todo – nas suas diversificadas formas de expressão – do acervo artístico da Universidade de Coimbra.

Com esta entrada e com a seguinte, procuramos chamar a atenção dos leitores, mais interessados, para uma obra que importa ler e estudar.

Em Coimbra, cidade sábia, sob a tutela ou inspiração da sua Universidade secular, o que existe de mais requintado e erudito na criação e na produção artística portuguesas encontra um acervo sólido, absolutamente valorativo de testemunhos dos diversos estilos e épocas na evolução da arte portuguesa, do mesmo modo que se impõe sempre a dimensão da fruição, da convivialidade da festa, da troca de experiências e ensinamentos, a incorporar os traços de um quotidiano moldado por vários séculos de História.

A coleção de arte móvel da Universidade testemunha, a meu ver de maneira eloquente, esse património de conquistas e de perdas, de qualidade e de diversidade, de radicalidades e de expressões do sublime, tão bem atestado em peças que agora se expõem como traço da muito referida sublimidade artística gerada no seio da Universidade. A pintura de Santa Luzia, acompanhada pelos símbolos do seu martírio, que se encontra no Museu de Arte Sacra, anexa à Capela de São Miguel, mostra um discurso pictórico dos anos centrais do século XVI muito em sequência dos modelos dos chamados ‘Mestres de Ferreirim’, mas que traduz, ao mesmo tempo, um sentido de mudança estética a animar o pincel deste anónimo artista de Coimbra, no modo como alteia o figurino e enfoca em moldes ‘irrealistas’ os panejamentos e os fundos, na busca de outros paradigmas imagéticos plausíveis. Quando comparada com uma quase coeva tábua da Prisão de Cristo do mesmo Museu, ainda muito presa a modelos tradicionalistas da ‘escola’ viseense, torna-se evidente que o sopro da inovação não era apanágio de todos os artistas ao serviço da Universidade… 

UC- Prisão de Cristo.jpg

Prisão de Cristo [sic.]. Op. cit., pg. 25

UC. Santa Luzia.jpg

Santa Luzia. Op. cit., pg. 30

UC. Custódia.jpg

Custódia. Op. cit., pg. 31

 

À luz das pesquisas da História da Arte, as encomendas custeadas pela Universidade vêm mostrar, o alinhamento desta modalidade artística pela inovação e a busca de novidade em termos de estilo, programas e modelos estéticos. O estudo desses ciclos pictóricos permite preencher algumas páginas importantes no quadro da evolução da produção nacional, com especial ênfase em fases prestigiantes da sua vivência como já fora o caso do Renascimento na primeira metade do século XVI, e é caso exemplar o Maneirismo no final da mesma centúria, ou ainda o ciclo do Barroco nos séculos XVII e XVIII.

Serrão. V. A Universidade de Coimbra e as Artes. Uma dimensão do sublime. Acedido em:

https://www.academia.edu/8097261/A_Universidade_de_Coimbra_e_as_artes_uma_dimens%C3%A3o_do_intang%C3%ADvel

 

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por Rodrigues Costa às 10:55

Quinta-feira, 24.10.24

Coimbra: Abastecimento de água ao domicílio 2

Concluímos a divulgação de um trabalho do Professor Doutor José Amado Mendes. sobre a história do abastecimento de água ao domicílio em Coimbra.

Finalmente, após mais de duas décadas de avanços e recuos, em 1887, a Câmara Municipal da cidade do Mondego abriu concurso para o abastecimento domiciliário de água à cidade, ao qual concorreram três empresas, uma portuguesa e duas estrangeiras:

…. A adjudicação foi feita à segunda concorrente [ Albert Nillus & C.ª, de Paris, representada por E. Béraud, residente em Lisboa (pelo preço de 83 700$réis].

 ….  Os trabalhos terão começado pouco depois da adjudicação (em 05 de janeiro de 1888), pelo que, após cerca de ano e meio, “provavelmente na segunda quinzena de Maio de 1889, Coimbra vê chegar o extraordinário melhoramento, que é o abastecimento de água pelos métodos modernos”.

…. Cerca de dois meses depois, foi igualmente iniciado o processo de instalação do sistema de saneamento, confirmando assim a justeza da mencionada proposta, então recusada, do eng.º James Easton.

O sistema de abastecimento domiciliário de água processa-se sequencialmente

em várias fases, das quais se destacam a elevação e o tratamento, o armazenamento e a distribuição. O processo já foi assim descrito: “A instalação dos serviços de abastecimento da cidade de Coimbra compreende successivamente: poços de captação, tubos aspiradores e impulsores accionados mechanicamente; reservatório de contenção e aprovisionamento; rêde de distribuição pública”.

…. [Em] Coimbra aproveitou-se a proximidade do rio Mondego, que tem oferecido água de boa qualidade, com origem na Serra da Estrela. Entre 1889 e 1953, a captação da água fez-se junto ao Parque Dr. Manuel Braga, próximo do centro da cidade.

…. Como descreve José Cid: «Em primeiro logar a agua é tomada no leito do rio em dois poços de captação, abertos na margem direita numa chanfradura da mota-dique, uma centena de metros a montante da ponte … Esses poços, cujo diâmetro é de 3m,5, penetram 9m,0 abaixo da estiagem e assentam sobre camadas alternadas

de sexo branco e areia, dispostas em substituição das camadas naturaes do leito do rio, com o fim de realizar uma filtração mais perfeita […]. No interior de cada poço penetra um tubo aspirador, de ferro fundido, com o diâmetro de 0m, 30, descendo 3m abaixo da estiagem ou da superfície filtrante. A agua, entrando pela parte inferior do poço faz pois um trajecto de 6m, através das camadas filtrantes até ser absorvida pelo tubo de aspiração».

À medida que foi sendo necessário reforçar o sistema e aumentar a sua eficiência, foi também aumentando o número de furos e deslocado o ponto de captação para a Boavista – onde, a partir de 1953, passaria a estar instalado o centro nevrálgico do sistema –, a montante do local inicial, para evitar contaminação da água suscetível de ocorrer, devido à proximidade do centro urbano.

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Estação de tratamento de águas da Boavista. Imagem em https://www.aguasdocentrolitoral.pt

Já em 1902 se aludia aos procedimentos que poderiam impedir ou, pelo menos, mitigar a contaminação da água captada no local inicial: “Transferindo a lavagem das roupas para juzante, ou instalando nas proximidades da cidade lavadouros sujeitos a rigorosas condições hygienicas; afastando do rio os esgotos da cidade e, suprimindo assim as causas apontadas, a riqueza microbiana das aguas poderia descer, pelo menos, ao numero de 600 germens, numero que a analyse encontra nas Torres [do Mondeego] e a Montante” (Cid, 1902, p. 153).

Após a captação, a água era elevada para a central elevatória, então localizada a cerca de 300m, na Rua da Alegria, e daí era de novo impulsionada para os reservatórios do Jardim Botânico e da Cumeada.

Reservatório do Botânico.jpgReservatório do Jardim Botânico. Imagem

Reservatório de Cumeada 01.jpg

Reservatório da Cumeada. Imagem

Em 1922, a estação elevatória foi deslocada para as proximidades da captação, na margem direita do rio Mondego, para edifício próprio onde atualmente se encontra instalado o Museu da Água.

Edificio da estação elevatória do Parque.jfifEdifício da estação elevatória do Parque Dr. Manuel Braga. Imagem acedida em: https://www.cm-coimbra.pt/wp-content/uploads/2018/11/linha-do-botanico_18_720x720_acf_cropped.jpg

Também foi nos anos de 1920 que o sistema começou a ser eletrificado, tornando-se progressivamente menos dependente da energia a vapor.

…. Com a expansão da área urbana e o abastecimento de água a freguesias rurais do Município …  os reservatórios totalizavam, no dealbar do século XXI, 14 enterrados e cinco elevados.

 Mendes, J.A. 2024. Abastecimento de água ao domicílio a Coimbra: “o milagre da torneira”1, 1889-2019. In: La gestión del agua en la Península Ibérica (siglos XIX y XX). Madrid. Pg. 353-379.

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por Rodrigues Costa às 17:09

Terça-feira, 22.10.24

Coimbra: Abastecimento de água ao domicílio 1

O Professor Doutor José Amado Mendes dedicou a sua vida, nomeadamente, ao estudo de questões de temática coimbrã. O trabalho que agora divulgamos é uma síntese da investigação profunda que realizou sobre a história do fornecimento de água à nossa Cidade.

A cidade de Coimbra marca a transição entre o Alto e o Baixo Mondego, como já foi salientado: “Situada na margem direita do rio, no contraforte comprehendido entre os valles da Arregaça e Cozellas, Coimbra marca approximadamente a linha de separação entre a bacia alta e o estuário inferior” … que se prolonga até à sua foz, precisamente na cidade da Figueira da Foz.

Em finais do século xix, a população de Coimbra rondaria os cerca de 20 000 a 25 000 habitantes … que, até 1889, para se abastecerem de água tinham de recorrer ao rio Mondego e a vários sítios da cidade, onde se localizavam, em 1863, dez fontes, dois poços e duas cisternas.

Mulher de Coimbra com cântaros.jpg

Imagem extraída do livro Estampas Coimbrãs

Largo da Feira. Fonte dos Bicos 01.jpgLargo da Feira. Fonte dos Bicos

Este procedimento não garantia a qualidade da água para consumo humano, pelo que, em muitos casos, era responsável por surtos endémicos ou epidémicos e vários outros tipos de doenças.

…. A situação acabada de referir ia-se agravando por vários fatores, como a dificuldade de acesso ao rio Mondego, com a abertura da ligação ferroviária de Coimbra B ao centro da cidade (1885). Por outro lado, também o crescimento demográfico e a expansão da área urbana, simultaneamente com o desenvolvimento industrial da cidade, nas primeiras décadas de Oitocentos e primeiras de Novecentos …  exigiram a instalação e ampliação dos sistemas de água ao domicílio, bem como de saneamento básico.

Quanto ao crescimento demográfico, a população residente em Coimbra duplicou desde finais do século XIX até 1950 (de c. 24 000 a 25 000 para c. de 48 000) … Também a área urbana se foi alargando. Com efeito, às quatro freguesias existentes na cidade em finais do século XIX e inícios do século XX – Santa Cruz, São Bartolomeu, São Cristóvão e Sé Nova –, vieram acrescentar-se as de Santo António dos Olivais e de Santa Clara, as quais anteriormente eram consideradas periféricas.

…. A máquina a vapor foi igualmente determinante no processo de abastecimento domiciliário de água, aos grandes centros urbanos, nos inícios e posteriormente de forma generalizada. As primeiras experiências foram igualmente efetuadas em Inglaterra, na cidade de Sheffield que, em 1830, tinha um reservatório para onde a água era bombeada e, em seguida, distribuída por aquele centro urbano.

….  Tratando-se de um processo inovador e que, entre nós, dava os primeiros passos, em Portugal não existia tecnologia nem know-how disponíveis, pelo que foi necessário recorrer a empresas e técnicos estrangeiros.

Costa Simões, monmento Mealhada.jpgMonumento a Costa Simões, na Mealhada, autor João Augusto Machado Júnior. Imagem acedida em: https://www.culturacentro.gov.pt/pt/museus/museu-virtual-de-arte-publica ...

…. No caso de Coimbra, as primeiras iniciativas ficaram a dever-se a uma figura que muito se empenhou para que a cidade dispusesse deste extraordinário benefício, que era o de a água poder chegar, sem esforço e em permanência, ao domicílio das pessoas. Refiro-me a António Augusto da Costa Simões (1819-1903) … Para benefício da cidade e dos seus habitantes, desempenhou funções de relevância, pois foi professor catedrático da Faculdade de Medicina, reitor da Universidade, administrador dos Hospitais da Universidade de Coimbra e presidente da respetiva Câmara Municipal.

Adolfo Loureiro.webpAdolfo Loureiro. Imagem acedida em: https://pianc.pt/congressos-e-eventos/premios-e-distincoes

…. A propósito, informou o conselheiro Adolpho Loureiro, reputado especialista de questões relacionadas com a gestão da água:

«Datam de 1865 as primeiras tentativas do illustre professor para trazer á cidade de Coimbra a vantagem de um serviço regular de fornecimento e distribuição d´aguas. Achava-se então sua exc.ª em Paris, encarregado de uma missão scientifica. Á testa da administração municipal estava o fallecido conde das Canas. A este cavalheiro se dirigiu de Paris o sr. Dr. Costa Simões, lembrando-lhe a conveniencia de se emprehender o abastecimento da cidade com aguas elevadas do Mondego, e oferecendo n’aqella cidade os seus serviços».

…. Seguiu-se um longo período de mais de duas décadas de frequentes contactos de Costa Simões com dirigentes do Município, cuja presidência entretanto também ocuparia, e com técnicos e responsáveis autárquicos de Paris e Londres. A recetividade dos responsáveis pela autarquia foi variando, consonante a composição do Executivo.

…. Costa Simões chegou a constituir uma empresa, com Cândido Xavier Cordeiro (1807-1881), para a instalação do abastecimento de água … Também estabeleceu contacto com a importante casa industrial James Easton, de Londres, com a qual chegou a ser firmado um pré-contrato para a instalação do

referido sistema. Entretanto, surgiram divergências com a Câmara Municipal, entre outros motivos pelo facto de o referido empresário propor a instalação do sistema de saneamento conjuntamente com o de abastecimento de água – o que, aliás, fazia todo o sentido –, mas que a edilidade recusou.

Mendes, J.A. 2024. Abastecimento de água ao domicílio a Coimbra: “o milagre da torneira”1, 1889-2019. In: La gestión del agua en la Península Ibérica (siglos XIX y XX). Madrid. Pg. 353-379.

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por Rodrigues Costa às 11:38

Quinta-feira, 17.10.24

Coimbra: Arzila, uma freguesia que tem memória 2

Na entrada anterior já nos referimos ao projeto que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, “50 anos, 50 eventos”, está a concretizar no ano em curso e que pretende constituir-se como ponto de partida para um caminho ainda mais exigente e rigoroso. No âmbito das iniciativas deste projeto encontra-se inserida a atividade que foi rotulada como “Casa do Lavrador”. Trata-se da instalação de peças recolhidas pelo Grupo ao longo dos anos, relacionadas com o mobiliário existente na habitação de um lavrador arzilense, com alguns haveres, na primeira metade do século XX.

Se a instalação foi conseguida, a casa onde foi efetivada – em conjunto com uma outra que lhe é vizinha e se encontra em adiantado estado de ruína – merecem, por si só, uma visita.

Estamos perante casas muito antigas que nos possibilitam o conhecimento da tipologia das habitações de Arzila, construídas com recurso a materiais que ali abundavam, ou seja, seixos rolados e argila. Estes elementos asseguravam não só uma grande durabilidade do imóvel, como uma adequada qualidade de vida, pois no verão tornavam o seu interior fresco e seco e, no inverno, retinham o calor e absorviam a humidade.

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1a.Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1b.Arzila. “Casa do Lavrador”, fachada virada a sul, pormenor. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1f.Arzila. “Casa do Lavrador”, parede lateral virada a nascente. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 1c.

Arzila. “Casa do Lavrador”, tardoz, virado a norte. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 2a.

Arzila. Casa em ruína, fachada virada a norte. Foto Manuela Gabriel

Arzila. Casa do lavrador. Foto Manuela Gabriel 2b.

Arzila. Casa em ruína, parede lateral virada a poente. Foto Manuela Gabriel

Na construção utilizavam a técnica da taipa, também designada por taipa de pilão, que, de acordo com a revista “História”, n.º 19, da National Geographic, começou a ser usada na Mesopotâmia há 7.500-5.500 AC.

A técnica referida também foi identificada pela Sr.ª Dr.ª Helena Moura, da Divisão de Salvaguarda, Gestão e Conhecimento do Património Cultural da CCRC, como sendo utilizada em casas antigas, localizadas na freguesia de S. Martinho do Bispo.

Se tomarmos como referência, por permitir uma mais fácil leitura, a parede virada a poente da casa em ruína já atrás referida, na análise de um leigo na matéria, o construído poderá ser descrito como se segue.

A parede, constituída por camadas sobrepostas de argila e de seixos, estes com diferentes dimensões, mostra uma espessura da ordem dos 44-45 cm, tem cerca de três metros de altura e cerca de 4 metros de largura.

Na zona superior ainda são visíveis os buracos que, no decurso da construção, serviam para fixar as taipas. Contudo, na parte inferior da parede esses orifícios não são percetíveis e, por isso, provavelmente será de se aceitar que a construção ou seria executada sem recurso à taipa ou esta seria escorada.

Os materiais utilizados na construção desta casa devem ter sido recolhidos em barreiros situados em Arzila, nos lugares conhecido por “Mortal” e “Cova dos Cortiços”. Através de referências que chegaram aos nossos dias sabemos que o barro seria, previamente, amassado no exterior, a fim de se conseguir uma maior homogeneização.

Neste imóvel ainda se torna possível caracterizar três tipos de camadas construtivas.

- Caboucos e camada inferior da parede, esta com cerca de 60 cm de altura, onde foram utilizados seixos rolados com maior dimensão e os espaços intersticiais preenchidos com barro.

- Camada intermédia, com cerca de 50 cm de altura, constituída, predominantemente, por seixos miúdos, aglutinados por argila.

- Camada(s) superior(es), com cerca de 50 cm de altura, utilizando seixos de dimensão um pouco superior aos da camada intermédia e em menor número.

Deve assinalar-se, ainda, a existência de dois outros tipos de camadas.

- Camadas horizontais, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura e 44-45 cm de comprimento, que utilizam na construção um material branco, muito presumivelmente, cal.

- Camadas verticais e/ou oblíquas, separando faixas construtivas, com cerca de 7 cm de espessura, e 44-45 cm de comprimento.

A constatação da existência deste tipo específico de casas em Arzila constitui uma descoberta que, em nossa opinião, carece necessariamente de uma intervenção de emergência por parte dos serviços municipais e de um estudo mais aprofundado por entidades com competência para tal.

Fica o alerta na esperança de que estes testemunhos do passado e da nossa cultura não sejam rapidamente destruídos, tal como tem acontecido a tantos outros bens culturais do povo que fomos e que somos.

Rodrigues Costa

Agradeço ao Senhor Professor Doutor José António Gabriel e à sua Esposa, Sr.ª D.ª Manuela Gabriel - um dos casais fundadores do Grupo de Arzila -, a ajuda na recolha de informações e de imagens.

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por Rodrigues Costa às 22:07

Terça-feira, 15.10.24

Coimbra: Arzila, uma freguesia que tem memória 1

No limite poente do concelho de Coimbra, na margem direita do Paul de Arzila, situa-se a freguesia com o mesmo nome.

A comunidade rural que ali existe desde tempos imemoráveis, sempre conviveu com o paul e, com um saber cimentado por séculos de trabalho árduo, soube salvaguardá-lo e vivificá-lo.

Paul onde todos detinham um bocado de terreno, as “sortes”, medidas anualmente em varas e côvados, onde pescavam, a fim de melhorar a dieta alimentar e de onde extraiam, o bunho e a “junção”, que estiveram na origem do renome da aldeia, enquanto principal produtora de esteiras, no Baixo Mondego. 

Paul de Arzila.jpgReserva Natural do Paul de Arzila. Imagem acedida em https://www.visitportugal.com/pt-pt/content/reserva-natural-do-paul-de-arzila

Paul de Arzila 2.jpgReserva Natural do Paul de Arzila. Foto Manuel Malva. Acedida em https://www.nationalgeographic.pt/viagens/paul-arzila-reduto-um-vale-outrora-selvagem_2948

Paul de Arzila 3a.jpgReserva Natural do Paul de Arzila. Foto Manuel Malva. Acedida em https://content.nationalgeographic.pt/medio/2023/06/05/paul-arzila_00000000_230605223419_1200x630.jpg

Da freguesia rural que sempre foi, conhecida por aquela produção, está a caminho de se transformar, como as demais que naquela zona se localizam, num dormitório de Coimbra.

Contudo, Arzila é uma freguesia que tem memória e orgulho do seu passado. Memória que resulta, essencialmente, do trabalho que o Grupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, vem realizando e que se encontra bem evidenciado quer na recente integração da terra no projeto “Aldeias de Portugal”, quer na organização e realização, ao longo do ano em curso, do programa “50 anos, 50 eventos”.

GFEA., logtipo.jpgGrupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, logotipo

GFEA., cartaz 50 anos.jpg50 anos, 50 eventos. Cartaz. Imagem acedida em https://www.facebook.com/photo/?fbid=709837067933197&set=pcb.709844331265804

Estas realidades podem se verificadas no atalho https://www.facebook.com/gfearzila/, onde se encontra o pograma delineado pelo Grupo, a fim de lhe poder proporcionar o ponto de partida de um caminho ainda mais exigente e rigoroso que pretende seguir.

Esta introdução, não laudatória, embora mais do que merecida relativamente ao trabalho realizado por todos os elementos do Grupo, tem em vista um projeto que está a nascer e passa pela dignificação do espólio etnográfico recolhido ao longos dos anos.

Este propósito implica não só um trabalho rigoroso de inventariação e de catalogação, mas também a criação de condições expositivas adequadas, face à importância do espólio e ao testemunho que outorgam.

Neste contexto, numa primeira fase, encontra-se em organização uma ação de formação destinada a todos os elementos do Grupo, mas aberta a elementos de outros agrupamentos similares, que decorrerá sob a orientação da Senhora Dr.ª Virgínia Gomes (Técnica superior responsável pelas coleções de Pintura, Desenho e Gravura do Museu Nacional de Machado de Castro).

Sede do Grupo de Arzila.JPGGrupo Folclórico e Etnográfico de Arzila, sede

No mesmo enquadramento, mas agora com a ajuda da Senhora Arquiteta Isabel Anjinho, realizou-se no passado dia 8 de outubro, uma primeira reunião de trabalho, tendo em vista a elaboração de um projeto de construção de um espaço onde se possa instalar um núcleo interpretativo que permita a exposição, com o necessário rigor e qualidade, do material recolhido e que se erguerá no terreno pertença do Grupo, anexo à sua sede.

Ter-se-á em consideração a existência de 3 áreas temáticas:

. O paul e as esteiras de Arzila;

. Carpinteiros de Arzila. Da construção da casa à construção do barco do paul;

. Agricultura e agricultores de Arzila, memória de um modo de vida.

 

Rodrigues Costa

 

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por Rodrigues Costa às 10:53

Quinta-feira, 10.10.24

Coimbra: Jardim Botânico, desenhos inéditos

Apresentamos o trabalho de investigação realizado pelas Dr.ªs Ana Margarida Dias da Silva e Maria Teresa Gonçalves, Técnicas do Departamento de Ciências da Vida, sobre a redescoberta de um conjunto de desenhos, maioritariamente inéditos, sobre a construção do Jardim Botânico.

CJB, capa.JPG

Op. cit., capa

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Maria Forjaz Sampaio (1838, junho). Vista do Jardim Botânico a partir da Couraça de Lisboa. Op. cit., pormenor da capa

No ano em que se celebram os 250 anos da reforma pombalina da Universidade de Coimbra (UC), o Departamento de Ciências da Vida (DCV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC (FCTUC), traz à estampa uma coleção de 40 desenhos do Jardim Botânico da UC, 35 dos quais inéditos.

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Mapa do pedaço de cerca do colégio de S. Bento de Coimbra deu à Universidade para nele se fazer o Horto Botânico no ano da Reforma de 1772 para 1773 anos. Autor: Manuel Alves Macomboa. (1772-1773). Op. cit., pg. 56.

Esquecidos nos depósitos da biblioteca do antigo Instituto Botânico durante décadas, são agora resgatados ao esquecimento e do desconhecido quatro dezenas de desenhos de tipologia muito diversa. Em conjunto abarcam um arco temporal de quase 200 anos: desde a escolha, logo em 1772, do “lugar, que se achar mais proprio, e competente nas vizinhanças da Universidade” (Estatutos, Título VI, Cap. II, 1772, 391) para se instalar o jardim, até às “obras de arranjo e aformoseamento” empreendidas pela Comissão Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra (CAPOCUC), nas décadas de 1940-1950.

…. Para além de publicações sobre a história e as etapas de construção do Jardim Botânico, recorremos também às fontes manuscritas do Arquivo de Botânica da Universidade de Coimbra (ABUC)5. A única menção a desenhos do jardim encontra-se num inventário de 1867, realizado por Júlio Henriques enquanto elemento de uma Comissão Administrativa do Jardim (1867-1868), que comprova a existência, à data e no edifício do colégio de S. Bento, de “12 estampas com riscos e planos do Jardim Botânico em mao estado”.

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Planta do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra em 1807. Autor: [?]. Data: [séc. XX?Op. cit., pg.

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Desenho do patamar superior do lado dos Arcos do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Autor: [?] Data: 1857. Op. cit., pg.

…. O presente catálogo reúne a totalidade dos desenhos (incluindo plantas, alçados e cortes) do Jardim Botânico pertencentes ao DCV9, incluindo os cinco já conhecidos e 35 inéditos (três desenhos do século XVIII, 27 do século XIX e 10 do século XX) e tem como objetivo disponibilizar, também on-line e em acesso aberto, fontes iconográficas escolhidas para o Jardim Botânico.

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Projecto para a construção de uma casa para a ampliação do gabinete de trabalhos práticos de “Botânica” “no Jardim Botânico de Coimbra”. Autor: António Augusto Pedro (construtor civil). Data: 1912, janeiro, 10. Op. cit., pg.

Esperamos que a feliz descoberta deste conjunto de desenhos inéditos no ano em que se assinalam os 250 anos da reforma pombalina da Universidade de Coimbra, e bem assim da fundação do seu jardim, contribua para o melhor conhecimento e novas leituras sobre o que foi idealizado e/ou projetado, o que foi aprovado e o que foi, efetivamente, construído, moldando o Jardim Botânico que hoje conhecemos, simultaneamente espaço de ciência, coleção biológica e um espaço emblemático da Universidade e da cidade de Coimbra.

Silva, A.M.D. e Gonçalves, M.T. Catálogo dos Desenhos do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Coleção do Departamento de Ciências da Vida (Séculos XVII a XX). 2022, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.

 

 

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por Rodrigues Costa às 19:58

Terça-feira, 08.10.24

Coimbra: Mosteiro de S. Jorge

O Doutor Saul António Gomes publicou um texto, que hoje divulgamos, que nos elucida sobre os tempos primitivos de um dos conventos menos conhecidos de Coimbra, o Mosteiro de S. Jorge, localizado na margem esquerda, do Mondego, acima da celebrada Lapa dos Esteios.

Moteiro de S. Jorge 2.webp

Mosteiro de S. Jorge, na atualidade. Imagem acedida em: https://www.imovirtual.com/pt/anuncio/quinta-do-mosteiro-de-sao-jorge-em-co-ID1cxu7

Mosteiro de S. Jorge 1.jpg

Mosteiro de S. Jorge, na atualidade. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=CMIGGFQH&id=167147D791D4E40DD28DF6B2A4276175A084F781&thid

 …. A fundação do Mosteiro de S. Jorge, situado um pouco a nascente da cidade de Coimbra, segundo as crónicas modernas dos cónegos regrantes de Santo Agostinho, dever-se-ia ao Conde D. Sesnando, o celebrado governador moçárabe de Coimbra … teria mandado levantar nesse local, em 1080, uma ermida dedicada a S. Jorge, fazendo-a mudar, quatro anos depois, para outro lugar, justamente aquele onde o mosteiro, segundo os cronistas crúzios, viria a ser edificado.

Data de Julho de 1146, na verdade, o compromisso feito por … Salvador Guimariz, diante de D. João, bispo … a partilhar com os seus companheiros o património que para esta fundação se estabelecia, a fim de que tudo fosse partilhado em comum.

…. A este mosteiro ligaram-se, por especial devoção, os monarcas da dinastia afonsina. D. Sancho I e D. Dulce, sua mulher, entregaram, em 1191, a dízima da herdade régia de Façalamim aos cónegos, sendo prior-mor D. Pedro Vicente, em reconhecimento da intervenção do santo mártir na proteção ao infante D. Afonso, futuro rei.

…. Em 1216, D. Afonso II toma debaixo da sua real proteção este cenóbio … Também D. Afonso III … se voltou para esta canónica de Coimbra, em 1259, suplicando a intercessão de S. Jorge para que a sua filha primogénita, a Infanta D. Branca.

…. No século XIII, S. Jorge de Coimbra usufruía de um património rentável e apreciável. Por doação, compra ou escambo, este instituto regular estendeu o seu património, para além do que tinha em Coimbra, a Castelo Viegas, Arregaça, Taveiro, num aro geográfico ainda muito próximo de Coimbra, e, depois, num segundo círculo já mais distanciado, a terras como Lorvão, Penela, Tentúgal, Montemor-o-Velho, Lavos, Ameal e Façalamim. S. Jorge tinha, finalmente, interesses senhoriais apreciáveis em pontos bem mais longínquos como eram Arganil, Celorico [da Beira], Paços, Covilhã, S. Vicente da Beira [“de ultra serra”], Rio de Moinhos, junto a esta vila, Santarém e Portalegre.

…. Na primeira metade do século XIII … mantinha práticas de administração que passavam pela escrita organizada.

…. Poderemos classificá-lo como registo de contabilidade monástica, numa tipologia documental rara, sobretudo para essa época.… Nele percorre-se longamente o património monástico dominial arrolando-se rendas e proventos cujas entradas se faziam pelas ovenças, respetivamente, da enfermaria, da vestiaria e da correaria. O hospital monástico e a “pitançaria” são referidos muito de passagem como tendo rendimentos próprios.

…. De uma leitura global deste registo contabilístico, verificamos que se intersectam neste claustro dois tipos de economia. Pesavam os pagamentos em géneros alimentares, em animais e até em escravos sarracenos. Mas a linha dominante neste micro-universo monástico é a da economia monetária. Procura-se avaliar todos os proventos em moeda, valorizando-se vendas e rendas expressas em dinheiro … três moios de centeio e um sarraceno recebidos, em 1257, pelo prior da enfermaria. Trigo, centeio, milho mourisco e milho, sem mais, tinham boa receção no mercado urbano, valendo cada alqueire de trigo, nesse ano, quatro soldos. Como se vendiam bem, cremos, “panos”, decerto lanifícios para cuja manufatura não faltava matéria-prima nos celeiros do Mosteiro. Os panos vendidos pelo prior a Vicente Serrão, por exemplo, tinham valido a soma de sete libras.

…. O Mosteiro era senhorio de muitas cabeças de gado miúdo e de apreciáveis boiadas. Um dos seus ovelheiros, Vicente, entregou aos cónegos 80 ovelhas e um asno, e D. Pedro, irmão de D. Sebastião, oito vacas, um boi e mais de 40 ovelhas; de um outro ovelheiro, Durando, recebeu-se 60 ovelhas e 13 libras em dinheiro. Pedro Gonçalves de “Palio”, por seu turno, pagou oito cabeças de vacas, entre grandes e pequenas, 10 cabras, três asnos, um boi e um bom “zorame et sagia”.

…. Da vinha da correaria recebia-se todo o vinho … O Mosteiro tinha alguns olivais, poucos, rendendo, os que trazia D. Bento, “fibulariu”, cinco libras

…. S. Jorge de Coimbra conheceu tempos de prosperidade e outros de crise interna.

No ano de 1192, o claustro acolhia 26 cónegos e exercia jurisdição sobre a comunidade feminina de cónegas agostinhas da Santa Ana, para a qual se apontam, nessa data, nove professas. Dados que indiciam um ciclo de vitalidade na história desta comunidade.

Moteiro de S. Jorge 3.jpg

Mosteiro de S. Jorge 3. Imagem acedida em: https://www.flickr.com/photos/biblarte/3562604342/in/photostream/

…. A dimensão do património de S. Jorge permitia, ainda por todo o século XIV, um confortável nível de vida aos seus professos. Isso é muito claro, por exemplo, em 1334, quando o prior-mor concordava em “que os coonigos e os frades confessos do dicto monasterio de cada dia ajam pera seu mantimento tres pãees cada huum coonigo e frade e serem tamanhos que do alqueire da farinha triga peneirada polla ante maao e seendo-lhe a mão posta hûa vez que do alqueire fossem fectos dezeoyto pãaes […] e cada dia ajam d’aver tres fiaas de vinhos, o vaso da colaçom, e da noa e da presa o qual vinho seer terçado as duas partes de vinho e a hûa d’augua”.

Gomes, S. A. 2011. Um registo de contabilidade medieval do Mosteiro de S. Jorge de Coimbra (1257-1259). In: Medievalista [Em linha]. Nº10, (Julho 2011). Direc. José Mattoso. Lisboa: IEM. Acedido em: http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/

 

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por Rodrigues Costa às 10:04

Quinta-feira, 03.10.24

Coimbra: Regina Anacleto, um exemplo e um orgulho para a Cidade

Conheci Regina Anacleto nos idos dos anos 80, do século passado, quando, após a feliz iniciativa do Dr. Mendes Silva – a Operação Chiado – o edifício passou à posse do Município e me coube, por força das funções então desempenhadas, ser o responsável pelo programa de animação daquele novo espaço municipal.

Um dos primeiros problemas a resolver decorreu do exagerado número de propostas de exposições destinadas a ali serem apresentadas. A conjuntura tornou evidente a necessidade de nos socorrermos de pessoas competentes, capazes de colmatar as insuficiências que sentíamos, a fim de elaborar um programa de eventos adequados à Cidade e ao espaço.

Neste contexto, entre outros, solicitamos ajuda ao Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra que designou a então assistente estagiária Regina Anacleto para desempenhar essa função. A sua boa vontade e empenho rapidamente se manifestaram.

Voltei a reencontrar a então já Professora Regina Anacleto, quando deixei de lecionar na Universidade Lusófona e regressei definitivamente a Coimbra, dedicando-me, a partir de 11 de maio de 2015, à criação e manutenção do blogue “A’Cerca de Coimbra”, onde a sua ajuda tem funcionado, ao longo do tempo, e sempre que solicitada, como suporte.

RA 1. Regina Anacleto.jpgProfessora Doutora Regina Anacleto

Numa viagem a Espanha, planejada por um grupo de amigos, tive ocasião de me aperceber da estima que esta investigadora portuguesa ali soubera granjear.

A obra ora publicada em Salvador da Bahia, Gabinete Português de Leitura. 160 anos de história evidencia que a autora é também reconhecida no País Irmão.

Tanto a Universidade, como a cidade de Coimbra, terra que adotou como sua, se podem sentir agradadas por esta publicação, no Brasil, pela Editora Quarteto/Gabinete Português de Leitura e que vem juntar-se à sua bibliografia.

RA 5. Capa.jpgOp. cit., capa

No livro, ora colocado em letra de forma, a autora debruça-se, assentando numa investigação profunda baseada na documentação existente, sobre a história da instituição desde o momento fundacional (1863) até à inauguração do edifício-sede (1918). Procura, ainda que de forma sucinta, explicar as razões do surgimento da arquitetura neomanuelina em Terras de Santa Cruz, a origem e a difusão dos chamados “Cabinets de Lecture”, bem como os motivos do surto migratório português em direção àquela então Colónia. Termina com uma minuciosa cronologia relacionada com o edifício estudado e com imagens fotográficas ilustrativas.

RA 2. Estátua. Camões.jpgEstátua de Camões executada pelo escultor italiano Bellando Bellandi. Op. cit., pg. 153

RA 3. Patamar 02.jpg

Painel frontal das escadas com quadros pintados por Carlo de Servi. Op. cit., pg. 156

RA 4- Salão nobre 01.jpg

Salão nobre (vista parcial). Op. cit., pg. 162

Refira-se que, aos 82 anos, viu reconhecido o trabalho realizado ao longo da vida, ao ser nomeada, pelos seus pares, Académica de Mérito da Academia Portuguesa da História.

Apesar de limitada pela idade, continua, na medida do possível, a investigar e a escrever, como o comprova o livro aqui citado.

Respigamos desse livro o que se encontra escrito nas badanas.

(…) Como quer que fosse, em Terras de Santa Cruz, simultaneamente com médicos, advogados e jornalistas, conviviam também roceiros e negociantes, que sentiam a necessidade de se juntar, a fim de mitigar as saudades da pátria, de manter e ampliar uma cultura eminentemente nacional e de socorrer os compatriotas menos protegidos.

Foi para responder a estes anseios que nasceu a ideia de fundar associações onde, se, por um lado, concretizaram tantas e tão admiráveis iniciativas de benemerência, por outro lado, consubstanciaram, através de uma ação espiritual notável, o prestígio da cultura; em suma, conseguiram afirmar aquilo a que, genericamente, era hábito chamar de “virtudes lusas”. Assim nasceram os gabinetes de leitura.

“(…) Como acontecia um pouco por todo o ‘continente’ (os brasileiros, por vezes, quando se referem ao seu país, apelidam-no assim), também aqui, na primeira capital de Terras de Santa Cruz, os imigrantes lusos se agruparam e fundaram associações com carater beneficente, cultural ou lúdico.

Em S. Salvador, nos meados de oitocentos, já existia uma coletividade que se ajustava ao primeiro cenário apontado, ou seja, ao filantrópico. Com efeito, no dia 1 de janeiro de 1857, tendo como objetivo assistirem aos emigrantes lusitanos radicados em terras salvadorenhas, “por iniciativa do estimado português Marco José dos Santos”, foi fundada a Sociedade Portuguesa Dezasseis de Setembro, assim denominada pelo facto de o monarca português, D. Pedro V, festejar o seu aniversário nessa data.

A 3 de setembro de 1857 formou-se a Sociedade Portuguesa de Beneficência.

As duas instituições, numa assembleia geral realizada a 14 de julho de 1858, presidida pelo “pai do heroico Serpa Pinto”, Dr. José da Rocha Figueiredo, resolveram unificar-se e passarem a girar sob o nome de Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezasseis de Setembro.

(…) Urgia o aparecimento de uma outra que abarcasse a componente cultural.

A fim de responder a este requisito, um conjunto de portugueses com “prestigio e acendrado patriotismo”, reuniu-se a 2 de março de 1863, justamente na sala das sessões da Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezasseis de Setembro e resolveu “unanimemente instalar [naquela] cidade [de Salvador] uma sociedade literária com o nome de Gabinete Português de Leitura”.

 Anacleto, R. Gabinete português de leitura de Salvador da Bahia. Capa e ilustrações de Abel Travassos. 2024. Salvador Bahia, edição do Gabinete Português de Leitura de Salvador.

 

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por Rodrigues Costa às 15:37

Quarta-feira, 02.10.24

Monumento a Monsenhor Augusto Nunes Pereira, uma dívida que Coimbra quer pagar

Augusto Nunes Pereira – o sacerdote e o artista – é uma figura incontornável da Coimbra da segunda metade do século XX.

NP final 1.jpgNunes Pereira. Desenho F. Pimentel /78

Quem teve a felicidade de conviver com ele guarda na memória a sua bondade e alegria de viver, o sorriso acolhedor e a arte que o levava a desenhar compulsivamente tudo quanto via.

Arte polifacetada, assente num trabalho continuo desenvolvido até ao último dia de vida e que passou por diversas técnicas, com particular destaque para o vitral e para a gravura em madeira.

O Museu Nunes Pereira que, no Seminário Maior de Coimbra, se encontra instalado no local da sua última oficina, é um espaço que os conimbricenses deviam conhecer e do qual se deviam orgulhar.

 

O projeto da construção de um monumento, em Coimbra, a lembrar Monsenhor Nunes Pereira surgiu a 25 de março de 2022, no âmbito do ciclo de palestras designado por Conversas Abertas, promovido pelo blogue “A´Cerca de Coimbra”, com o apoio do Arquivo da Universidade de Coimbra e do Clube de Comunicação Social.

Naquela data foi abordado o tema Mons. Nunes Pereira. O homem, o sacerdote e o artista, sendo palestrantes as Senhoras Dr.as Virgínia Gomes (Técnica Superior responsável pelas coleções de Pintura, Desenho e Gravura do Museu Nacional de Machado de Castro) e Cidália Maria dos Santos (Curadora do Museu Nunes Pereira).

No âmbito desta Conversa Aberta, o Arq.º António José Monteiro e o artista plástico José Maria Pimentel, apresentaram um projeto destinado a servir de base para a construção de um monumento dedicado a Monsenhor Nunes Pereira, que deveria ser instalado em Coimbra, junto da rua com o seu nome, e que, gratuitamente, ofereceram à Cidade.

Proposta que mereceu o apoio e o empenho de todos, o que levou à constituição informal de um Grupo de Cidadãos, para dar sequência à mesma.

Seguiram-se meses de diligências que culminaram no dia 5 de julho de 2023, com a realização, nos Paços do Concelho, de uma reunião na qual participaram, em representação do Executivo Municipal, o Eng.º Nelson Cruz e o Dr. Pedro Peixoto, respetivamente Chefe do Gabinete do Presidente da Câmara e Assessor do mesmo Gabinete e os técnicos do Município Dr.ª Maria Carlos, Diretora do Departamento de Cultura e Dr.ª Elisabete Carvalho, Chefe de Divisão do mesmo Departamento e o Arq.º José Filipe Martins, Chefe da Divisão de Projetos. Em representação do Grupo de Cidadãos participaram a Arq.ª Isabel Anjinho, a Dr.ª Cidália Maria dos Santos e o signatário.

Dessa reunião resultou um acordo, assente nas seguintes bases:

- O monumento seria restringido à imagem de Monsenhor Nunes Pereira, comprometendo-se os Autores a apresentar, para além do material já entregue, o projeto estrutural do monumento a construir;

- O local exato da sua instalação seria definido numa visita noturna à zona, com representantes de ambas as partes;

- A oferta feita à Cidade restringir-se-ia ao projeto do monumento em si.

Este acordo veio, posteriormente a ser assumido pelo Executivo Camarário, em reunião pública, na qual foi autorizada a construção do mesmo.

NP final 2.jpg

Proposta de arte urbana. Monsenhor Nunes Pereira. Autores: José Maria Pimentel, António Monteiro, João Paulo Neves. 1

NP final 3.jpg

Proposta de arte urbana. Monsenhor Nunes Pereira. Autores: José Maria Pimentel, António Monteiro, João Paulo Neves. 2

NP final 4.jpg

Proposta de arte urbana. Monsenhor Nunes Pereira. Autores: José Maria Pimentel, António Monteiro, João Paulo Neves. 3

De seguida o Grupo de Cidadãos empenhou-se em encontrar uma entidade que, no âmbito do mecenato cultural, custeasse a construção do monumento. Depois de algumas promessas não cumpridas, acabou por se concluir pela incapacidade de conseguir tal ajuda.

A situação veio a ser desbloqueada, graças ao empenho – há que o assinalar – do assessor da Presidência da Câmara Municipal, Dr. Pedro Peixoto, que conseguiu reunir as condições necessárias para que, no passado dia 2 de setembro, pudesse informar o Grupo de Cidadãos de que havia sido inscrito, no projeto de Orçamento do Município para 2025, a verba de 20.000 € destinada à construção do monumento.

Na sequência, foi marcada para o dia 2 de outubro próximo, às 15h00, uma audiência do Grupo de Cidadãos com o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, para formalizar a entrega à Cidade do projeto do monumento a Mons. Nunes Pereira.

No decurso da referida reunião o Presidente do Executivo informou que iria apresentar, em próxima reunião do Executivo, uma proposta no sentido de o Município assumir a construção do monumento.

 

Ao chegar ao termo de um caminho, o Grupo de Cidadãos que se empenharam neste processo, tornam público o seu agradecimento:

- Ao autor da peça escultórica, o artista plástico José Maria Pimentel e aos coautores da estrutura física de suporte, arquitetos António José Monteiro e João Paulo Neves, não só pela generosidade da oferta, mas essencialmente por terem sabido entender a justeza da homenagem que a mesma consubstancia;

- À Câmara Municipal de Coimbra por assumir uma dívida que Coimbra tinha para com Mons. Augusto Nunes Pereira;

- A todos quantos, por qualquer forma, contribuíram para a viabilização deste projeto.

 

O Grupo de Cidadãos,

Ana Maria Bandeira

Armando Braga da Cruz

Cidália Maria dos Santos

Isabel Anjinho

Nuno dos Santos

Regina Anacleto

Rodrigues da Costa

Pimentel, J.M., Monteiro, A., Neves, J.P. Proposta de arte urbana. Monsenhor Nunes Pereira. 2024. Coimbra, trabalho dos Autores

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por Rodrigues Costa às 18:08

Terça-feira, 01.10.24

Coimbra: Igreja de S. José 3

Última de três entradas dedicadas à divulgação do trabalho do Doutor João Alves da Cunha dedicado à história da construção da nova igreja de S. José.

Quanto ao interior da igreja, era composto por uma só nave, precedida de um pequeno átrio interno donde se acedia também quer à escada do coro, que envolvia superiormente a nave, quer ao batistério, que se manteve junto à entrada principal da igreja, mas agora integrado no seu volume principal. Próximo da capelamor situavamse duas capelas laterais que pela sua altura e profundidade formavam um transepto com expressão suficiente para dar um cariz cruciforme à planta da igreja.

A capelamor, de remate semicircular, era envolvida pelo referido deambulatório de acesso às sacristias, cartório e outros serviços, que tinham também acesso pelo exterior.

Este corredor encontravase separado da capelamor por meio de colunas cuja base de apoio é cheia até determinada altura”. Em termos de iluminação, “A nave fica mergulhada em penumbra pelo condicionamento de aberturas laterais. A capelamor, porém, inundase de luz que lhe vem duma série contínua de aberturas que envolvem todo o deambulatório”. Quanto à torre sineira, à semelhança da proposta por Januário Godinho, situouse separada do volume principal. Ficava, no entanto, “ligada à galeria claustral envolvente, tanto para dar isolamento e capacidade à casa mortuária [situada na sua base], como também para se obter independência total de todos os elementos verticais da sua composição”.

…. Os meses passaram depressa, chegando a notícia no começo de outubro de que o projeto de arquitetura se encontrava ainda em execução. 

.... [No] mês de outubro quando Álvaro da Fonseca entregou “à consideração superior” o esperado projeto, baseado “em estudos desenhados e num estudo em vulto que em devido tempo foram apreciados pelas entidades oficiais”. A nota descritiva e justificativa pouco diferiu da apresentada no anteprojeto.

Igreja de S. José, 7.jpgIgreja de S. José, projeto. Plantas, cortes e alçados (Arq. Álvaro da Fonseca, 1953). Fonte: Arquivo da Igreja de S. José de Coimbra. Op. cit., 292

…. Pouco tempo passado, a 7 de novembro, o Diretor de Urbanização do Distrito de Coimbra enviou o seu parecer sobre o projeto ao Diretor Geral dos Serviços de Urbanização.

Igreja de S. José, 8.jpgIgreja de S. José, em construção. Fonte: http://www.diocesedecoimbra.pt/noticias/site/  paroquiadasenova:787. Op. cit., pg. 293

…. A 19 de março de 1954 teve lugar a cerimónia de bênção da primeira pedra… Apesar da receção definitiva da obra ter ocorrido a 11 de abril de 1960 … D. Manuel de Jesus Pereira, Bispo Auxiliar, sagrou a igreja no dia de S. José, a 19 de março de 1962.

Igreja de S. José, 9.jpgIgreja de S. José, após inauguração. Fonte:  https://www.pinterest.pt/pin/448248969156178023/. Op. cit., 294

Ainda despida das intervenções artísticas, a luz interior da igreja e em particular da capelamor foi então largamente elogiada.

…. Monsenhor Nunes Pereira, outra importante figura no campo da arte e da cultura, escreveu que o novo templo, “bem iluminado, é dominado pela capelamor de terminação semicircular tendo ao centro o altar de mármore e o trono sob um baldaquino dourado”.

…. A intervenção de artistas plásticos acabou por realizarse quer no exterior quer no interior da igreja. Na fachada principal colocaramse dois grupos escultóricos de dimensão quase excessiva, ambos concebidos pelo artista açoriano Numídico Bessone Borges de Medeiros Amorim (19131985): S. José com o Menino e Dois anjos com cruz. Para o interior da igreja, a escultora Maria Amélia Carvalheira (19041988) concebeu diversas peças, nomeadamente as esculturas de Nossa Senhora e de S. José com o Menino, colocadas nas capelas laterais, e a Via Sacra, obras serenas e de traço seguro.

…. Ainda no presbitério foram colocados azulejos na parte inferior das paredes, tal como nas paredes laterais da igreja e das capelas laterais, cujo teto foi ainda rebaixado em três metros.

Nesta intervenção, a pia batismal foi deslocada desde o seu local original, no batistério junto à entrada, para o altarmor.

Igreja de S. José, 10.jpg

Igreja de S. José, capelamor (1962, 1983, 2001). Fonte: Castelhano, João, Nunes, Mário, Rebelo, João José – S. José - Coimbra: 75 Anos de uma Paróquia Viva. Coimbra: Diocese de Coimbra – Paróquia de S. José, 2008; Floristán, Casiano – Para compreender a paróquia. Arquivo do autor. Op. cit., pg. 301

No âmbito da Celebração do Jubileu do Ano Santo de 2000, várias obras foram encomendadas a diferentes artistas. Nas galerias exteriores foram inaugurados dois grandes painéis de azulejos da autoria de Vasco Berardo, pintor, escultor e ceramista. Inaugurados a 7 de janeiro de 2001, tiveram como tema “Cristo” (galeria nascente) e “Maria” (galeria poente).

Igreja de S. José, 11.jpgNunes Pereira, Vitral central da Igreja de S. José. Imagem acervo RA

A 16 de junho de 2001 foi colocado no presbitério o Vitral da Ressurreição, da autoria de Monsenhor Nunes Pereira, peça figurativa dividida em três tramos, o central e principal que representa a ressurreição de Cristo, ladeado por panos mais estreitos, à esquerda com cenas da vida de Cristo e à direita com os apóstolos.

Cunha, J. A. 2019. Igreja de São José, Coimbra: história da sua construção. In: Lusitania Sacra. 39 (janeiro-junho 2019), pg. 269-302. Universidade Católica Portuguesa. Texto e imagens acedidas em: https://www.academia.edu/77771199/Igreja_de_S%C3%A3o_Jos%C3%A9_Coimbra_hist%C3%B3ria_da_sua_constru%C3%A7%C3%A3o

 

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por Rodrigues Costa às 11:22


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