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Segunda entrada sobre o trabalho do Doutor João Alves da Cunha dedicado à história da construção da nova igreja de S. José.
Uma vez escolhida a segunda orientação para a futura igreja, Januário Godinho deu início ao anteprojeto, concebendo um edifício basilical de cariz moderno.
…. Em termos formais, refira‑se ainda que ao alto e longo volume proposto, com fachada tripartida e três portais de arco parabólico voltados a sul, se ligavam outros dois elementos litúrgicos individualizados e desta forma valorizados – a alta e esguia torre sineira, do lado nascente, e o baixo e circular batistério, do lado poente. Formava‑se deste modo uma composição arquitetónica em equilíbrio assimétrico que era ainda acompanhada por um corpo linear que acomodaria diferentes atividades da paróquia e que não só definiria o adro, como também serviria de barreira entre este e o estádio.
…. Apresentado o anteprojeto durante o ano de 1947, este foi alvo de um parecer muito positivo por parte da Direção Geral dos Serviços de Urbanização.
…. o assunto da construção da igreja conheceu um prolongado silêncio, a que não terá sido alheia a morte de D. António Antunes … D. Ernesto Sena de Oliveira [o bispo de Coimbra que lhe sucedeu] … a 31 de outubro de 1949, … incluiu a construção da igreja de S. José na lista das obras prioritárias a comparticipar na sua diocese.
…. Januário Godinho trabalhou no projeto da igreja de São José até 18 de novembro de 1950. Numa extensa memória descritiva – 14 páginas –, o arquiteto apresentou e justificou as suas decisões.
…. Na sua composição sobressaía a solução simultaneamente decorativa e construtiva das paredes laterais, que a partir da altura de quatro metros seriam formadas por “uma grelhagem enquadrada nos tramos dos pilares, à maneira das construções góticas; esta grelhagem é constituída por uma série de elementos diferentes e prefabricados que, uma vez montados segundo composição cuidada, formam painel único de efeito surpreendente e variado”. De acordo com o arquiteto, pretendia‑se obter, “salvo as devidas proporções, um ambiente semelhante ao das grandes catedrais, em que o jogo de luz é o principal objetivo; neste caso, a grelhagem constitui uma estilização adequada aos tempos modernos … Quanto aos espaços vazios da grelhagem seriam fechados com vidro colorido, em tons simples e sem figuras.
Igreja de S. José, projeto. Planta, cortes e alçados (Arq. Januário Godinho, 1950). Fonte: Arquivo da Igreja de S. José de Coimbra. Op. cit., 282
…. Januário Godinho concebeu, deste modo, “uma igreja moderna que, para além da sua elevada função espiritual, possa contar aos vindouros, na medida do possível, um pouco da história da arte e da técnica de construção do nosso século”.
Igreja de S. José, projeto. Maquete (Arq. Januário Godinho, 1950). Fonte: Arquivo do autor. Op. cit., pg. 283
…. [Depois de diversos pareceres] A 10 de julho, o Diretor Geral dos Serviços de Urbanização tratou então de informar o Bispo de Coimbra da não aprovação do projeto de Januário Godinho, sendo que “Pelo mesmo despacho determinou Sua Exª [o Ministro das Obras Públicas] que se aconselhasse a entidade interessada na realização da obra, a promover a elaboração de outro estudo.
…. 28 de agosto de 1951 a ordem chegou ao Diretor de Urbanização do Distrito de Coimbra para que este diligenciasse “que o estudo do novo projeto (…) seja elaborado pelo Sr. Arquiteto Álvaro da Fonseca.
…. Foi preciso esperar até dezembro de 1952 para a apresentação do projeto por Álvaro da Fonseca. Se este mantinha várias opções da proposta de Januário Godinho – como a orientação ou o desenvolvimento longitudinal –, revelou diversas diferenças que mostravam responder às críticas que levaram à rejeição do antecessor.
Igreja de S. José, anteprojeto. Plantas e perspetivas (Arq. Álvaro da Fonseca, 1952). Fonte: Arquivo da Igreja de S. José de Coimbra. Op. cit., pg. 289
Segundo a nota descritiva de Álvaro da Fonseca “projetando-se a igreja para uma cidade de valioso passado artístico, procurou‑se conjugar os elementos tradicionais da nossa arquitetura com as orientações do presente. Assim, para a valorização das fachadas, envolveu‑se a nave por uma galeria que forma um estilizado claustro aberto e, para evitar que as zonas de serviço desequilibrassem os volumes arquitetónicos, estabeleceram‑se as mesmas em ligação com a capela‑mor, dando a sugestão dos deambulatórios tradicionais”.
Cunha, J. A. 2019. Igreja de São José, Coimbra: história da sua construção. In: Lusitania Sacra. 39 (janeiro-junho 2019), pg. 269-302. Universidade Católica Portuguesa. Texto e imagens acedidas em: https://www.academia.edu/77771199/Igreja_de_S%C3%A3o_Jos%C3%A9_Coimbra_hist%C3%B3ria_da_sua_constru%C3%A7%C3%A3o
O Doutor, em História da Arquitetura, João Alves da Cunha publicou em 2019, na revista Lusitania Sacra editada pelo Centro de Estudos de História Religiosa, da Universidade Católica Portuguesa, o relato do caminho percorrido até à edificação da atual igreja de S. José, o qual aqui relembramos.
S. José do Calhabé é uma paróquia recente na já milenar Diocese de Coimbra, criada no século VI. Constituída a 16 de julho de 1932 por Decreto do Bispo de Coimbra D. Manuel Luís Coelho da Silva, viu erguer‑se a sua primeira matriz ainda naquele ano, a igreja de S. José do Calhabé, construída com autorização aquele prelado e por ele benzida no dia 16 de outubro de 1932.
Igrejas de S. José, velha e nova em construção (c.1962). Fonte: https://www.pinterest.pt/pin/448248969154149659 . Op. cit., pg. 270
…. Situada onde hoje se encontra a faixa ascendente da Rua dos Combatentes da Grande Guerra, com orientação sul‑norte, destacava‑se na sua arquitetura a fachada com torre sineira central de influência Arte Deco. Edifício estreito e de pequenas dimensões, desde logo se considerou pouco adequado para as exigências de uma paróquia em franco crescimento … apenas sete anos volvidos, a Comissão do Culto Católico da Freguesia de S. José tenha decidido promover a construção de uma nova igreja.
A 14 de dezembro do ano seguinte apresentou o arquiteto Alfredo Duarte Leal Machado um primeiro estudo para a futura igreja de S. José do Calhabé. …No mesmo documento, o autor caracterizou a arquitetura que propunha para a igreja como “sóbria, pois as suas linhas gerais não são pretensiosas, sem, no entanto, deixarem de ser harmoniosas”. No entanto, “como esta freguesia se encontra num vale”, o arquiteto sentiu necessidade de situar à direita da fachada uma torre com 30 metros de altura. De igual modo fez questão de referir que “dentro desta simplicidade [a igreja] terá motivos enriquecidos, como seja o pórtico da entrada, todo em baixo relevos, com motivos alegóricos à vida de S. José; nas janelas e frestas, vitrais; altares e púlpitos com baixos relevos, decorados com motivos à vida do Santo que o mesmo altar representa; tanto na nave, como no transepto, como na capela‑mor levará paneaux de azulejos decorativos e pinturas alegóricas.”
… Quanto à planta da igreja, também esta foi descrita como simples, “feita como tantas outras dentro da forma Cruz Latina”. Era composta de uma grande nave central e duas laterais com três capelas cada, a que se juntavam mais dois altares nos topos do transepto.
Igreja de S. José, estudo prévio. Plantas e alçado principal (Arq. Alfredo Leal, 1940). Fonte: Arquivo da Igreja de S. José de Coimbra. Op. cit., pg. 271
…. estudo da nova igreja [foi enviado], para apreciação da Comissão de Revisão da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais que o julgou em condições “de poder servir de base a um projeto da obra que se pretende realizar”.
…. No seguimento desta proposta, Januário [Arquiteto Januário Godinho] remeteu … o estudo da nova implantação da igreja de S. José. O local escolhido situava‑se entre a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra e a Estrada da Beira, em terrenos denominados “Quinta das Alpenduradas”. Teria acesso por aqueles dois arruamentos e ainda por um prolongamento da Rua do Teodoro, sendo que a entrada principal se faria “por ampla escadaria ligada à Estrada da Beira, havendo também acesso direto pela Av. C. Grande Guerra, por rampas que descem pela encosta até à igreja … [estudo que mereceu a] concordância.
…. Fixada a localização da nova igreja de S. José no terreno inicialmente previsto pelo Plano de Urbanização – entre o estádio e a igreja então existente –, Januário Godinho desenvolveu para aquele local um estudo de implantação da igreja, que apresentou a 23 de janeiro de 1947.
…. A segunda possibilidade colocada por Januário Godinho propunha uma rotação de 90º do eixo principal da igreja [em ordem à primeira hipótese], ficando esta orientada no sentido sul‑norte. Nesta solução agrupou os vários edifícios do programa “de modo a criar um grande adro, espécie de vestíbulo aberto da Igreja”, em que “o edifício para a «Obra da Igreja» fica[va] como fundo do adro, a tapar do lado nascente as traseiras das casas com fachada para o Stadium.
Estudo para a implantação da igreja de S. José (Arq. Januário Godinho, 1947). Fonte: Arquivo da Igreja de S. José de Coimbra. Op. cit., 279
Cunha, J. A. 2019. Igreja de São José, Coimbra: história da sua construção. In: Lusitania Sacra. 39 (janeiro-junho 2019), pg. 269-302. Universidade Católica Portuguesa. Texto e imagens acedidas em:
https://www.academia.edu/77771199/Igreja_de_S%C3%A3o_Jos%C3%A9....
Segunda e última sobre a construção da linha do Norte, na sua passagem por Coimbra.
O ponto escolhido para colocação da ponte [de atravessamento rio Mondego] era uns 100 metros abaixo do escolhido por Wattier e em curva. A nova localização teve por fim, não só evitar esta curva e fazer o atravessamento em recta, como melhorar o regime do rio.
Ponte do Mondego 1. Acervo PRC
A empresa apresentara projecto de nova ponte composta de seis vãos de 31 metros cada um, apoiados nos encontros e em cinco pilares formados por colunas duplas de ferro fundido. A sua altura fora calculada de forma a deixar uma folga de 1m,27 entre o banzo inferior das vigas e o nível superior das máximas cheias.
O Conselho [de Obras Públicas] reconhece que os vãos de um viaduto, com que se quisesse ligar as duas pontes sobre o antigo e o novo leito do Mondego, seriam obstruídos, passados alguns anos, porque ficariam dentro do Choupal, onde a velocidade das diversas camadas de água é alterada pelo choque contra as árvores e, por isso, neste lugar se, deposita grande quantidade de areias; atendendo ainda a que esse viaduto seria muito dispendioso, é o Conselho de parecer que se construa separadamente uma ponte no antigo leito do Mondego, que servirá do canal de descarga, devendo ter uma secção de vasão tal que do aumento da velocidade da corrente se não origine o assoreamento dos campos.
Linha do Norte. Ponte sobre o Mondego. (Foto do Eng.º F. Gonçalves). Op. cit., pg. 332
Ponte do Mondego 2. Acervo PRC
…. A ponte projectada é de vigas de rótula de ferro laminado assentes em pilares tubulares de ferro coado cheios de betão e cravados até à rocha ou até à camada que produza pega … Os encontros são de alvenaria revestidos de cantaria, tendo por fundamento cilindros de ferro coado ligados superiormente por pequenos arcos de alvenaria.
O Conselho de Obras Públicas aprovou este tipo desde que os cilindros dos encontros fossem cravados com o maior cuidado para evitar recalques desiguais, que pudessem produzir fracturas e a argamassa feita com um bom cimento.
…. A questão era, pois, ou atravessar os dois braços do rio com um só viaduto, inconveniente que o parecer do Conselho de Obras Públicas claramente condenava, ou estabelecer duas pontes, separadas, uma sobre o leito novo, outra sobre o antigo braço do rio. É esta solução que o governo perfilha em portaria de 14 de Janeiro de 62:
«Era preferível a adopção de um local mais próximo de Coimbra para a passagem daquele rio, mas não duvida aprovar o local proposto pela empresa, uma vez que faça construir outra ponte no antigo leito, que servirá de canal de descarga...»
Voltou o Conselho a pronunciar-se em 14 de Abril de 62 e opta por que seja desviado o canal de descarga e desaterrada a espécie de ilha que separa os dois braços do rio, construindo assim uma só ponte, em linha recta, sem obrigar a diminuir o raio da curva, que liga a ponte à estação de Coimbra.
Essa ponte deveria ter, pelo menos, mais três vãos iguais aos propostos.
…. A construção, porém, de uma só ponte, ligando os dois braços de rio, e a destruição da tal espécie de ilha entre eles eram obra da tal modo dispendiosa que acabou por prevalecer a solução da portaria de 14 de Janeiro, com duas pontes, uma de 186 e outra de 95 metros de comprimento, para cada um daqueles braços do rio.
Comboio de mercadorias na ponte do rio Mondego. Foto Marc Dahlström
…. Sobre o traçado da 4.a Secção, logo em 20 de Novembro de 1860 o Conselho de Obras Públicas se pronuncia em um longo parecer … Chama a atenção para o facto de não se indicar bem concretamente o local da estação de Coimbra, a qual diz «ficaria mais bem colocada na margem direita do Mondego, próximo da ponte das Aguas das Maias, como está no projecto de Wattier, pois, ficando na margem esquerda, não só haveria que atravessar a ponte como descer ao longo do rio perto de dois quilómetros».
…Com razão, pois, dizia Joaquim Nunes de Aguiar no relatório da comissão de vistoria da linha de Taveiro a Estarreja: «A história dos nossos caminhos de ferro atesta que o governo tem perdido muito dinheiro por não ter obrigado as companhias a cumprirem rigorosamente os seus contratos.»
Abragão, F. Q. 1956. Caminhos de Ferro Portugueses. Esboço da sua história. Lisboa, Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Primeira de duas entradas dedicadas à história das decisões que levaram à chegada da Linha do Norte, à nossa Cidade.
O texto da autoria do Engenheiro Frederico de Quadros Abragão, com o título Caminhos de Ferro Portugueses. Esboço da sua história, publicado em 1956, resulta de um minucioso trabalho de investigação que nos permite conhecer as razões das opções então tomadas.
Caminhos de Ferro Portugueses. Esboço da sua história, capa
Cumpre, ainda, agradecer a Jacinto Gil, membro do grupo no Facebook "Comboios Nacionais", pela ajuda na pesquisa das imagens aqui reproduzidas.
Passado Pombal, segue [a Linha do Norte] o vale do rio Soure até à sua confluência com o Mondego. Perto de Alfarelos, entra no vale deste rio, seguindo na margem esquerda até às proximidades de Coimbra, onde o atravessa em duas pontes, ficando a estação a 1500 metros do centro da cidade.
Aqui terminava a 3.ª Secção, com 47,694 metros.
Em 14 de Junho de 1861, o Conselho de Obras Públicas emitira parecer acerca do traçado da linha do Norte entre Pombal e Coimbra, segundo as alterações apresentadas pela empresa construtora.
Esta propunha-se seguir a diretriz de Wattier [projetista da obra de construção da linha], em conformidade com o disposto no contrato, mas com as modificações que dizia aconselhadas pela experiência.
As variantes apresentadas tinham por fim assentar o caminho de ferro em terrenos firmes, livres das cheias do Mondego, evitar a passagem da linha por vales estreitos e escabrosos, diminuir as declividades e uma grande extensão de alinhamentos curvos e procurar a aproximação do porto da Figueira. Em Formoselha estabelecer-se-ia uma estação que serviria as povoações de Granja do Ulmeiro (futuro Alfarelos), Formoselha, Santo Varão e Pereira, servindo ainda Montemor, S. Lourenço e mais povos à direita do Mondego.
Em consequência da vila de Pereira ocupar a encosta desde a beira do Mondego até ao cimo do monte, foi forçoso atravessá-la com o caminho de ferro.
O traçado proposto pela empresa passava junto de Soure como o de Wattier; depois, na Granja do Ulmeiro e Formoselha e na povoação de Arzila e iria atravessar o Mondego junto ao Almegue (?), 100 metros mais abaixo do que o traçado primeiro previsto.
A planta deste traçado satisfaz as boas condições técnicas: curvas de grande raio, alinhamentos retos bastante longos e terreno o menos submersível pelas cheias que se pode obter. Porém a passagem do Mondego tem o inconveniente de forçar uma grande parte desta secção a ficar em terreno inundado e obrigar a estação de Coimbra a estar 200 metros mais adiante do que devia.
Estação de Coimbra primitiva. Acervo RA
Estação de Coimbra primitiva. Fotografia Arséne Hayes. Acervo RA
Com pequenas alterações em perfil e na implantação da estação de Coimbra, e outras de pormenor, o Conselho de Obras Públicas julga aceitável a variante proposta pela empresa construtora.
E, com efeito, o traçado é aprovado em portaria de 8 de Julho seguinte, nos termos daquele parecer.
A ponte de Arzila, no troço entre Alfarelos e Coimbra, tem dois vãos de 21,70 metros.
Abragão, F. Q. 1956. Caminhos de Ferro Portugueses. Esboço da sua história. Lisboa, Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Uma notícia, não assinada, publicada na edição de 19 de dezembro de 2004 do jornal Público, referencia a existência, na cave da antiga livraria Coimbra Editora, de vestígios arqueológicos – um trecho do fosso que integrava o sistema defensivo da cidade, silos árabes entulhados de cerâmicas e de fragmentos de alcatruz cerâmico – que julgamos relevantes para todos quantos se interessam pelas coisas de Coimbra.
A esta notícia acrescem documentos que nos foram disponibilizados que referem a realização em 2004, de uma reunião nos Paços do Concelho que teve por objetivo «aferir/otimizar a melhor solução para o fosso», na qual foi autorizado «um corte de 0,80m paralelo à parede sul, ao nível da cave» e, ainda, «um rebaixamento do coroamento do fosso no máximo de 0,34m».
“Acordo/autorização” que permitiu que os vestígios então encontrados sumissem parcialmente e os que restavam fossem seriamente mutilados.
Vestígios mutilados que a Livraria em ordem aos quais a Livraria Coimbra Editora. Ld.ª criou condições mínimas para a sua visualização.
Porta da Barbacã e fachada lateral do prédio, ainda com letreiro da Coimbra Editora. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https …
Logotipo da Coimbra Editora, colocado na frontaria das suas antigas instalações, na Rua do Arnado. Imagem acedida em: https://observador.pt/2020/09/22/coimbra-editora-cessa-atividade-ate-ao-fim-do-mes/
À declaração, no final de 2015, da insolvência da Coimbra Editora. Ld.ª, seguiu-se a compra do imóvel pela empresa Gomes & Góis, Ourives e Joalheiros que continuou a facilitar a visualização do que restava das descobertas feitas.
Porta da Barbacã e fachada lateral do prédio, com letreiro da empresa Gomes & Góis. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&mediaurl=https
Recentemente, o imóvel voltou a ser vendido agora, segundo parece, a uma empresa estrangeira da área da restauração. Atualmente o edifício está encerrado, não sendo conhecidas informações seguras quanto a futura utilização do mesmo.
Os factos referidos, levaram-nos a refletir sobre o assunto e a voltar a uma questão que, desde há longos anos, tenho procurado interessar Coimbra, a qual resumo colocando as seguintes interrogações.
Será que Coimbra não merece um núcleo museológico dotado das condições técnicas de exposição hoje disponíveis, destinado a dar a conhecer a história milenar da urbe?
Será que o edifício onde durante tantos anos esteve instalada a Livraria Coimbra Editora e que possui ainda, no seu subsolo, alguns vestígios arqueológicos ligados aos primórdios longínquos da existência do burgo não seria o local mais adequado para nele se instalar esse núcleo?
Será que a civitas irá assistir sem um arrepio a que, dos vestígios arqueológicos ali descobertos, nada mais reste do que um conjunto de documentos esquecidos nos arquivos?
Será que interessa a Coimbra que, num local tão nobre, seja dada prioridade à abertura de mais uma venda de pizas ou de “artesanato”?
É para esta reflexão que convoco todos os que amam Coimbra.
Texto do artigo
Livraria Coimbra Editora. Instituto Português de Arqueologia e o Instituto Português de Património Arquitetónico tem opiniões distintas quanto à conservação do achado.
A remodelação da Livraria Coimbra Editora, implantada junto à Cerca e Portas de Almedina, em Coimbra, desvendou importantes tesouros do passado, mas um achado inédito – um fosso do sistema defensivo da cidade – ... Presumivelmente do período medieval, essa vala escavada na rocha, que ainda conserva uma profundidade de cerca de dois metros e meio, é um achado único em Coimbra. Embora apareça vagamente referenciada em documentos antigos, nunca tinha sido encontrada.
Para o IPA, sendo o fosso parte integrante do sistema defensivo de Coimbra, e encontrando-se este classificado como monumento nacional desde 1910, através da Cerca e das Portas de Almedina, deverá ser preservado e musealizado.
Mas o IPPAR, que tutela os monumentos nacionais, a 12 de novembro último deu parecer favorável à reformulação do projeto de arquitetura do dono do imóvel, autorizando o “desmonte de um trecho do fosso, salvaguardando o princípio da conservação pelo registo cientifico” … na prática, isso consistiria na destruição de uma parte significativa deste troço de fosso com a colocação no piso da cave de uma espécie de tampa amovível para que uma pequena parte pudesse ser observada...
Tesouros do passado
Além do troço do fosso, as obras de remodelação da livraria desvendaram no subsolo da cave outros tesouros do passado, considerados de grande importância para o conhecimento da ocupação da cidade de Coimbra.
“Naquela cave conseguimos percorrer a história de Coimbra, desde o século VIII até à atualidade”, comentou Costa Santos. Aí foram descobertos antigos silos árabes entulhados com cerâmicas e moedas de várias épocas, e ainda fragmentos de alcatruz cerâmico que cronistas norte-africanos diziam existir no vale do rio Mondego.
Várias peças cerâmicas de uso doméstico, algumas delas do período árabe, foram recolhidas quase intactas, e os arqueólogos admitem que ainda será possível a reconstituição de outras através da colagem de fragmentos. Três dos quatro silos foram destruídos durante as obras, após o seu registo científico … O silo conservado, semi-incrustado numa parede do edifício, será futuramente convertido em suporte expositivo da livraria. Igualmente a parte de uma das torres das portas da cidade aí descoberta, que Costa Santos julga datadas do século XIII ou XIV, ficará visível aos utentes da livraria, em consequência das adaptações ao projeto original de remodelação.
Publico, jornal. 2004. Achados Arqueológicos em Livraria Opõem Entidades em Coimbra. Texto acedido em: http://jornal.publico/2004/12/19/LocalCentro/LC03.html
Tivemos, recentemente, acesso a um conjunto de documentos que permitiram conhecer a existência de vestígios arqueológicos romanos relevantes para a história da nossa Cidade. No entanto, mais uma vez, o camartelo do “progresso”, a fim de construir o anfiteatro da Faculdade de Direito, sumiu-os e reduziu-os a meros documentos, mais ou menos amarelecidos pelo tempo, que jazem inertes, apenas vivos para quem os pretenda consultar, num dos inúmeros arquivos estatais.
Relatório das escavações de emergência realizada nas imediações da alcáçova de Coimbra 1997 (finais de junho e julho de 1997)
... As sondagens praticadas pontualmente revelaram níveis amplamente remexidos, observação confirmada pelos sequentes trabalhos arqueológicos.
Na fase terminal dos trabalhos mecânicos, o empreiteiro resolveu dar um arranjo um pouco mais cuidado à zona concretizado numa limpeza geral, no aplainamento das superfícies, e nas barreiras limítrofes ao fosso destinado a receber o anfiteatro.
…. Este tipo de trabalho foi determinante no revelar ocasional de estruturas da ocupação romana - muros e pavimento de opus signinum.
Embora imprevisível, não foi surpresa. Inexplicável seria se nada de romano existisse a poucos metros da cintura do que foi a acrópole romana.
A ocorrência de vestígios romanos verificou-se em dois locais no corte oblíquo do lado oeste, quando os trabalhos de remoção de terras se encontravam no seu termo.
….
O edifício do séc. XVI
No séc. XVI, a zona conheceu uma fase de desenvolvimento urbano. Pelas estruturas existentes à superfície e muros que surgiram após a decapagem mecânica da área do futuro anfiteatro de Direito é possível apreender a evolução do sector. Confirma-se que, nalguns pontos, nomeadamente até à rocha, as construções anteriores são arrasadas.
Um grande edifício aparece então (Fig. 3) com uma sólida construção.
Fig. 3. Op. cit.
… O edifício, que conservava uma altura de cerca de 10m, foi agora arrasado com exceção do muro meridional, hoje parcialmente encoberto pela rampa que descai para a R. Guilherme Moreira;
…. Assim o edifício afeto a um plano retangular fecha a poente a área que … revela ser um espaço essencialmente aberto para o interior.
As evidências arquitetónicas, a fachada contrafortada … levam a aparentá-lo cronologicamente com a imponente colunata levantada a Este, que o contexto convida a pôr em relação com as transformações efetuadas na zona no séc. XVI.
Fotografia anexa ao documento transcrito
O edifício foi a certa altura parcialmente abandonado ou melhor, transformado em instalações para a Faculdade de Farmácia, em data que não podemos precisar. Estas instalações viriam a ser demolidas no plano de trabalhos da cidade universitária.
As estruturas romanas
Analisemos as estruturas que se identificam com a época romana.
A zona compreendida entre o grande edifício e a arcada quinhentista, a meia encosta, sobre o afloramento rochoso, revelou a presença de estruturas romanas, que, após a remoção da terra até ao aparecimento do nível do muro 6, foram objeto de “escavação”.
Fotografia anexa ao documento transcrito
…. Três muros perpendiculares ao muro 6, com dimensões mais reduzidas, dirigem-se para ocidente. O primeiro muro, 9, determina o canto nordeste e termina sobre o afloramento rochoso com pouco mais de 2,00 metros de comprimento.
Forma com o muro 8, uma pequena divisão, apontada como D5, parcialmente talhada na rocha, de pavimento térreo. O segundo muro, 8, forma o angulo nordeste da divisão D4, com 8,30m de comprimento e 4,9m de largura. A partir de 3m, testemunha algumas transformações no tipo de construção, passa a ser construído de pedras soltas dispostas muito irregularmente, provavelmente impostas como acrescentos ou transformações efetuadas em época tardia. O terceiro muro, 7, também de boa qualidade, com 0,5m de largura, mediano das divisões D4 e D3 apresenta um pavimento de opus signinum reduzido a uma pequena porção danificada pelo muro 4.
…. Pelo tipo construtivo da canalização poder-se-á definir a sua funcionalidade? Destinar-se-ia a evacuar as águas pluviais ou teria servido de alimentação a fontenário ou tanque? Na primeira hipótese é preciso supor que a recolha das águas pluviais, nesta situação à profundidade de 1m, se fazia por um sistema de caixas de esgoto das quais não se notam quaisquer vestígios e com este fim não parece lógico o acabamento do fundo da canalização em opus signinum com ligeira elevação do lado direito, tipo meia cana. O género de acabamento pressupõe uma conduta de águas limpas para alimentar qualquer reservatório.
…. O vestígio mais significativo é o opus signinum muito bem conservado com uma área aproximada de 20m2 e com 0,12m de espessura.
…. O conjunto de estruturas é muito pouco significativo, pelo que os dados cronológicos recolhidos na zona ocidental da alcáçova são raros. Apenas o elenco dos fragmentos do mobiliário cerâmico em confronto com as diversas concordâncias estratigráficas confinadas às prospeções e “escavações”, são elementos suscetíveis de abordar, com alguma reserva, a sua cronologia.
…. A destruição das estruturas romanas deve ter sido efetuada no séc. XVI com a implantação, nesta época, do outro imóvel descrito.
Auditório da Faculdade de Direito. Foto de José Manuel Alvarez Ilarri. Acedida em: https://www.google.pt/search?q=coimbra&sca_esv=2a19a3414e05e997&sxsrf...
Pinto. A.N. Relatório das escavações de emergência realizada nas imediações da alcáçova de Coimbra 1997.
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