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Como sabemos, nos conventos, era comum a confeção de doces e bolos, destinados ao uso da comunidade, em alturas festivas e como forma de rendimento, ou seja, para venda. … Do convento de Santa Ana registámos o fabrico de algumas iguarias: as amêndoas, o arroz doce, o arroz de leite, a aletria, o bolo de São Nicolau, os bolos de Natal, as famosas arrufadas, os também afamados “bolos de Sant’Anna”, os sonhos, a marmelada, os doces de pêssego, de ameixa, de pera e de chila.
Arrufadas de Coimbra. Imagem acedida em: https://amodadoflavio.pt/2017/07/doce-tradicional
Na botica de Santa Ana, questionamo-nos sobre o motivo pelo qual despenderam valores tão elevados no doce de chila. Se nos fundamentarmos no seu valor nutritivo, a chila apresenta um alto conteúdo em vitamina C. às suas propriedades nutritivas é necessário acrescentar o seu alto conteúdo em fibras, em água e em potássio e baixo conteúdo em sódio, pelo que o seu consumo é recomendável no caso da retenção de líquidos, transtornos renais, cardiovasculares ou hipertensão arterial. Na época em que situamos o nosso estudo, sabemos que no hospital de Caminha, o doce de chila era dado a doentes que sofriam de gastro-hepatite e tísica pulmonar.
No grupo dos alimentos mais utilizados temos também o leite, frequentemente de burra, ficando em terceiro lugar na hierarquia das despesas, com um total de 11.520 reis
… O leite e, particularmente, o de burra, pelo seu alto valor nutritivo, era ministrado a pessoas debilitadas. Ao possuir uma consistência espessa e açucarada era aplicado em pomadas para feridas e doenças de pele, revelando-se um excelente cicatrizante. Entrava também na composição de soros para medicamentos, utilizado em moléstias crónicas do peito, do intestino, na gota e nas epilepsias.
“O leite, na altura, representava ainda um dos produtos mais unanimemente recomendado para os tísicos (tuberculosos), havendo na comunidade de físicos do tempo a crença que o seu soro mundifica as chagas do pulmão”.
Mas não era só para tratar a tuberculose que o leite de burra era quase obrigatório. Era-o também para uma série de outras enfermidades, como distúrbios gástricos, “pela sua facilidade de digestão, nas cistites, por amenizar a dor durante a micção, nas dores intestinais, por facilitar a cicatrização de fissuras do intestino, nas febres, porque refrescava, mas também na paralisia, nos espasmos ou no catarro”.
… Mas as terapêuticas mais usadas no convento de Santa Ana eram, indubitavelmente, feitas através das sanguessugas, também designadas pelas religiosas por bichas ou bissas.
“Bissas” ou sanguessugas. Imagem acedida em:https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=5718OTKw&id
.… A ideia corrente era a de que este verme extraía o sangue que tinha toxinas ou elementos deteriorados, que se acumulavam nos vasos sanguíneos e nos músculos enrijecidos, causando doença. Outra função prendia-se com os casos de gangrena, visto que a sua função sugadora forçava o sangue a circular, ajudando a manter as células vivas. O recurso a sanguessugas também era utilizado para a cura da pleurisia e da sífilis.
Prática da sangria. Imagem acedida em: https://www.medicina.ulisboa.pt/newsfmul-artigo/115/tratamentos-medicos-aplicados-ao-longo-da-historia
A sangria era uma técnica muitíssimo usada nos séculos, XVII, XVII e XIX. Consistia na abertura de uma veia com uma lanceta, para deixar sair o sangue “causador de moléstia” e era aplicada, geralmente, quando ocorria uma inflamação seguida de febre. Mas esta não era a única forma de sangrar o doente, já que nos casos em que houvesse dificuldades para encontrar uma veia ou o estado do paciente fosse demasiado debilitado, eram usadas as sanguessugas.
… Será igualmente de relevar a utilização de açúcar para remédios que no Convento de Santa Ana nos aparece em terceiro lugar no total das despesas, ou seja 7.592 reis. Nestes casos, o que a escrivã regista é muito claro: “Despendi 6 arrateis de açucar para remédios 780 reis”, ou “Despendi em 8 arrateis de açucar para remédios 1000 reis”, em 186058. Portanto, não há qualquer dúvida que seria consumo de botica.
…. O açúcar, a marmelada, o mel eram usados particularmente na confeção de medicamentos. “O açúcar chegou a ser considerado, no século XVII, uma especiaria de luxo e só após o incremento do seu cultivo na América do Sul é que passou a ser acessível a todas as classes sociais; na alimentação veio substituir o mel e na medicina era tido já por Galeno como elemento essencial da farmacopeia”. Nos registos de boticas, encontram-se referências a açúcar rosado, levado “em ponto” com pétalas de rosas. Era recomendado especialmente para diarreias e disenterias, mas também para problemas respiratórios.
Sousa, D. Comer e curar no Convento de Santa Ana de Coimbra (1859 a 1871). Texto acedido em: https://www.academia.edu/116755957/Comer_e_curar_no_Convento_de_Santa_Ana_de_Coimbra_1859_a_1871_?email_work_card=title
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