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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 30.05.24

Conversas Abertas: O Instituto de Coimbra, Academia Científica e Literária

É já amanhã, 6.ª feira, que no Arquivo da Universidade de Coimbra, partir das 18h00 que irá decorrer mais uma Conversa Aberta, esta dedicada à história do Instituto de Coimbra.

CA. 31.05.2024, folha de sala.jpgFolha de sala

A atividade desta academia ao longo dos anos reflete o pensamento de cada um dos seus presidentes, que foram personalidades influentes da história nacional, de Adrião Forjaz Sampaio a Orlando de Carvalho, passando por Bernardino Machado, Francisco Miranda da Costa Lobo e muitos outros. O Instituto ocupou diferentes espaços da Alta de Coimbra, dispondo de salas de reunião, uma biblioteca e gabinete de leitura e, a certa altura, um museu de antiguidades.

A revista O Instituto foi uma das revistas científicas portuguesas de maior longevidade, com 141 volumes publicados entre 1852 e 1981.

A palestrante será a Doutora Licínia Rodrigues Ferreira, Técnica Superior na Divisão de Promoção da Qualidade da Reitoria da Universidade de Coimbra.

Licinia-Ferreira-926.jpg

Licínia Rodrigues Ferreira. Imagem acedida em https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid...

Como é habitual a entrada é livre e após a apresentação do tema, segue-se um tempo em que todos os participantes são convidados a apresentar os pedidos de esclarecimento que julguem relevantes.

CA. 31.05.2024, cartaz.jpgCartaz

Pedimos ajuda de todos na divulgação deste evento.

Obrigado.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 13:08

Terça-feira, 28.05.24

Coimbra: S. Teotónio e o seu priorado do Mosteiro de Santa Cruz 3

Terceira de cinco entradas sobre o trabalho do Doutor Jonathas Ribeiro dos Santos Campos de Oliveira que vimos divulgando.

É interessante perceber o silêncio que a Vita Sancti Theotonii faz desse período de tensões. De acordo com a obra, omitindo qualquer conflito, menciona que o corpo fundacional do Mosteiro estaria firmado na autoridade de Afonso Henriques e do «uenerabilis» bispo de Coimbra Bernardo. Partindo desta divergência entre os escritos, é razoável trabalhar com a hipótese de a Vita teotoniana, produzida em data posterior à Vita Tellonis, em 1162-63, intentar esvaziar do discurso narrativo possíveis tensões existentes na fase inicial da canónica crúzia, dado a proximidade existente entre ambas no momento de produção da obra. Em data anterior, 1154-55, em virtude do recente período de atrito verificado, e/ou por possíveis interesses que fogem ao nosso entendimento agora, Pedro Alfarde teria achado por bem mencioná-los em sua obra.

Igreja de Santa Cruz. Interior antigo 01.jpg

Igreja de Santa Cruz, interior na segunda metade do séc. XIX, Acervo RA

A ida de D. Telo e seus associados imediatos ao papado para solicitar a isenção teria, no raciocínio de Erdmann, também trazido frutos ao bispado coimbrão, tendo o Pontífice concedido a proteção da Santa Sé à comunidade, face os interesses compostelanos. Em troca, segundo o autor, o Vigário teria pedido ao Infante uma proteção especial em favor de Santa Cruz de Coimbra.

…. Nos primeiros anos da Canónica agostiniana, a busca por material escrito que servisse às necessidades religiosas do Mosteiro também teria sido uma das iniciativas tomadas pelo corpo fundador. “Telo e os seus companheiros, ao reunirem-se em comunidade, tinham necessariamente de prover à constituição de uma biblioteca que permitisse responder às obrigações da vida regrante [...]”. O mosteiro franco de São Rufo de Avinhão, neste particular, teria sido um dos contribuintes iniciais para a constituição do património escrito da canónica agostiniana. Dele teria vindo, para além da própria inspiração da vida regular, o «Ordinário» (Liber Ordinis, de Letberto), o «Capitulário», «Antifonário», comentários bíblicos de Agostinho de Hipona (sobre o Génesis, João, Mateus e Lucas) e Ambrósio (o Exameron e o De Penitentia), a «Regula Pastoralis de Gregório Magno e um comentário de Beda, o Venerável, sobre Lucas.

Cathedrale_avignon.jpgIgreja de São Rufo de Avinhão. Na atualidade. Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/w/index.phpsearch=igreja+de+S%C3%A3o+Rufo+de+Avinh%C3%A3o&title=Especial:Pesquisar&ns0=1&quickView=Arquidiocese+de+Avinh%C3%A3o

Desta forma, ao longo de três etapas de contactos com o mosteiro que lhes servia de modelo, em 1135, 1136-1137 e 1139-1140, Santa Cruz adquiria os textos das regras, constituições, diretórios litúrgicos e doutrinas patrísticas que lhe permitiam completar, internamente, a sua estruturação e conduzir a sua orientação doutrinal. À fundação do «armarium», acrescentava-se este importante núcleo do que mais tarde haveria de ser a sua livraria.

Com isso, ao que tudo indica, a primeira década de vida do Mosteiro seria marcada pela aquisição de um patrimônio teológico-literário que, mesmo ainda incipiente, foi suficiente para o desenvolvimento das atividades iniciais da Casa regrante. Este, progressivamente, teria aumentado durante o priorado de D. Teotónio (1132-1162), fruto também da própria hipertrofia sofrida pela comunidade crúzia no período, que teria expandido sua órbita de influência e, consequentemente, a capacidade de aquisição e a necessidade de produção de novas obras.

Para esse crescimento exponencial, teria concorrido uma série de fatores, dentre os quais damos mais destaque aos possíveis interesses nutridos e consequente intervenção da monarquia Portucalense na dinâmica dos Regrantes agostinianos, das famílias nobiliárquicas de Coimbra e da própria Sé Apostólica.

No que diz respeito a Afonso Henriques, a transferência feita em 1131 da sede administrativa da cidade de Guimarães para Coimbra, efetuada no mesmo ano de fundação do mosteiro de Santa Cruz, dão indícios de uma iniciativa não desinteressada.

D._Afonso_Henriques_O_Conquistador.jpgAfonso Henriques. Imagem acedida em https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_Henriques

 …. Afonso Henriques teria encontrado na cidade de Coimbra o ambiente favorável para poder exercer suas ações com mais liberdade face à condição sob a qual se encontrava em Guimarães. A possibilidade de desempenhar maior capacidade de decisão política, entre outros, surgia como atrativo, frente ao que, sob as limitações da própria lógica de organização local, encontrara no entre Minho e Douro. No Mondego, também, se colocaria em posição geográfica mais estratégica para melhor empreender seus avanços militares e veria reconhecido, pela aristocracia regional, seu papel de proeminência.

…. Em linhas gerais, a Casa crúzia viria em auxílio, como agente legitimador, através do discurso cristão, às investidas militares do monarca portucalense contra os “inimigos” da Sé Apostólica. Assim, ao passo que o exército afonsino avançava sobre seus “oponentes”, o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra garantia - discursivamente - o apoio divino nas batalhas.

…. É este o intento que a literatura coimbrã da segunda metade do século XII parece querer transmitir. De acordo com a «Chronica Gottorvm», por exemplo, escrita no final do século XII,

Oliveira, J.R.S.C. A Cidade de Coimbra e o Mosteiro de Santa Cruz no Século XII. Reflexões sobre o Priorado de S. Teotónio. 2017. In: Acedido em: 

https://www.academia.edu/38218646/A_CIDADE_DE_COIMBRA_E_O_MOSTEIRO_DE_SANTA_CRUZ_NO_S%C3%89CULO_XII_REFLEX%C3%95ES_SOBRE_O_PRIORADO_DE_D_TEOT%C3%94NIO?auto=download&email_work_card=download-paper

 

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por Rodrigues Costa às 16:54

Sexta-feira, 24.05.24

Conversas Abertas: O INSTITUTO DE COIMBRA, ACADEMIA CIENTÍFICA E LITERÁRIA

É já de hoje a 8 dias – na próxima 6.ª feira, dia 31 de maio, às 18h00 – que no Arquivo da Universidade de Coimbra se realizará a antepenúltima Conversa Aberta do ciclo deste ano.

CA. 31.05.2024, cartaz.jpg

Conversa Aberta de 31 de maio de 2024, cartaz

Será dedicada à descoberta da história do Instituto de Coimbra, uma instituição a caminho de ser bicentenária – foi fundada em 1852 - e hoje demasiado desconhecida.

Daí a importância de lembrar à Urbe Conimbricense, o papel muito relevante que, ao longo dos seus 172 de existência, desempenhou em prol da divulgação do desenvolvimento científico aqui ocorrido, bem como na dignificação da nossa Universidade e, concomitantemente, da Cidade.

Será palestrante a Doutora Licínia Rodrigues Ferreira.

CA. 31.05.2024, folha de sala.jpg

Conversa Aberta de 31 de maio de 2024, cartaz

A todos solicito a ajuda que for possível na divulgação desta Conversa Aberta.

Obrigado.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 16:29

Quinta-feira, 23.05.24

Coimbra: S. Teotónio e o seu priorado do Mosteiro de Santa Cruz 2

Prosseguimos na divulgação do estudo do académico brasileiro Doutor Jonathas Ribeiro dos Santos Campos de Oliveira, sobre a problemática da construção do Mosteiro de Santa Cruz e do papel fundamental de S. Teotónio no seu desenvolvimento inicial.

A partir do que a documentação nos permite perceber e do que a historiografia frequentemente destaca, a primeira década de vida da canónica crúzia foi marcada pelas transformações que teriam estabelecido os alicerces da experiência regrante no Condado.

Pensamos ter sido, esta, tanto uma fase em que o Mosteiro buscaria dissociar-se em relação ao bispado local, quanto de estruturação da base sobre a qual a conduta moral dos cónegos se assentaria, sendo para ela buscados os mais diversos referenciais.

Em relação ao bispado coimbrão, salienta Morujão que «Almost immediately a tense relationship developed between the monastery and the see, since the monastery had been founded by clerymen who had abandoned the cathedral chapter to join the new institution and consequently the Crucians tried to evade the episcopal authority».

A necessidade de desvinculação em relação ao bispado teria como raiz, segundo a «Vita Tellonis», a oposição levantada pela diocese, que exigia a confeção em seu favor de um testamento tanto do local quanto do Mosteiro, isto é, que o lançasse como património diocesano. Com isso, vendo a possibilidade de ter sua liberdade cerceada, mantendo-se sob a tutela do bispo local, D. Telo e seus companheiros teriam recorrido à Santa Sé.

Nessa iniciativa, teriam eles buscado o reconhecimento fundacional da Comunidade, bem como a devida proteção face o episcopado coimbrão, gerando assim, de Inocêncio II, em 1135, três bulas: a Desiderium quod, que garantia o amparo da Sé Apostólica ao Mosteiro; a Quod personam e a In Beati Petri cathedra, as quais recomendavam tanto a Afonso Henriques quanto ao bispo de Coimbra os cónegos crúzios. Segundo a Vita Tellonis faz notar, seria a partir de tais disposições que o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra teria conquistado a isenção em relação ao bispo da cidade, estando, assim, diretamente subordinado à Sé romana.

Pope_Innocent_II_–_Santa_Maria_in_Trastevere.jpg

Inocêncio II, papa. Detalhe de um mosaico na basílica de Santa Maria em Trastevere de Roma (c. séc. XII). Imagem acedida em https://es.wikipedia.org/wiki/Inocencio_II

A controvérsia entre D. Bernardo, bispo de Coimbra, e a Comunidade de cónegos regrantes de Santo Agostinho, para além das questões antes citadas, teria se estendido também sobre outros assuntos. De acordo com o que narra Pedro Alfarde sobre o supracitado bispo, ele vendia bens eclesiásticos às escondidas, motivo pelo qual os Regrantes teriam se recusado a serem ordenados por ele. Tal desconfiança, prossegue o autor, teria levado os cónegos a solicitarem a presença do arcebispo de Braga, D. João Peculiar (1138 – 1175), para promover a ordenação. Como resultado, D. Bernardo, [...] tomado de fúria insana, contra as determinações em contrário, procurava impedir os fiéis [sic] que podia de nos entregarem [ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra] benefícios, quer nas coisas eclesiásticas que acaso possuíssem quer no direito civil. Por isso, até algumas das nossas igrejas reteve para si durante bastante tempo [...].

Livro Santo S. Cruz.jpg

Livro Santo começado no ano de 1155 que contem entre outras a transcrição da Vita Tellonis. Acedido em https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4614123

 …. Em linhas gerais, a contenda mais incisiva envolvendo a diocese coimbrã e o mosteiro de Santa Cruz teria durado, pelo menos, até que dois bispos, questionados pelas suas condutas, deixassem de ocupar seus cargos: o já citado D. Bernardo, que morrera em 1146, e seu sucessor, D. João Anaia (1147-1155), cuja demissão fora forçada em 1155.

Mosteiro de S. Cruz,  Claustro do Silêncio, tumul

Mosteiro de S. Cruz, claustro do Silêncio, tumulo de D. Miguel Pais Salomão. Imagem acedida em: https://en.wikipedia.org/wiki/Miguel_Pais_Salom%C3%A3o#/media/File:Tomb_-_Cloisters_-_Mosteiro_de_Santa_Cruz_-_Coimbra,_Portugal_-_DSC09710.jpg

Após este período, o bispado teria ficado vacante por sete anos até que um regrante crúzio, D. Miguel Pais Salomão (1162-1176), o ocupasse.

Oliveira, J.R.S.C. A Cidade de Coimbra e o Mosteiro de Santa Cruz no Século XII. Reflexões sobre o Priorado de S. Teotónio. 2017. In: Acedido em: https://www.academia.edu/38218646/A_CIDADE_DE_COIMBRA_E_O_MOSTEIRO_DE_SANTA ...

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:55

Terça-feira, 21.05.24

Coimbra: S. Teotónio e o seu priorado do Mosteiro de Santa Cruz 1

Esta e as subsequentes entradas, têm a curiosidade de serem extraídas de um estudo do historiador brasileiro, Jonathas Ribeiro dos Santos Campos de Oliveira, Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, no qual se debruça sobre a problemática da construção do Mosteiro de Santa Cruz e do papel fundamental de S. Teotónio na concretização desse projeto de tanta relevância não só para a Cidade, mas também para a consolidação do País que somos.

De acordo com a Vita [Vita Tellonis, de Pedro Alfardo] no ano de 1131 da Incarnação do Senhor [...], o arcediago Telo, agregando a si uma falange de homens de primeiro plano em número igual ao dos doze Apóstolos, começou a lançar os fundamentos do mosteiro de Santa Cruz nos arrabaldes de Coimbra.

A comunidade foi estabelecida extramuros da cidade, no lugar conhecido como “Banhos Régios”, próxima ao que fora a judiaria.

mosteiro de S. Cruz. Hoefnagel. 1598, pormenor.jpgMosteiro de Santa Cruz,. Hoefnagel. 1598. Pormenor

Conforme a narrativa, D. Telo, após alguma procura, teria conseguido o local de fundação a partir de uma troca feita por Afonso Henriques, em troca de uma sela de propriedade do clérigo.

Chegou, pois, o tempo de Deus decidir dar cumprimento ao voto formulado pelo presbítero. Comprara ele [D. Telo], casualmente, mas não sem intervenção de Deus, em Montpellier, uma sela, tal é o termo em língua vulgar, que era muito bem trabalhada e era mais que excelente para montar a cavalo. Certo dia, em que o arcediago seguia montado numa mula pela porta de Coimbra e caminhava como habitualmente pela rua Régia aperceberam-se dela os cortesãos que notaram o seu bom recorte. Alguém de entre os conselheiros deteve a atenção na sua elegância e propôs ao Infante que pedisse ao arcediago para lhe dar. Sem demora, satisfaz ele o pedido, sugerindo em troca a oferta dos Banhos Régios ao fundo da Judiaria.

…. [Na] Carta de couto a Paio Guterres (cabalo, praetio e vaso de planta), no fragmento em que faz a doação dos Banhos Régios, menção alguma é feita à sela.

…. a carência documental da qual dispomos e/ou de estudos que nos permita desenvolver melhor essa possibilidade, encerram em seu posicionamento a nossa opinião.

…. Tendo sido preterido na sucessão episcopal, D. Telo, algum tempo depois, teria encontrado ambiente favorável às suas pretensões após receber a já referida doação, por parte de Afonso Henriques, da área denominada de “Banhos Régios”. Ele também, segundo a obra, comprou do bispado um horto nas proximidades, local este que dispunha de uma fonte.

Vale salientar que o intento fundador de D. Telo não se fizera sem que houvesse para tal opositores. A iniciativa de fundar uma comunidade regrante, tendo como referencial a vida apostólica, teria, no período, alimentado uma crescente rivalidade com os membros do cabido de Coimbra.

…. Assim, a 28 de junho de 1131, após ter conquistado um espaço propício e ter reunido determinado número de adeptos à proposta, nos arredores da cidade de Coimbra, teria sido fundado o mosteiro de Santa Cruz. A arquitetura, baseada nos moldes românicos, teria ficado a cargo de mestre Roberto, um franco de Auvergne, que trouxe inovações estruturais, inaugurando aquilo que os historiadores chamam de “segundo período do românico coimbrão do século XII”.

Mosteiro de Santa Cruz, torre.jpgTorre de S. Cruz. Acervo RA

Igreja de Santa Cruz. Interior 03.jpg

Igreja de S. Cruz, interior. Imagem João Santos, acedid em www.facebook.com/jpphoto 

Iniciava-se, com isso, no ocidente ibérico, mais propriamente no Condado Portucalense, a experiência religiosa comunitária cujo referencial se baseava na Regra agostiniana. Tendo sido promovida a construção do Mosteiro em 1131, como antes vimos, suas atividades, de acordo com a narrativa, só teriam se iniciado em 1132, sendo eleito como seu primeiro Prior-mor, D. Teotónio, um dos fundadores.

 Oliveira, J.R.S.C. A Cidade de Coimbra e o Mosteiro de Santa Cruz no Século XII. Reflexões sobre o Priorado de S. Teotónio. 2017. In: Acedido em:

https://www.academia.edu/38218646/A_CIDADE_DE_COIMBRA_E_O_MOSTEIRO_DE_SANTA_CRUZ_NO_S%C3%89CULO_XII_REFLEX%C3%95ES_SOBRE_O_PRIORADO_DE_D_TEOT%C3%94NIO?auto=download&email_work_card=download-paper

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por Rodrigues Costa às 10:43

Quinta-feira, 16.05.24

Coimbra: Achados arqueológicos no Largo da Portagem

O texto que hoje divulgamos saiu da pena da Professora Doutora Leontina Domingos Ventura e do Dr. Paulino Mota Tavares e foi publicado na Munda de novembro de 1982.

Na sequência dos últimos achados arqueológicos da Portagem,

Largo da Portagem 1.jpgCoimbra – Largo da Portagem onde a Arqueologia confirma o documento escrito. Op. cit., pg. 4

 que despertaram alguma curiosidade e diversos comentários entre eruditos e populares, trazemos a público um texto de 1677 que, de certo modo, explica a origem do conjunto formado pelas estruturas que, oportunamente, o Diário de Coimbra, revelou aos seus leitores: a fonte, recortada em pedra de Ançã e emoldurada por azulejo figurativo e monocromático de tema bíblico-pastoril e a grandiosa abóbada que abrigava um altar com retábulo, criando um espaço de recolhimento e veneração às principais figuras do Calvário.

Aí se prestaria culto a antigas imagens de Cristo crucificado, da Virgem e de S. João Evangelista. Tal obra de implantação e restauro seiscentista ficou a dever-se ao empenhamento do nobre e cavaleiro professo do hábito de Cristo, António de Magalhães e de sua mulher D. Sebastiana de Castelo Branco, que ali moravam, na velha Rua da Saboaria.

No final do artigo é apresentada uma transcrição do citado documento de 1677, da qual salientamos os parágrafos que se seguem, cuja grafia atualizamos para facilitar a sua leitura. Alertamos, ainda, não só para a falta de rigor histórico desse documento, bem como para o não uso de pontuaçãor, como era habitual na época em que o documento foi escrito.

…. No ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1677 anos sendo aos vinte dias do mês de abril do dito ano e nesta cidade de Coimbra e pousadas (ou casa de habitação) de António Magalhães ….  porque num quintal que juntaram às casas em que vivem querendo fazer entre outras curiosidades (ou construir) uma fonte que se meteu dentro do muro da cidade junto à ponte e rio Mondego que confina com o dito quintal procedendo a grandes circunstâncias (ou trabalhos)

Largo da Portagem 2.jpg

António Magalhães decidiu «fazer entre outras curiosidades sua fonte que se meteo dentro do muro da cidade». Op. cit., pg. 5

que dificultavam o sucesso (da obra) foi Deus servido se achasse uma abóboda e no fim dela um retábulo com a Imagem de um Cristo Crucifixado e de Nossa Senhora e S. João obra muito antiga

Largo da Portagem 3.jpg… «foi Deos servido se achasse hua abobada e no fim della hum retabollo…». Op. cit., pg. 6

que pelas tradições se averiguou ser do tempo em que os Godos possuíram esta Cidade a qual imagem estava muito maltratada e abocada (ou, tapada) com entulhos indecentes que se verificava ser entulhada pelos Mouros e entendendo ser a Deus Nosso Senhor servido fosse achada como foi Sua Santa imagem aos oito de Outubro desse ano próximo passado de seiscentos e setenta e seis para se lhe desse a devida veneração eles os ditos António de Magalhães e sua mulher a Senhora Dona Sebastiana de Castelo Branco lhe fizeram uma ermida com despesas consideráveis em todo o sítio junto a ela na qual queriam impor (se pudesse rezar) com licença do Ilustríssimo Senhor Bispo Conde Dom Frei Álvaro de S. Boaventura missa quotidiana e lâmpada acesa para sempre desistindo de um breve que tinham para puderem ter oratório e missa nas mesmas casas em que vivem e assim eram contentes que à custa dos rendimentos do dito morgado (morgado que haviam instituído) enquanto o mundo durasse houvesse missa por sua intenção e lâmpada sempre acesa na dita ermida e que além dos bens do dito morgado vinculam a ele e ao ornato dela (da ermida) as mesmas casas e todas as mais que têm ao redor delas a saber: as da Calçada que tem janelas para o mesmo quintal que rendem vinte e dois mil reis e as do canto para cima da sua porta que andam (são) dez e um armazém que se arrendado vale vinte mil reis e umas casas mais abaixo que andam em quatro que com baixos que se alugam das mesmas (semelhantes) às em que vivem possam render sessenta mil reis e para azeite da lâmpada dão por hipotecados a ela os olivais que têm dentro da Quinta de S. Clara que é cabeça do dito morgado.

Ventura, L.D. e Tavares, P.M. O Fenómeno Artístico e Religioso no Seiscentismo Coimbrão – A Portagem. In: Munda, Revista do Grupo de Arte e Arqueologia do Centro. N.º 4 Novembro de 1982. Pg. 3 a 8.

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por Rodrigues Costa às 17:13

Terça-feira, 14.05.24

Coimbra: Iconografia de S. Teotónio

Foi S. Teotónio canonizado em 1163, e Frei Timóteo dos Mártires afirma que, logo após a canonização, foi mandada fazer uma imagem. (Crónica de Santa Cruz. T. 1. Coimbra, Ed. da Biblioteca Municipal, 1955, pág. 46). Mas esta não chegou até nós.

S. Teotónio. Valença, Ganfei.jpg

S. Teotónio, Monumento na sua terra natal, Fanfei, Valença, autor não identificado. Imagem acedida em:https://www.mundoportugues.pt/2020/02/18/hoje-e-dia-de-s-teotonio-o-primeiro-santo-portugues/

A mais antiga representação de S. Teotónio, afora uma que vimos num códice da Biblioteca Pública Municipal do Porto, mas do que não temos reprodução nem data da sua feitura, é a que vem no princípio do ofício do Santo no «Breviarium Santae Crucls», de 1531. Apresenta-o de mitra e báculo e tendo na mão esquerda uma igreja. Acontece, porém, que no mesmo Breviário a mesma gravura serve para Santo Agostinho. como aliás acontece noutras obras com o mesmo ou com outros santos. Assim, por exemplo, no «Flos Sanctorum», de Frei Diogo do Rosário, ed. de 1612, a vida de S. Teotónio é ilustrada com uma bela xilogravura na qual o Santo tem o báculo e o livro, mas ao lado vê-se uma corça. Estranhando a presença deste animal que ali parece não ter cabimento, folheámos todo o volume, verificámos que a mesma gravura serviu para Santo Arsénio, S. Gil Abade, (mas neste justifica-se a presença da corça, que lhe dava leite) e S. Leonardo.Timotheo dos Martyres, na sua «Vida do Bemaventurado Padre Santo S. Theotonio», Coimbra, 1650, apresenta uma gravura aberta a buril por João Gomes. O Santo, numa oval, em melo corpo. com trajos monacais, empunha o báculo e segura na mão esquerda o globo estrelado. Sobre uma mesa está pousada a mitra. Em baixo tem a legenda: SANCTVS PATER THEOTONIVS, e a assinatura do artista: Jº. Gom.

No tomo III do «Proprlum Sanctorum Totius Anni», conjunto de 12 grandes volumes de pergaminho que pertenceu ao Mosteiro de Santa Cruz e se guarda no Museu Nacional Machado de Castro, vem uma iluminura a toda a página, reproduzindo obviamente a imagem que se encontra na capela de S. Teotónio, em Santa Cruz, imagem que é de madeira e que foi encomendada a artista de Lisboa quando das obras de adaptação e beneficiação operadas na referida capela de 1627 a 1630. O autor da iluminura é D. Cipriano de Santa Maria, Cónego Regrante de Santa Cruz, que tudo escreveu, elaborou e completou no ano de 1760, como se lê no frontispício latino daquele volume. Nesta iluminura o globo estrelado está no cimo do quadro.

Também é do séc. XVII a imagem de S. Teotónio da igreja de Fajão, uma das melhores que se conhecem. O Santo veste de crúzio, com báculo e livro e a mitra aos pés. Não tem o globo.

Outra terra de cónegos agostinhos era Folques. Aí se encontra, na igreja paroquial, que foi do antigo Mosteiro de S. Pedro, uma grande e boa imagem de S. Teotónio. Tem a mitra aos pés e na cabeça um barrete eclesiástico. Na mão direita tem o globo estrelado e na esquerda o báculo. As vestes são de crúzio. É do séc. XVIII.

S. Teotónio. Folques. RA.jpg

S.Teotónio, da igreja paroquial de Folques. Acervo RA

Na mesma freguesia, na capela de S. Teotónio, no Alqueve, há uma pequena imagem do mesmo, em madeira, do séc. XVII, na atitude de pregar, e outra de barro, bastante maior e melhor, com o Santo em êxtase, mão direita no peito e a esquerda segurando o livro, vestes de crúzio com murça abotoada e sem mais atributos.

Sendo titular da freguesia de Brenha, lá tem também a sua imagem. É uma escultura de barro, do século XVII, na mesma atitude da anterior, mas doutras mãos.

Em Maiorca encontrámos duas: uma, do séc. XVII, com livro e báculo (que falta) e mitra aos pés; outra, bastante maior, em que S. Teotónio está vestido de peregrino, com o chapéu pendurado nas costas, a mão direita na atitude de empunhar o bordão, na mão esquerda o livro e sobre uma dobra do manto apanhado pousa o globo estrelado. Não se estranhará esta forma iconográfica se nos lembrarmos de que ele foi por duas vezes em peregrinação à Terra Santa.

Em Santa Cruz, além da imagem referida, há mais duas, de pequeno tamanho, do séc. XVIII, uma das quais também ostenta o globo estrelado.

É bem notável pela sua matéria, que é prata, e pela sua unção religiosa, o busto que encerra o crânio de S. Teotónio e que se venera em Santa Cruz, datado de 1624.

Coimbra. Capela de S. Teotónio. Retábulo

Mosteiro de Santa Cruz, Capela de S. Teotónio. Acervo RA

Também no Museu Nacional Machado de Castro há uma boa imagem de madeira. do séc. XVII, com o globo estrelado na mão esquerda e o báculo na direita e mitra aos pés.

Finalmente, completamos esta resenha com a imagem que se encontra na igreja paroquial de Antuzede, que é sem dúvida uma das melhores.

S. Teotónio, Antuzede.jpg

S. Teotónio, da igreja paroquial de Antuzede (séc. XVIII)

Obra do séc. XVIII, não nos admiraríamos se aparecesse um documento que lhe desse Laprade por autor. Para já, nota-se-lhe uma grande semelhança. na roupagem e nas mãos, com um S. Paio da igreja de Verride. Que se atribui aquele autor francês.

Pereira, A.N. Sobre a Iconografia de S. Teotónio. In Munda. Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro. N.º 3 Maio de 1982. Pg. 17 a 21.

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por Rodrigues Costa às 10:19

Quinta-feira, 09.05.24

Coimbra: Evolução do espaço urbano 2

Conclusão do texto assinado pelo Professor Doutor Pedro Dias, publicado na revista Munda em novembro de 1981.

 Até 1537, o aglomerado urbano de Coimbra manteve-se sem grandes alterações: pequenas e acanhadas ruelas que serpenteavam nas encostas, adaptando-se às construções que sempre, precediam e definiam os traçados das vias. Nunca a almedina esteve superlotada. Continuando a existir, intramuros hortas e quintais, onde se praticou a horticultura, até à atualidade. O crescimento era moderado e fez-se sem sobressaltos. Mas nesse ano, D. João III reinstalou os Estudos Gerais, na cidade e a sua fácies começou a mudar. Frei Brás de Braga, reformador do mosteiro crúzio, com o beneplácito do monarca, abriu a Rua da Sofia que viria a ser o orgulho dos conimbricenses quinhentistas, cantada mesmo. em versos latinos, por Inácio de Morais. Aí se edificaram os Colégios de S. Miguel e de Todos os Santos, de S. Bernardo, do Carmo, da Graça, de S. Pedro, de S. Boaventura e de S. Tomás, além do Convento Novo de S. Domingos e a nova igreja de Santa Justa. O frade reformador urbanizou outras áreas, como a de Montarroio. incluindo o largo que se viria a chamar Pátio da Inquisição, as ribas de Corpus Christi e das Figueirinhas, o Largo de Sansão, etc. Já antes, o Bispo D. Jorge de Almeida dera maior dignidade ao adro da Catedral, e a Camara arranjara de novo a ponte, os cais do Mondego e algumas ruelas que calcetou.

Mas foi a partir de 1537 que se operou a grande mudança. com a instalação de inúmeros colégios universitários, que todas as ordens religiosas quiseram fundar na cidade, para alojarem os seus religiosos que, em Coimbra, buscavam o Saber e os graus académicos.

Grandes edifícios, planeados por arquitetos de mérito e construídos com apreciáveis meios económicos por construtores hábeis, surgiram, em poucas décadas. em zonas desabitadas do arrabalde ou mesmo na almedina, cabendo salientar os grandes complexos da Companhia de Jesus, e de Santa Cruz.

Os próprios burgos vizinhos de Celas e Santa Clara, que tinham nascido à sombra de mosteiros, desenvolveram-se fornecendo mão de obra para os trabalhos de construção.

Em poucos anos, o número de habitantes de Coimbra duplicou, e aos 5.200 de 1527 opunham-se os 10.000 de 1570. Não eram só estudantes, mas também todo um grupo social que nascera, para garantir a alunos e mestres os serviços necessários para a sua permanência na cidade. No fim do séc. XVI a zona urbana crescera e redefinira-se, para não mais se alterar até ao final do séc. XIX. As zonas agora ocupadas, além das que já o eram em 1537, situavam-se entre o Mondego o a parte final da Rua da Sofia, nos arnados, que foram sendo conquistados para a construção e para pequenas hortas, e na encosta de Montarroio.

Terminou-se a ligação entre os adros de Santa Justa, o largo de Sansão e a Praça Velha, formando-se um aglomerado contínuo.

Largo de Sansão.jpgLargo de Sansão no final do séc. XVIII. Op. cit., pg. 6

No séc. XVII a evolução é lenta e a população aumenta gradual e sistematicamente, mas, para além de construções pontuais, algumas de grande volume, viário ou os limites da urbe não sofrem alterações, o mesmo se passando ao longo de toda a primeira metade do séc. XVIII. Em 1765 os alunos matriculados na Universidade eram já 4.629 que, juntos com os dos colégios, perfaziam o elevado número de cerca de 8.000, ou seja, metade de toda a população de Coimbra. A vocação académica da cidade mantinha-se.

Foi nesta época que o Marquês de Pombal, desejou mudar o aspeto e a estrutura da sua cidade universitária, mas dos seus planos mais não resultou que a criação da praça que hoje tem o seu nome, em terrenos e edifícios da Companhia de Jesus, onde fez levantar dois institutos universitários ao gosto da moderna Europa de além-Pirenéus. Na Quinta dos Bentos levantou também o Jardim Botânico que seria um novo polo de atração e iria fazer a ligação com novos bairros da cidade contemporânea, mas antes, ainda, no séc. XVIII, com o Seminário e o Colégio de S. José dos Marianos.

Durante o séc. XIX a cidade só aumentou o seu número de habitantes em 6.000 e ao ser implantada a República viviam aqui 29.115 almas. Foi a partir de 1880 que a fácies de Coimbra mudou e acompanhou a modernização que também Lisboa conheceu, quem sabe se não influenciada pelas obras que corriam na capital. É o momento em que a malha quinhentista rompe os seus tradicionais limites e se espalha por zonas antes desabitadas ou, quando muito, onde se implantavam algumas moradias rodeadas de quintas de pleno carácter rural.

Junto ao rio, arranjam-se as margens, sobretudo a do lado Norte, alarga-se a Portagem e a avenida e parque juntos, cujas obras se prolongam durante váriasdécadas, a partir de 1888. Aí nasce a estação de caminho de ferro e se instalam as unidades hoteleiras mais importantes da cidade novecentista. Em 1882. na Quinta de Santa Cruz, começa a abrir-se a que haveria de ser a mais larga e bela das novas artérias citadinas, hoje a Avenida Sá da Bandeira. que termina na Praça da República, local onde, já em 1901 os académicos disputavam as suas partidas de um novo desporto importado das Ilhas Britânicas: o futebol. As vias adjacentes, de traçado regular e com largura invulgar para a época. em breve servidas por transportes públicos, são projetadas e começam a ser abertas, a partir de 1889: Rua Castro Matoso, Rua Alexandre Herculano Rua Garret, etc. A ligação da Praça da República com Celas – a rua Lourenço Almeida Azevedo – inicia-se em 1893, e a vizinha Rua Tenente Valadim é traçada entre 1894 e 1903. É toda uma nova zona onde se vão levantar prédios elegantes, uma escola, na esquina da Rua da Manutenção Militar que, em 1901 vai estabelecer a ligação com Montarroio e com a Conchada, e um teatro circo, já inaugurado em 1892.

Em 1918 a zona residencial estende-se a outras áreas, sendo nesse ano regularizada a Alameda do Jardim Botânico. e dois anos depois, a região da Cumeada, com a definição da sua espinha dorsal, a Avenida Dias da Silva.

Só em meados do século. Coimbra conheceria novas alterações em alguns dos seus pontos mais centrais, multo especialmente na Alta, onde. para se construíram novos edifícios universitários, se destruíram grandes áreas de antiga ocupação. incluindo muitos edifícios notáveis, como as igrejas de S. Bento e de S. Pedro, e os Colégios dos Militares e dos Loios.

Planta da Alta.jpg

Planta da Alta com indicação das áreas destruídas, para a construção dos novos edifícios universitários. Op. cit., pg. 10

 É também, por outro lado. o momento em que se constrói o primeiro bairro periférico dentro de um plano ordenado e com finalidade de alojar condignamente, em moradias. famílias de recursos médios;

Bairro Marechal Carmona.jpgUrbanização inicial do Bairro Marechal Carmona. Op cit., pg. 9

nascia assim o Bairro Marechal Carmona, ao dobrar-se o meado do século.

Dias, P. Evolução do Espaço Urbano em Coimbra. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2, pg. 5-11.

 

 

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por Rodrigues Costa às 10:20

Terça-feira, 07.05.24

Coimbra: Evolução do espaço urbano 1

Foi subscrito pelo Professor Doutor Pedro Dias o texto, publicado na revista Munda em novembro de 1981. Faremos a sua divulgação nesta entrada e na seguinte.

A evolução do espaço urbano de Coimbra é hoje bastante bem conhecida, porque dado não ter sido regular, se podem precisar com razoável rigor os seus limites em determinadas datas, nos momentos em que certos eventos a fizeram desenvolver ou a mutilaram.

O povoamento do morro da Alta atual justifica-se plenamente, por ser dominante ao último local até à costa onde era fácil atravessar o Mondego, em qualquer época do ano, dado que, a partir daqui o rio entrava na sua vasta planície aluvial por onde desbordava nas invernias. Assim, este ponto era de passagem quase obrigatória no trânsito entre o Norte e o Sul, pois também para montante, e devido às escarpas que cingiam o leito do Mondego, a viação era difícil. Era, pois, o morro onde a cidade veio a crescer de excecional valor estratégico, no campo militar, e também privilegiado para o florescimento de uma povoação, pois era uma encruzilhada, onde as trocas se poderiam fazer e onde os habitantes se poderiam ocupar a fornecer serviços aos passantes.

Os vestígios pré-históricos são raros, de qualquer modo, existem, o que prova a permanência do Homem no atual perímetro urbano, muitas dezenas de milhares de anos antes da nossa Era. Na margem Sul, para lá de Santa Clara, também, nas grutas dos Alqueves, deixou a marca da sua passagem, aí, na forma de espólio funerário. Pouco sabemos desses nossos remotos antepassados, exceto que, com a sua decisão de se fixarem, iniciaram a História da Cidade de Coimbra.

Mas é do período de dominação romana, já dos primeiros dois séculos da Era Cristã. que nos ficou o mais antigo testemunho material importante: o criptopórtico. Situa-se sob as construções do antigo Paço Episcopal, hoje o Museu Nacional de Machado de Castro, e é formado por duas galerias sobrepostas que serviam para suportar uma grande plataforma artificial na vertente, a fim de se construir o fórum. Aí era o centro da vida da civitas, que então se chamava Aeminium. Por aqui passava a grande via Olissipo-Bracara Augusta, a verdadeira espinha dorsal da viação peninsular ocidental. As invulgares dimensões deste criptopórtico são denunciadoras da importância desta cidade hispânica.

 

ForumRomanoDeCoimbra3.jpg

Museu Nacional Machado de Castro. Criptopórtico romano.  Imagem acedida emhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_de_Machado_de_Castro#/media/Ficheiro:ForumRomanoDeCoimbra3.jpg

Não é de aceitar que a área ocupada fosse multo grande. Certamente não ultrapassaria o perímetro que, mais tarde, as muralhas medievais haveriam de definir. O cemitério. ao lado do grande aqueduto, que o atual substitui no final do séc. XVI, prova o fim da urbe romana, na zona do castelo onzecentista. Na atual Baixa, é provável que também houvesse alguns núcleos de casas, e os Banhos Reais, que D. Afonso Henriques cedeu para a construção do Mosteiro de Santa Cruz, podiam ser umas termas ou um balneário romano.

Com a invasão germânica, a fácies de Coimbra/Aeminium teve, forçosamente, de se modificar. O brilho da civilização romana foi-se apagando, mas, mesmo assim, a cidade ganhou importância, relatlvamente a outros povoados que, décadas antes, a ultrapassavam em prestígio o valor económico e político. Em meados do séc. VI, o Bispo de Conimbriga muda-se para o morro mondeguino e a nova residência do Episcopus Conlmbrlgensls, a Imlnio visigoda. passa a chamar-se Coimbra, enquanto aquela cidade florescente, três léguas a Sul, desapareceria.

O que era a Coimbra do séc. VII? Ao certo não sabemos. Que era pequena e modesta não se duvida, mas suficientemente importante no panorama peninsular, para que quatro monarcas nela cunhassem suas moedas: Recaredo, Lluva, Slsebuto e Chintila.

Com as invasões muçulmanas de 711, a cidade seguiu o destino de todas as que se situavam a Sul das montanhas das Astúrias, e durante mais de três séculos foi islâmica, não obstante breves momentos de domínio de tropas cristãs, como aconteceu em 878. As marcas deixadas nas gentes e nos seus costumes foram profundas, mas no campo artístico os testemunhos dessa intensa colonização não chegaram até nós. Coimbra, pela sua posição geográfica foi o entreposto entre o Sul Islâmico e o Norte Cristão, tendo existido uma importante comunidade moçárabe, que levantou e melhorou os seus templos e que, mesmo depois da vinda para a terra portucalense dos senhores de linhagem franca, continuou a impor o seu modelo de vida, bem diferente do feudalismo de além Pirenéus. A cidade foi definitivamente reconquistada em 1064 pelas tropas de Fernando Magno, mas a reorganização de todo o vasto território e a defesa da linha do Mondego, ficou a cargo de um moçárabe de Tentúgal, o alvazil D. Sesnando, que nas prósperas cidades andaluzas passara os primeiros tempos da sua vida.

O mais antigo testemunho medievo do aspeto da cidade, ainda que vago, é dado pelo geógrafo ldrici, que nos confia que, no início do séc. XII, Coimbra estava «edificada sobre uma montanha, rodeada de boas muralhas, rasgadas por três portas e mui bem fortificada. Fica nas margens do Mondego, que corre a ocidente da cidade até ao mar e cuja foz é defendida pelo forte do Montemor. Sobre o rio existem moinhos. No território da cidade abundam vinhedos e hortas. Na parte que se estende até ao mar, do lado do poente. Existem campos cultivados onde criam gados. A população faz parte da comunidade cristã».

Sem dúvida que, durante os reinados dos nossos primeiros monarcas, a generalidade da população vivia dentro da cerca, onde ficava a alcáçova em que pousaram Afonso Henriques e os seus mais chegados descendentes, o castelo – o último reduto de todo o sistema defensivo – a Sé e o Paço dos Bispos, e as principais igrejas paroquiais.

Sé Velha. 1902.jpgSé Velha. 1902. Acervo RA

Mas no arrabalde, além muros, já começavam a despontar alguns pequenos núcleos de habitações, sobretudo junto dos templos que aí se levantavam: Santa Justa, S. Tiago e S. Bartolomeu. Em 1131 começou-se a construção do que viria a ser o mais importante mosteiro português, Santa Cruz. Nesse mesmo ano, e igualmente sob o patrocínio do príncipe D. Afonso Henriques, lançaram-se os fundamentos da grande ponte de pedra sobre o Mondego, cuja solidez desafiou séculos de enxurradas e de assoreamento.

Portagem. Ponte de pedra.jpgPonte de Pedra. Acervo RA

Tinha a cidade judiaria e mouraria, continuando a vida destas duas comunidades a processar-se sem grandes sobressaltos até ao final do séc. XV. O bairro judaico ficava na encosta, do lado de Santa Cruz, nas ribas de Corpus Chrlstl. No interior da cerca, uma grande via ligava a Porta de Almedina à Porta do Sol, junto ao castelo, passando pelo adro da Catedral e dividindo ao melo o espaço urbano intramuros. Outra, também de largo uso, fazia a comunicação entre a Porta de Belcouce, a mais próxima do rio, com o adro da Sé e com a Alcáçova.

No final da primeira dinastia a cidade estava já claramente dividida em almedina e arrabalde, cada zona com características muito distintas e bem definidas. Na nova zona além muralha – a Baixa atual – fervilhava o povo miúdo, os comerciantes e os artesãos, sobretudo em torno da Praça, balizada por duas igrejas paroquiais: a de S. Tiago e a de S. Bartolomeu. Nos becos e vias que dela saíam arruavam-se alguns mesteres, mantendo-se ainda em muitos casos a toponímia medieval. Na Alta, dentro dos muros, vivia o alto clero, os cónegos da Sé e outros beneficiados eclesiásticos, a nobreza local e os seus servidores, e também, evidentemente, algum povo.

 Dias, P. Evolução do Espaço Urbano em Coimbra. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2, pg. 5-11.

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por Rodrigues Costa às 11:00

Quinta-feira, 02.05.24

Coimbra. Jardim Botânico 2

Segunda e última entrada sobre um texto do meu Mestre, Jorge Paiva.

O Jardim tem uma área de 13,5 hectares, estando admiravelmente traçado à maneira italiana, com socalcos, escadarias e alamedas, cercado por um opulento gradeamento de ferro e bronze, do lado da Alameda Júlio Henriques e Rua Vandelli.

img20240120_17095172.jpgPlanta do Jardim Botânico, Op. cit., pg. 42

Tem três majestosos portões, sendo o mais aparatoso o de leste. com oito grandes colunas monolíticas rematadas por volutas e pináculos, num conjunto barroco multo decorativo.

Jardim Botânico. Bilhete Postal.jpgPortão principal do Jardim Botânico. Executado por António Bernardes Galinha. Acervo RA

António Bernardes Galinha. Portão principal do J

 Pormenor do portão principal do Jardim Botânico. Acervo RA

Percorrendo o Jardim, logo se nota que o acidentado do terreno favoreceu multo o bom gosto do talhe dos socalcos e arruamentos, todos gradeados.

Pode considerar-se dividido em duas zonas fundamentais: uma superior, onde se inicia um vale por onde corre um regato, e outra inferior. A primeira consiste na zona mais formal do Jardim, e é constituída por alguns terraços em socalco. O mais inferior, o Quadrado Grande, com um fontenário, constituiu a parte primitiva do Jardim. Nele ainda existem três árvores que datam dos primórdios do Jardim e, portanto, do tempo em que Brotero foi Diretor (1791-1811): Cunninghamia sinensis R. Br.; Cryptomeria japonica (L.f.) D. Don; e Erythrina crista-galli L..

No primeiro socalco, junto ao portão principal, está a estátua de Brotero, do escultor Soares dos Reis, Inaugurada em 1 de Abril do 1887.

Jardim Botânico. Avelar Brotero 01.JPG

Estátua de Brotero da autoria de Soares dos Reis. Acervo RA.

Além da estátua de Brotero, existe ainda a de Júlio Henriques, no primeiro terraço, junto ao Instituto, e um medalhão de Luiz Carrlsso, em frente ao pórtico de D. Maria (1791) do «Quadrado Grande».

Estes monumentos, assim como mutos outros melhoramentos do Jardim (por ex. fonte-cascata do lago principal. estufa fria, etc.). foram efetuados entre 1942 e 1954 pela CAPACUC sob a orientação do então diretor Prof. Dr. Abílio Fernandes. No ângulo Nordeste, o mais exposto ao sol, existe um pujante recanto de vegetação tropical e subtropical, com fetos arbóreos, cicadáceas, palmeiras e Strelizla augusta Thunb., que o vulgo confunde com a bananeira.

Do lado oposto (Sul) fica a frondosa «Avenida das Tílias».

img20240120_17080333.jpg

Alameda Central com prolongamento da rua das tílias. Op. cit., pg. 40

… Anexo ao Jardim está o Instituto Botânico, instalado em parte do edifício do antigo Colégio de S. Bento, fundado em 1555 por Diogo de Minca. então reitor da Universidade. Nesse edifício encontram-se os Herbários. Laboratórios, Biblioteca e Museu.

As aulas de Botânica eram inicialmente ministradas no Museu de História Natural e no próprio Jardim, ao ar livre, transitando depois para uma casa mandada construir para o efeito no Jardim.

Durante a direção do Dr. Júlio Henriques, o Jardim foi muito beneficiado com a cultura de muitas plantas novas, particularmente da flora australiana, sendo hoje o Jardim Botânico da Europa com a maior e melhor coleção de Eucalyptus. Isto porque o Dr. Júlio Henriques se correspondia com o Barão Von Muller, que lhe enviava sementes da Austrália.

Durante a vigência do Dr. Luís Carriço, o Jardim foi enriquecido com plantas das antigas colónias africanas, resultantes das explorações efetuadas a Angola.

Só a partir de 1868 foi entregue à Faculdade de Filosofia parte do edifício de S. Bento, onde se instalou o que é hoje designado por Instituto Botânico Dr. Júlio Henriques.

A Biblioteca tem cerca de 111.000 volumes, sendo a Biblioteca de Botânica mais importante no País. Os Herbários têm cerca de 700.000 espécimes e constituem os maiores de Portugal. Editam-se três revistas periódicas (Anuário. Boletim e Memórias da Sociedade Broteriana), que servem de material de permuta com 1.231 bibliotecas congéneres no globo, além de colaborar ou ter colaborado na elaboração das segu]ntes obras: Conspectus Florae Angolensls, (editados já 8 volumes); Flora Europaea (publlcação de 5 volumes); Floia Zambesíeca (editados até agora 7 volumes); lconographla Selecta Florae Azoricae (editado o 1.° volume em 1980) e Flora de Moçambique (editados 44 volumes).

Permutam-se sementes com cerca de 1.100 lnstituições botânicas estrangeiras enviando-se por ano cerca de 40.000 pacotes de sementes, correspondendo a 500-600 solicitações, o recebendo.se geralmente cerca de 2.000 para trabalhos de investigação em curso no instituto Botânico.

Permuta-se material de herbário com cerca de 150 outros herbários, enviando-se por empréstimo 4.000 a 5.000 exemplares por ano e recebendo-se a mesma quantidade. Além destes serviços e do estudo da Flora de Portugal. fazem-se anualmente várias explorações florísticas. Estuda-se a cariologia da flora vascular do País e fazem-se ainda estudos citológicos.

…. Além destes estudos e serviços, o Jardim Botânico de Coimbra presta colaboração, sempre que solicitada, a outras lnstituições. Universitárias ou não, como por exemplo à Medica Legal (fito-envenenamentos), Hospitais, Escolas Secundárias e Primárias. Museus e lnstituições de Arqueologia, Proteção da Natureza, apoio e auxílio a programas de investigação de laboratórios de produtos farmacêuticos nacionais e estrangeiros, e a programas de investigação a nível mundial.

Paiva, J.A.R. Jardins Botânicos. Sua origem e importância. In: Munda, n.º 2 novembro de 1981, pg.35 a 43.

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por Rodrigues Costa às 10:48


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