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Primeira de duas entradas, sobre um texto subscrito por um dos Professores que marcaram a da minha vida e de quem me orgulho de ter sido aluno: Jorge Paiva.
Existentes desde a antiguidade, só nos tempos modernos os Jardins Botânicos adquirem real interesse e inegável importância em vários domínios.
… Lugar edénico e pulmão da cidade, o Jardim Botânico de Coimbra é mais solicitado, mais apreciado e mais conhecido no estrangeiro do que no nosso país e até na própria cidade do Mondego.
… O primeiro Jardim Botânico parece ter sido o de M. Sylvaticus em Salerno, no século XIV, tendo-lhe seguido o Jardim Botânico e Médico de Veneza (1333). Os Jardins Botânicos modernos originaram-se dos jardins particulares dos «herbalistas».
…. Inicialmente os Jardins Botânicos foram criados com o intuito de apoiar a Medicina.
…. O Instituto Botânico da Universidade de Coimbra tem a sua origem em 1772 no gabinete de História Natural, criado pelos Estatutos Pombalinos da Universidade de Coimbra, os quais estabeleceram também um Jardim Botânico, anexo à Universidade.
O primeiro plano para o Jardim Botânico de Coimbra que se conhece data de 1731, foi traçado por Jacob de Castro Sarmento, baseado no Chelsea Physic Garden de Londres e por ele oferecido ao então reitor reformador da Universidade de Coimbra.
Depois do Reitor (Francisco de Lemos) ter escolhido o local para o Jardim (parte da Quinta do Colégio de S. Bento), em 1772, o Marquês de Pombal enviou a Coimbra, em 1773 o engenheiro e tenente-coronel William Elsden, para que, conjuntamente com os Professores de História Natural Domingos Vandelli e Dalla-Bella e o Reitor, traçarem o plano do Jardim.
Aqueles Professores italianos e William Elsden não seguiram o projeto do Dr. Jacob Sarmento por o considerarem muito modesto. O plano que delinearam era de tal modo grandioso e dispendioso que foi completamente rejeitado pelo Marquês (5 de outubro de 1773).
… Os trabalhos começaram então segundo planos mais modestos, tendo o Marquês enviado a Coimbra (1774) o jardineiro Julio Mattiazi, do Real Jardim da Ajuda, responsável pela cultura das plantas enviadas. por via marítima, da Ajuda para Coimbra. acompanhadas pelo que seria o primeiro jardineiro do Jardim Botânico do Coimbra, João Rodrigues Vilar.
A parte botânica do Jardim foi primeiramente orientada por Domingos Vandelli, a que se seguiu, a partir de 1791, Félix de Avelar Brotero, o qual passou a lecionar a cadeira de Botânica e Agricultura, que, nessa data, foi separada da restante História Natural (Mineralogia e Zoologia).
Domingos Vandelli. magem acedida em: https://www.bing.com/images/search?form=IARRTH&q=domenico+vandelli&first=1
Felix de Avelar Brotero Imagem acedida em: https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero#/media/Ficheiro:F%C3%A9lix_de_Avelar_Brotero01.jpg
A primeira parte do Jardim que se constituiu é a que ainda hoje é conhecida por «Quadrado Grande».
Quadrado Grande do Jardim com fontenário ao centro. Op. cit., pg. 38
Os trabalhos do Jardim prosseguiram através dos séculos XIX e XX.
Jardim Botânico, em 1877. Col. RA
Apresentando o traçado atual apenas muito recentemente, com as remodelações efetuadas pela Comissão Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra, sob a orientação do então Diretor do Jardim Prof. Dr. Abílio Fernandes.
Paiva, J.A.R. Jardins Botânicos. Sua origem e importância. In: Munda, Revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, n.º 2 novembro de 1981, pg.35 a 43.
Terceira e última entrada dedicada ao trabalho do Doutor Francisco Pato de Macedo que sobre o retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra.
«Evangelista S. Mateus», predela do retábulo da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
O retábulo da Sé Velha de Coimbra, pelas suas dimensões, não apresenta a possibilidade de ser fechado, através de volantes, como era comum nos retábulos do Norte da Europa.
A predela do retábulo da Sé Velha é constituída por seis divisórias encimadas por baldaquinos finamente lavrados. Uma no prolongamento do pano central deste políptico, que se subdivide para albergar dois temas e quatro no prolongamento de cada uma folhas laterais, onde se dispõem os Evangelistas.
No lado direito, na divisória do meio, o Evangelista S. Lucas, em relevo de meia figura, tem a seus pés o boi, seu atributo, que combina, neste retábulo dedicado à Virgem, com outro dos seus atributos, o de retratista da Virgem. A pintura que se vê a executar está colocada num cavalete e voltada para os espectadores a quem é mostrada. Completa esta cena o seu auxiliar, que prepara as tintas, e que é curiosamente um negro…. A representação iconográfica de S. Lucas como retratista da Virgem foi utilizada com frequência pelos artistas flamengos, que assim contribuíram para a sua divulgação. A divisória que se situa no prolongamento da folha exterior do lado direito, é ocupada pelo Evangelista S. Mateus, que quase de costas no ato da escrita, molha a pena no tinteiro, que um anjo, seu atributo, à sua frente, lhe segura. Na folha central, do lado esquerdo, S. João, patrono dos escritores e dos teólogos, sentado numa cadeira ornada com motivos escultóricos, dedica-se à tarefa da escrita numa escrivaninha que lhe é apontada pelo bico da águia, que o simboliza, que está elegantemente colocada com as asas abertas e as patas assentes em livros.
Por último, o Evangelista S. Marcos, a escrever o Evangelho com o leão alado, o seu atributo, aos pés. Completam a predela, nas duas divisórias, que prolongam o pano central, o Presépio que, enquanto glorificação da Virgem, é subsidiário do tema central e que alude também à infância de Cristo. Neste caso, contrapõe-se à cena seguinte a Ressurreição de Cristo, símbolo de transcendência e de um poder sobre a Vida que só a Deus pertence, que é o tema principal do retábulo e que volta a repetir-se na estrutura de coroamento. A Ressurreição reflete a estética flamenga, quer na posição de Cristo com uma perna fora do sepulcro, quer na posição de terror dos soldados e nas suas armaduras.
A estrutura do coroamento é composta de duas partes, uma onde numa estrutura de marcenaria menos trabalhada se destaca a crucificação que aliás é comum encimar este tipo de retábulos. Ao centro, em posição mais elevada Cristo Crucificado, com um semblante de sofrimento e o tórax torneado a mostrar as costelas salientes e o ventre reentrante. Aos pés de Cristo, tal como aos da Virgem, D. Jorge de Almeida mandou colocar o seu brasão…. A mitra, que na sua forma triangular encima o brasão e que com o seu vértice aponta Cristo Crucificado, simboliza a Sua natureza divina. Aos lados da cruz, em pé, à direita, a Virgem, e, à esquerda, S. João, a Mãe e o discípulo favorito. Completam este tema os dois companheiros do drama, o bom e o mau ladrão.
«O Mau ladrão», retábulo da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
À direita, o bom ladrão ergue o olhar para Cristo, à esquerda o mau ladrão com a cabeça pendente torce-se nas cordas. Seguindo a tradição do Norte da Europa não estão pregados na cruz, mas com os braços atados a esta …A estrutura de coroamento é ainda, neste retábulo, composta por outra parte que se liga diretamente à estrutura arquitetónica do edifício românico. A da semicúpula absidal que foi, de uma forma bastante original, inteiramente coberta com uma estrutura de marcenaria semelhante a uma abóbada estrelada, prefiguração do espaço celeste, onde se representa o Juízo Final. Na chave central da abóbada o busto nu de Cristo Juiz, envolto em nuvens, com as mãos erguidas para deixar veras chagas e mostrar-se tal como morreu na cruz. Em cada um dos fechos da abóbada anjos tenentes seguram com as mãos veladas os instrumentos da Paixão que assumem o carácter de brasões de Cristo. Completa o coroamento, abaixo de Cristo Juiz, S. Miguel Arcanjo.
…. Na imposta do arco que encima a cena central vêem-se duas figuras enigmáticas. A do lado direito aponta com um braço demasiado comprido, em direção ao crucificado e no outro leva, provavelmente, as Tábuas da Lei. A do lado esquerdo curvada sobre si própria ergue a cabeça para o crucificado e deve, hipoteticamente, simbolizar um Profeta que, a partir do Antigo Testamento se volta em direção ao Redentor e anuncia a sua segunda vinda.
Merece ainda destaque a moldura, em escultura ornamental, que decora o «Corpus» e a predela, deste monumental retábulo, onde se podem ver dragões, sereias, anjos, cavaleiros, ursos, porcos, macacos, homens selvagens e vários monstros entrelaçados em folhagem. Em termos de conteúdo simbólico podem, entre outros, ser-lhe atribuídos os seguintes significados: elementos moralizadores, evocação do período da desordem, símbolo das forças irracionais. Estes elementos são, por si só, motivo para um estudo detalhado e aprofundado utilizando o método iconológico.
…. Ao longo dos séculos, o retábulo da Sé Velha teve vários restauros documentados. No final do século XVI, mais concretamente em 1582 …. Um século mais tarde, em 1684…. Teve ainda uma grande obra de restauro, em 1899, na qual o mestre António Augusto Gonçalves modelou em barro, o Presépio
O Presépio. Imagem publicada no blogue Nova Portugalidade, em 19 de dezembro de 2018. Acedida em https://www.facebook.com/100069507879227/posts/2204153486509673/
e o Evangelista São Marcos que faltavam na predela, que foram em seguida, reproduzidos em madeira por dois artistas naturais da Carregosa, o mestre António Ferreira Santos e Adelino Teixeira da Silva.
…. Este magnífico retábulo-mor continua na Sé Velha de Coimbra a exaltar a devoção que desde tempos imemoriais aqui se dedica a Santa Maria.
Macedo, F. P. O retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra In: Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Portugal e Espanha entre a Europa e Além-Mar. 1988. Coimbra, Universidade de Coimbra.
Segunda de uma série de 3 entradas dedicadas ao estudo do Doutor Francisco Pato de Macedo que escreveu sobre o retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra.
A individualização do trabalho e do estilo de cada um dos artistas que realizaram o retábulo da Sé Velha apresenta, também grandes dificuldades. As obras que são atribuídas a Oliver de Gand, perderam-se na quase totalidade.
…. Acerca de Jean d'Ypres sabe-se só que, em 1510, estava a trabalhar em Santa Cruz de Coimbra, e que deve ter morrido, em 1512.
…. Conserva-se, felizmente, de Oliver de Gand e de Jean d'Ypres, o monumental retábulo de madeira dourada e policromada, nas formas exuberantes do gótico flamejante, que reveste completamente o fundo da abside da Sé Velha de Coimbra. Nele podemos individualizar um «Corpus», que constitui o centro narrativo e que ocupa a parte central da estrutura.
O «Corpus» termina num dossel trilobado e abobadado com nervuras e um remate de cogulhos, cujo centro é ocupado por dois anjos que sustentam o brasão do bispo, encabeçado pela mitra.
Abaixo sob um baldaquino filigranado, dispõe-se a narrativa central de todo o retábulo – a Assunção da Virgem. Esta cena central constitui um conjunto muito característico da escultura do Norte da Europa. A Virgem está envolta numa auréola luminosa, espécie de nimbo de todo o corpo e símbolo de beatitude eterna. Apresenta-se em posição frontal, de pé sobre uma lua crescente, em atitude de oração.
Assunção da Virgem. Retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
É uma figura de face gorda, cabelos frisados a cair pelos ombros e vestes de duras angulosidades. que está rodeada de anjos que a conduzem ao Paraíso. Aos pés da Virgem os Apóstolos. que vieram testemunhar a sua morte. dispõem-se num relevo em elevação e profundidade. aglomerados. cobrindo-se uns aos outros. gesticulastes, envoltos em roupagens de múltiplas pregas. elevando-se de um lado e do outro numa posição de equilíbrio.
Assunção da Virgem, pormenor do retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
A Assunção é um dos temas mais importantes da Glorificação da Virgem…. Existiu. desde tempos imemoriais, um templo dedicado à Virgem. no local onde no século XI, o bispo D. Miguel Salomão mandou construir a nova igreja catedral, que também a Ela consagrou. O bispo D. Jorge de Almeida, grande devoto da Virgem, não deixou de a fazer ocupar, neste retábulo, um lugar central e de lhe colocar aos pés o seu brasão.
…. A Assunção da Virgem ocupa o pano central do políptico, que é duas vezes maior que os laterais. dois de cada lado. separados por contrafortes onde se abrem nichos. de diversos tamanhos, destinados a albergar esculturas de vulto. dentro de um espírito de horror ao vazio. Em cada um dos panos laterais. seguindo uma linha quebrada. dispõem-se sob baldaquinos, figuras de santos de vulto redondo. Os baldaquinos da folha seguinte à central que terminam num triangulo rendilhado albergam. o da direita S. Pedro de cabelos encaracolados. barba espessa e curta e vestes de pregas onduladas e com o manto levantado deixando ver os atributos. as chaves e o livro. O baldaquino da esquerda S. Paulo de fronte calva e barba longa e cujo manto é decorado com imitação de. pedras incrustadas. Santos Universais que sustentaram os mesmos combates. que terão caminhado abraçados para a morte e que a Igreja festeja no mesmo dia. Nos panos seguintes. sob baldaquinos que terminam como se fossem uma coroa, os Santos Cosme (p. 308) e Damião, irmãos gémeos …. Além destes Santos, outros deveriam ocupar nichos hoje vazios. No Museu Machado de Castro conservam-se três imagens de S. Jerónimo, S. Gregório e Santa Catarina que, muito provavelmente, pertencem a este retábulo.
«S. Jerónimo» - Museu Nacional Machado de Castro – Coimbra. Op. cit.
«S. Gregório» - Museu Nacional Machado de Castro – Coimbra. Op. cit.
Pelas suas dimensões deveriam ocupar três dos seis nichos, situados nos contrafortes que delimitam os panos do políptico. Os outros três nichos deveriam ser ocupados pelos restantes doutores da Igreja, Santo Agostinho e Santo Ambrósio, e, hipoteticamente, por Santa Catarina que é muitas vezes associada a Santa Bárbara.
Macedo, F. P. O retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra In: Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Portugal e Espanha entre a Europa e Além-Mar. 1988. Coimbra, Universidade de Coimbra.
Nesta entrada e nas duas seguintes, voltamos ao trabalho do Doutor Francisco Pato de Macedo, Professor Aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no qual é contada, não só a história do retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra, bem como feita uma pormenorizada descrição do mesmo.
O interior da Sé Velha de Coimbra revela a quem transpõe o seu portal. um contraste entre as pedras nuas e frias da construção do séc. XII e o brilho dourado do retábulo-mor que, como peça de ourivesaria, refulge no ponto para onde, invariavelmente, converge o olhar.
…. O primitivo retábulo da capela-mor da Sé Velha de Coimbra, dedicado à Virgem. foi mandado executar pelo Bispo D. Miguel Salomão, nos finais do séc. XII, e era composto por uma alma de madeira revestida a prata dourada.
Três séculos depois. o bispo-conde D. Jorge de Almeida não considerou este retábulo digno de uma Sé, com a ascentralidade e a importância da de Coimbra, nem dele próprio, enquanto seu bispo já que é sempre referido pela historiografia como verdadeiro príncipe da Renascença.
…. Enriqueceu a Sé com inúmeros objetos de ourivesaria sacra …. Dentre todos, destaca-se a magnífica custódia, de prata dourada, em estilo gótico, destinada às procissões do Corpo de Deus. Deve-se ainda a D. Jorge de Almeida a introdução do gosto pelos azulejos mudéjares, que mandou comprar em 1508, em Sevilha, e com que mandou revestir totalmente, pilares e muros do interior da Sé Velha. Aí se mantiveram, a deslumbrar os fiéis com o seu brilho, até que as obras de restauro, levadas a efeito de 1893 a 1902, com critérios hoje discutíveis, os retiraram.
…. A construção do retábulo revelou-se de tal modo dispendiosa que o bispo, por carta, de 9 de Novembro de 1499, instituiu uma confraria destinada a obter esmolas para esta obra. A fábrica da igreja catedral, não tinha, como afirma, rendas suficientes e a contribuição que, conjuntamente com o Cabido, havia dado, não era suficiente.
Esta carta determina a concessão de «privillegios, perdões e indulgencias» a todos aqueles que entrassem para a confraria.
…. Para o retábulo-mor da Sé Velha, optou D. Jorge de Almeida pelo gótico flamejante que a época considerava «moderno», por oposição ao novo estilo que se estava a introduzir que se denominava de «antigo» ou «romano».
…. [ao artista flamengo] Jean d'Ypres, vai ficar a dever-se o sumptuoso retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra, hoje único entre nós, cuja data de início se desconhece, mas que deve ter sido concluído entre 1502 e 1508.
Os retábulos colocados em locais interditos aos fiéis e tornados invisíveis pela penumbra dos altares não se destinavam a ser contemplados, mas como afirma Germain Bazin «a constituirem como que uma oração permanente, fixa em imagens de que os fiéis só percebiam, ao longe, o brilho vago dos dourados e das cores».
Interior da Sé Velha de Coimbra. Imagem acedida em https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9_Velha_de_Coimbra
Para a Sé Velha de Coimbra foi executado um retábulo do mesmo tipo dos da Europa do Norte.
Retábulo-Mor da Sé Velha de Coimbra. Op. cit.
Macedo, F. P. O retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra In: Actas do IV Simpósio Luso-Espanhol de História da Arte - Portugal e Espanha entre a Europa e Além-Mar. 1988. Coimbra, Universidade de Coimbra.
O Senhor Juiz-conselheiro, Dr. Mário Araújo Torres, prosseguindo o seu notável e benemérito esforço, em boa hora reconhecido pelo Município, de relembrar textos esquecidos sobre a história de Coimbra, acaba de editar mais um trabalho, este dedicado ao Rancho da Carqueja que protagonizou uma página negra da história da Cidade, desconhecida pela grande maioria dos conimbricenses de hoje.
Ao Dr. Mário Araújo Torres, mais uma vez, há que manifestar, quer em meu nome quer, por certo, em nome de muitos conimbricenses, o nosso obrigado.
Op. cit., capa
O «Rancho da Carqueja - Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos académicos do século passado» (Coimbra, Imprensa Literária, 1864), da autoria de António Francisco Barata (Góis, 1836 – Évora, 1910) – que viveu em Coimbra de 1848 a 1869, exercendo a profissão de barbeiro nas Ruas de S. João e do Norte, e iniciando uma assinalável atividade de publicista, com centena e meia de títulos em diversos domínios (história, arqueologia. filologia. Literatura, etc.) - com destaque para oito romances históricos. dois deles com segundas edições, baseia-se nos distúrbios desencadeados, em 1720 e 1721, por um grupo de estudantes de Coimbra, que ficou conhecido por Rancho da Carqueja.
Op. cit., badana da capa
Inspirou-se Barata num manuscrito (com “má sintaxe, detestável gramática, nenhuma ortografia e medonha caligrafia), coevo dos factos. que ele encontrara em 1863, e com base no qual começara a publicar um folhetim no «Comércio de Coimbra».
O interesse suscitado pela publicação e o incentivo de amigos, entre os quais destacados académicos, levaram-no a transformar o folhetim neste romance, com preciosas descrições da vida em Coimbra, seus monumentos e meandros do "bairro alto" e do "bairro baixo", relações entre os estudantes, o clero e os futricas, e praxes académicas.
Op. cit.,pg. 23
A ação começa com um ataque dos «carquejeiros» que desbaratou, na Rua das Fangas (atual Rua Fernandes Tomás), o solene préstito que da Universidade seguia para Santa Cruz, comemorar o 1.° de dezembro de 1720.
O nome do bando relaciona-o Barata com a realização das suas reuniões magnas numa casa do Beco da Carqueja, fronteiro à Sé Velha: "Próximo do antigo e venerando templo de Nossa Senhora da Assunção - a Sé Velha - cujas paredes denegridas pelo hálito destruidor do tempo assistiram, segundo uns, à fundação da Monarquia, sem terem maior antiguidade; e, segundo outros, ergueu-as ali a raça islamita, depois de 714 da nossa era; isto é, da invasão árabe, ainda hoje existe, e já existia em 1720 o Beco da Carqueja, que fica quase fronteiro ao templo, e que, bifurcando numa extremidade, vai dar à Rua do Correio, ou de S. Cristóvão [atual Rua Joaquim António de Aguiar], e manda outro ramo para cima, para a Rua da Ilha, Grilos, etc. Neste beco é que iremos encontrar agora os nossos estudantes...''.
O nome do grupo não constituía homenagem a um facinoroso bandido de Viseu alcunhado de «Carqueja», como chegou a pensar Camilo Castelo Branco.
…. A morte de um alfaiate, numa briga junto à Ponte, terá determinado o envio por D. João V de uma força militar, que, em 20 de fevereiro de 1721, cercou Coimbra e capturou a maioria dos membros do grupo.
O seu chefe, Francisco José Aires, de 24 anos, bacharel em Cânones, filho do capitão-mor de Santa Maria da Feira, com o mesmo nome, foi condenado à morte e decapitado em Lisboa, em 20 de junho de 1722. sendo a cabeça remetida para Coimbra, onde ficou exposta, no topo de um pinheiro, frente à Igreja de S. Bartolomeu, até se consumir com o tempo.
Neste volume, além da reprodução da 2.ª edição do romance (Lisboa, Empresa da História de Portugal, 1904), transcreve-se a sentença condenatória da Relação de Lisboa (que atribui a designação do grupo a terem queimado com carqueja a porta da casa de um João de Sequeira, onde entraram para o maltratarem), publicada em «O Conimbricense», de 22 e 26/12/1868, além de outros elementos pertinentes e desenvolvida notícia biobibliográfica de António Francisco Barata.
Mário de Araújo Torres
Barata, A.F. O Rancho da Carqueja. Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos do século XVIII. Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres. 2024. Lisboa, Edições Ex-Libris.
É já de amanhã a oito dias - 6.ª feira, dia 19 de abril -, que irão prosseguir na Sala D. João III, no Arquivo da Universidade de Coimbra, as Conversas Abertas.
A palestra da próxima semana tem por título Formas de Habitação na Coimbra Quinhentista.
Conversa Aberta19 de abril, 18h00. Folha de sala, pormenor
A palestrante será a Senhora Prof.ª Doutora Luísa Trindade, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Professora Doutora Luísa Trindade. Imagem acedida em: https://chsc.uc.pt/investigador/luisa-trindade/
Como sempre ocorre, a entrada é livre e após a apresentação do tema é aberto um período para a intervenção e debate com os demais participantes.
Conversa Aberta19 de abril, 18h00. Cartaz
Pedimos a ajuda de todos na divulgação deste evento. Obrigado,
Rodrigues Costa
O Doutor Fernando Taveira da Fonseca, hoje professor aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, dedicou-se ao estudo da História Moderna e Contemporânea.
Fernando Taveira da Fonseca. Imagem acedida em https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=kWbulkuY&id=87F39EDAB15F93C70FB35B3BC95515E6DBDB1E55&thid=OIP.
O seu trabalho, ora divulgado, leva-nos até aos meados do século XVIII e à realidade da vivência do Cabido da Sé de Coimbra, nessa época.
Sé Velha. In: Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com vistas Photograficas n.º 5. Lisboa. 1862.
Parece hoje indiscutível a importância do conhecimento dos aspetos económicos da vida das instituições e das corporações eclesiásticas, no Antigo Regime. Como já afirmei em outro lugar, tal conhecimento transcende a mera contabilização de ingressos e despesas para se transformar, pelos comportamentos e pelas preocupações que revela, em elemento definidor da natureza da própria instituição ou corporação, constituindo, ao mesmo tempo, um indicador da sua posição específica no contexto das relações sociais.
…. O documento que serve de base a esta nota [o “Mappa geral da receita, despeza, e saldos existentes das rendas da maça do Cabido da cathedral de Coimbra”] surge em consequência do conflito que opôs dois dos corpos de clérigos da catedral: os dignidades e cónegos, por um lado; e os meios cónegos e tercenários, por outro. De raízes antigas, reacendeu-se em 1758, a propósito do pleito judicial movido pelo meio prebendado Luís de Melo, a cujo benefício estava anexa a cura de almas da paróquia da Sé.
…. As vicissitudes deste longo pleito são diversamente encaradas e narradas por cada uma das partes litigantes onde uns – Luís de Melo e os seus companheiros — veem um esbulho violento de direitos, os outros afirmam estar apenas a salvaguardar os seus e a punir comportamentos incorretos. Não cabe no âmbito desta nota o tratamento pormenorizado deste litígio… “a causa com varia fortuna até ser decidida finalmente na Relação de Lisboa a favor de Luiz de Mello".
…. O intervalo cronológico abrangido pelo “Mappa Gera”l (16 anos) sugere que se privilegie, na sua análise, a consideração da estrutura da receita e da despesa, revelando-se de menos interesse (pela exiguidade daquele intervalo) o estudo da evolução das suas diversas componentes. Mesmo quando tentado, colhe-se a imediata impressão de quase imobilidade.
Sé de Coimbra, contas do Cabido (1760-1775). Op. cit., pg. 124
Considerei separadamente o saldo porque é apenas uma parcela contabilística: regista-se na despesa de um ano e, com os mesmos valores, na receita do ano seguinte. E essa impressão mais se reforça se observarmos as suas componentes:
Sé de Coimbra, contas do Cabido (1760-1775). Op. cit., pg. 125
É assim muito menos significativa a existência de dinheiro do que aquilo que se contabiliza como arrecadação futura: as dívidas dos rendeiros constituem uma parcela bastante estável (a avaliar pelo coeficiente de variação), tornando a totalidade do saldo um montante quase fixo, entre os dez e os onze contos de réis.
… A despesa organiza-a o “Mappa Geral” em sete grandes parcelas que depois subdivide. Mantendo, para uma primeira apreciação, as designações genéricas nele utilizadas, torna-se necessário posteriormente desdobrá-las, uma vez que algumas das suas componentes merecem ser olhadas separadamente. O conjunto dos valores médios pode ser observado no quadro 3.
Sé de Coimbra, contas do Cabido (1760-1775). Op. cit., pg. 127
Anotemos, antes de mais, a quase invariabilidade da despesa total (coef. de variação= 3,2%), apesar de algumas das suas componentes apresentarem margens de variação bastante mais amplas: o valor máximo aparece, como seria de esperar, na despesa extraordinária; e assume ainda alguma expressão na rubrica "causas e execuções". Mas a característica mais saliente da aplicação dos rendimentos do Cabido é a proporção que cabe aos cónegos.
…. Sendo assim, a estimativa que apresento para o rendimento anual de uma prebenda inteira - tomando como exemplos os dois anos extremos a que se refere o “Mappa Geral”, 1760 e 1775 - diz respeito aos montantes sem deduções
(quadro 5).
Sé de Coimbra, contas do Cabido (1760-1775). Op. cit., pg. 132
…. Meios cónegos e tercenários recebiam proporcionalmente; e alguns dignidades tinham mais do que uma prebenda.
Fonseca, F. T. As contas do Cabido da Sé de Coimbra. (1760-1775). Nota de investigação. In: Revista Portuguesa de História, T. XXX (1995). Pg. 113-136. Acedido em:
Concluímos, com esta entrada, a chamada de atenção dos leitores deste blogue para um trabalho sobre a Sé Velha, realizado pela Doutora Joana Filipa Antunes.
A primeira referência conhecida a um equipamento fixo criado para a capela-mor da Sé de Coimbra, surge-nos ainda no final do século XI (1086-1091), quando D. Boa Mendes doa 50 metcales de ouro à Catedral para dourar o altar de Santa Maria.
…. em 1166, aquando do registo do falecimento do cónego Soeiro no Livro das Kalendas, recorda-se que este teria oferecido à Sé um relicário dourado e decorado com gemas, para o altar, e um pano de linho para forrar as capas de seda.
…. Nova referência ao “altar desta igreja” surge em torno de 1172, quando a morte do cavaleiro Cipriano ocasiona o registo de uma tábua de altar em prata que este teria mandado fazer, a par de um turíbulo, castiçais, o cálice grande e uma cruz simples, tudo de prata.
…. Esta tábua argêntea pode, na realidade, corresponder a uma tábua colocada sobre o altar, à maneira de proto-retábulo, como pode significar o próprio frontal de altar.
Frontal de altar. Autor Oficina da Sé de Urgel, do segundo quartel do séc. XII. Museo Nacional de Arte de Cataluña Barcelona. Imagem acedida em https://es.wikipedia.org/wiki/Frontal_de_altar_de_Ix
…. Montado o cenário pétreo do espaço protagonista da nova catedral, o bispo aplica 7 marcos e meio de prata a aumentar a tábua do altar (tabula altaris) …. despesa que parece ser partilhada com o rei, D. Afonso Henriques, que oferece aproximadamente o mesmo montante para o mesmo fim.
…. Fundamental para aclarar, pelo menos, a natureza desta tabula, é o frontal dourado que o bispo encomenda a mestre Ptolomeu, executado ao longo de um ano, e que lhe custou 150 morabitinos
…. documentais medievais em que, de forma muito explícita, “ciborium” equivale a cobertura de altar assente sobre colunas, templete ou baldaquino …. Muito embora não possamos refutar liminarmente a hipótese de se tratar de um sacrário, cremos que a precisão de se tratar de uma peça de madeira e de se encontrar “super ejus altare” é perfeitamente consonante com a prática coeva …. permitem (sobretudo o primeiro) imaginar o cibório de madeira que, em 1205, estaria já colocado sobre o altar-mor da Sé Velha de Coimbra.
Deste cibório deveria pender, além das previsíveis cortinas, a pomba eucarística de prata oferecida por Ermesinda Martins (f. 1180) alguns anos antes … Dotada de uma cadeia de prata.
…. No caso da Sé Velha de Coimbra, sabemos que esta peça se manteve em uso até, pelo menos, ao final do século XIV, momento em que é descrita num inventário como “hua ponbinha furada nas costas, com hua porta pequena, que çarra o dito buraco, toda de plata, que pesou seys onças e quarta”.
Em 1279 morre o rei D. Afonso III, que deixa à Sé uma soma de mil libras para ornamentos da igreja … dinheiro que o cabido aplica na compra de uma cruz de jaspe, um cálice de prata dourada e de uma imagem da Virgem entronizada feita em marfim.
Cálice de D. Gueda Mendes, séc. XII. Museu Nacionl de Machado de Castro. Imagem acedida em
…. Para além do investimento nestas obras ex-novo, as mil libras legadas por D. Afonso III seriam também aplicadas na renovação e enobrecimento de uma série de objetos e de culto preexistentes, destacando-se a refeitura do frontal e do crucifixo de prata, que foi já interpretada como uma intervenção sobre o frontal de mestre Ptolomeu, então com cerca de um século de existência …. Outra das compras incluídas nesta lista é a de três excelentes frontais de seda dourada destinados a (sobre)decorar os altares das três principais capelas da Sé nos dias das mais solenes festividades.
…. O frontal, de madeira revestida a prata, tinha a representação da Trindade ao centro …. Ladeando esta imagem central, estariam os doze apóstolos “com seus regaços todos dourados”, tudo emoldurado por cercaduras vegetalistas (“de folhetaria”) pontuadas de pedras e esmaltes
…. Já o sobrefrontal estaria decorado com 17 “pedras christaes” e apresentaria, ao centro, a imagem de Cristo coroando a Virgem e, em oito nichos outra cenas marianas, como a Natividade, a Assunção e o sepultamento. É este, com toda a probabilidade, o retábulo (tabula de super altare) de prata dourada com cenas da vida da Virgem Maria para cuja execução o bispo D. Pedro Martins (f. 1301)
havia oferecido 40 marcos de prata, 15 dobras e 6 morabitinos de ouro, além de 200 libras …. e que nesta altura contaria já com quase um século de existência.
Por fim, a cruz do altar-mor estaria forrada a prata, com uma imagem de Cristo crucificado também em prata, ostentando uma coroa dourada decorada com seis vidros e umas bragas douradas.
Além dela, haveria também um crucifixo (ou crucificado) de grandes dimensões, pendurado ou elevado “alto em na ousia”, que possuía umas bragas de tecido com uma cruz lavrada de sirgo.
…. Num ciclo de renovação evidente, o cabido ativa, em 1459, o (já longo) projeto de renovação destes equipamentos da capela-mor. Assim, a 19 de Julho, pesou-se e fundiu-se toda a prata retirada do retábulo velho que, com toda a probabilidade, seria ainda o “sobre frontal” de iconografia mariana oferecido, no final do século XIII, por D. Pedro Martins.
…. Alguns meses depois, a 10 de Dezembro do mesmo ano, delibera o cabido “de logo sem outra mudança se fazer o frontal de prata que tanto ha que teem ordenado”.
Custódia da Sé de Coimbra, 1527. Museu Nacionl de Machado de Castro. Imagem acedida em https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Nacional_de_Machado_de_Castro#/media/Ficheiro:Cust%C3%B3dia_da_S%C3%A9_de_Coimbra_1527_IMG_1198.JPG
…. na segunda metade do século XV a Sé de Coimbra mantinha a opção de um frontal e um retábulo de prata lavrada e dourada para o seu altar-mor.
Antunes, J. (Re)ver a Sé Velha de Coimbra: Equipamentos Litúrgicos da Capela-Mor Medieval (Séculos XII.XV). In: Actas. Congreso Internacional VIII Centenario Catedral de Burgos “El mundo de las Catedrales” celebrado en Burgos del 13 al 16 de junio de 2022. Edição Fundación VIII Centenario de la Catedral. Burgos 2021.
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Prosseguindo na divulgação de estudos sobre a Sé Velha primitiva, é hoje levado ao conhecimento dos nossos leitores, um trabalho da Doutora Joana Filipa Antunes, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património, daquela Instituição.
A Sé Velha de Coimbra é particularmente (re)conhecida pelo seu rosto medieval. Espécie de catedral fortaleza, a sua arquitetura e a história que ela conta, confirmam e alimenta o nosso imaginário em torno de um tempo em que as catedrais eram românicas e marcavam o território de um reino em construção.
Sé Velha. In: Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com vistas Photograficas n.º 5. Lisboa. 1862
Pouco se sabe, contudo, sobre os equipamentos litúrgicos, os investimentos artísticos, o aspeto interior, a organização espacial e, no fundo, a paisagem visual da sé medieval.
…. Procurámos, então, reencontrar a “catedral habitada” … dos séculos medievais, ainda genericamente desconhecida. Dela sabemos hoje, em traços muito gerais, que contaria:
- Com três capelas principais, de estrutura arquitetónica perene e, portanto, sobreviventes até hoje: a capela-mor, dedicada à Virgem, a capela de São Pedro, ao Evangelho, e a capela de São Martinho (dedicada, desde o século XVI, ao Santíssimo Sacramento).
Capela mor, na atualidade. Acervo RA
.... Com muitas outras capelas entretanto descaracterizadas ou desaparecidas, como a capela de Santa Clara e a capela de São Geraldo, cada uma na sua extremidade do transepto, ou a capela de Santa Maria Madalena, encostada à extremidade ocidental do coro, junto à porta do claustro ou, ainda os altares de Santa Maria, do Anjo, de São Sebastião, Santa Bárbara, São Nicolau e dos Santos Cosme Damião e que não pudemos ainda localizar com precisão mas que, a partir do século XVI, deixarão de ter existência física, canalizando-se as respetivas devoções (e imagens devocionais) para o retábulo-mor encomendado por D. Jorge de Almeida e, mais tarde, para altares menores.
- Com um coro central, ocupando dois tramos da nave central a partir do cruzeiro, dotado de uma porta ocidental encimada por um crucifixo, à maneira do que se erguia sobre o «leedoiro» do coro de Santiago de Compostela e onde a poderosa D. Vataça de Lascaris (f. 1336) se faz sepultar em monumento elevado e, nesta época, coberto com um pano com “signaes, figuras d’aguias e flores” …
Sé Velha, tumulo de D. Vataça. Mestre Pero, 1336. Imagem acedida https://pt.wikipedia.org/wiki/Vata%C3%A7a_L%C3%A1scaris#/media/Ficheiro:Vata%C3%A7a.jpg
- Com um cadeiral, encomendado em 1413, pintado e dourado, com o seu “almocarabez de ouro fino”, … numa solução formal cuja dimensão seria, muito provavelmente, impeditiva de uma vista ampla e desafogada da capela-mor a partir da entrada da igreja.
- Com um coro-alto, concluído em torno de 1477, ocupando os dois primeiros tramos da nave central, ao nível do trifório, e ostentando, no subcoro, um teto mudéjar de laçaria.
- Com numerosas tumulações, em campa rasa, em campas pintadas e em monumentos funerários esculpidos e dotados de jacente, dos quais nos chegaram, sobretudo, túmulos episcopais.
- Com panos, véus, cortinas, corrediças, das mais variadas cores e materiais, a comporem estruturas de capelas ou cenários efémeros, ocultarem imagens ou vesti-las de acordo com as muitas festas do calendário litúrgico.
De todos estes espaços e equipamentos, aquele que maior atenção recebe nos dois primeiros séculos da catedral românica é, sem dúvida, a capela-mor. Espaço pequeno, não obstante a sua importância, foi sendo composto, dignificado, enobrecido e densamente preenchido nos séculos seguintes. E é a partir dele, portanto, que iniciaremos esta abordagem à Sé Velha medieval, focando-nos exclusiva e operativamente (embora não exaustivamente) nos objetos, equipamentos e imagens de que foi sendo acrescentado ao longo de quatro séculos.
Antunes, J. F. (Re)ver a Sé Velha de Coimbra: Equipamentos Litúrgicos da Capela-Mor Medieval (Séculos XII.XV). In: Actas. Congreso Internacional VIII Centenario Catedral de Burgos “El mundo de las Catedrales” celebrado en Burgos del 13 al 16 de junio de 2022. Edição Fundación VIII Centenario de la Catedral. Burgos 2021. Acedido em
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