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A' Cerca de Coimbra



Quarta-feira, 20.12.23

Coimbra: Procissão dos nus, no séc. XVI

MC 2.jpgMemórias de Coimbra. Op cit., capa

Nesta entrada, também atualizamos os termos do texto para facilitar a leitura de todos os leitores, e nela tomamos conhecimento de uma procissão que surgiu em Coimbra e que, ao tempo só em Coimbra se realizava, mas cuja prática foi alargada a outros pontos do País.

Havia uma, porém, que era particular a Coimbra, e da qual fala Frei Manuel da Esperança na sua História Seráfica da Ordem dos Frades Menores na Província de Portugal. Escreveu o cronista:

 A cousa mais memorável, que se pode escrever, é a procissão dos Nus, a qual se faz no seu dia [o dos Santos Mártires de Marrocos].

MC 8.webpMártires de Marrocos. Quadro de Piero Casentini, pormenor. Imagem acedida em: https://www.capuchinhos.org/franciscanismo/artigos/martires-de-marrocos

MC 9.jpgA procissão ou devoção dos nus. Imagem acedida em: https://miluem.blogs.sapo.pt/a-procissao-ou-devocao-dos-nus-634217

Teve princípio por ocasião da peste que, no Ano de 1423 abrasou esta cidade [de Coimbra] com todos os seus contornos, levando, não só as casas, senão lugares inteiros. E vendo isto. um homem do lugar de Fala, freguesia de S. Martinho do Bispo, por nome Vicente Martins, e por alcunha o Granjeeiro, fez voto que se os Mártires o livrassem a ele, e a seus filhos, daquele mortal contágio, visitaria com eles, nus da cinta pera cima, todos os anos no seu dia o seu sagrado sepulcro. Eram os nomes dos filhos: Estêvão, Álvaro, Afonso, Gonçalo e João; os quais conformados com a promessa do pai, lhe deram execução. O Anjo percuciente, que viu matizadas as portas da sua casa com a virtude do sangue dos Cordeiros Franciscanos, não ousou meter nela o seu cutelo de morte, que ensopava em sua vizinhança. Juntou-se depois a eles outro homem, chamado João Cabelos, de um lugar pouco distante, que sendo enfermo de gota coral, foi curado pelos Mártires. Hoje concorrem, não só os destas famílias, mas também os mais vizinhos dessa da dita paróquia de S. Martinho do Bispo, como da Igreja Nova, e Taveiro; muitos homens de alguns lugares à roda: outros da cidade, e arrabaldes; e com eles grande soma de meninos, ou a pé se tem idade, ou nos braços da mães, e das amas, que os criam.

A procissão se ordena desta forma.

Na manhã de 16 de janeiro, que é o dia dos Santos, todos se vão ajuntar na igreja do nosso convento de S. Francisco da Ponte: uns já despidos: outros, que se despem nele. Ficam nus dos joelhos pera baixo, e da cinta pera cima. em calções, e quando muito, uma toalha cingida. Alguns se confessam, e comungam; e acabada uma missa, que cantamos, vai saindo a cruz da nossa comunidade nas mãos de um religioso, cujos lados acompanham outros dois, que levam ceroferários (círios ou tocheiros). Segue-se logo os Nus postos em duas fileiras. Assim despidos, e descalços com as cabeças descobertas, as contas [do rosário] numa mão, e uma vela na outra. Depois seguimos nós, e ainda mais atrás outras fileiras de Nus, os quais levam assim as varas do pálio, como tochas, em companhia de uma relíquia destes gloriosos Mártires. No ano de 1641 foram achados por conta, feita à nossa instância, mais de duzentos e vinte; e posto que não seja número fixo, sempre é grande, e outras vezes maior. Deste modo, e neste dia, no coração do inverno, atravessam o a ponte do Mondego, e duas ruas da cidade, as mais correntes, e publicas até chegarem ao real mosteiro de Santa Cruz, recompensando a glória deste notável triunfo, as afrontas, e opróbrios, com que os invictos Mártires foram levados, despidos, e açoutados pelas ruas de Marrocos da cadeia até ao paço.

 

MC 10.jpgMartírio dos Santos Mártires de MarrocosImagem da coleção RA

 Acham sempre o Pregador no púlpito: alguns se vestem numa casa separada, como fazem oração; outros esperam, que de todo se acabe o ofício divino...

Refere depois o autor que um bispo de Coimbra (que não nomeia), amigo de novidade, teve por muito indecente esta procissão dos Nus, proibiu que se fizesse. Logo nesse ano sobreveio uma peste, e o bispo, mudando de conselho permitiu a procissão.

Diz ainda Frei Manuel da Esperança que esta peste ocorreu em 1559, mas que, tendo afetado todo o reino, não entrou na cidade. 

 

Alarcão, J. Memórias de Coimbra. 2023. Coimbra, Edição Lápis de Memórias.

 

 

 

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por Rodrigues Costa às 14:23

Terça-feira, 19.12.23

Coimbra: Procissão do Corpus Christi, no séc. XVI

Prosseguindo na chamada de atenção dos leitores para a obra recentemente publicada por Jorge Alarcão,

MC 2.jpgMemórias de CoimbraOp cit., capa

escolhemos um tema aqui pouco tratado, socorrendo-nos do capítulo da obra citada, intitulado As procissões em Coimbra no séc. XVI.

Refira-se que no texto não são apresentadas quaisquer imagens. Aliás, manda a verdade que para a época a que o texto se refere, desconhecemos a existência de tais imagens. Restou-nos assim ilustrar a entrada com imagens do espólio guardado no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra.

A entrada de hoje é dedicada à procissão do «Corpus Christi» e atualizamos os termos do texto para facilitar a leitura de todos os leitores

 A principal procissão que se realizava em Coimbra, no séc. XVI, era a do «Corpus Christi. Aliás, era festividade comum a todas as cidades do reino, mas a de Coimbra é particularmente conhecida por se ter conservado o Regimento dela, muito pormenorizado.

MC 5.JPGAHMC. Regimento da procissão do Corpus Christi, pg. 1

…. A procissão era algo entre o sagrado e o profano. Não diremos que tinha aspetos carnavalescos, mas, pelo menos, tinha muito de cortejo alegórico; e a população da cidade, mais do que incorporar-se nela, assistiria, das ruas e das janelas, à sua passagem.

Começava a procissão no largo da Sé, onde os participantes (ou figurantes) deviam comparecer pelas sete horas da manhã. Descia à rua Direita, ia ao Arnado e daí retornava à Sé. Com tão longo percurso, demoraria muitas horas a desfilar.

Na procissão incorporavam-se os representantes das corporações de artes e ofícios da cidade, com suas bandeiras.

A «judenga com sua toura» abria a procissão. Era um grupo de pelo menos 6 homens, escolhidos de entre os forneiros, carvoeiros, fabricantes de telha e de cal e lagareiros da cidade. Disfarçados de judeus, levavam nas mãos uma representação da «Torah», livro sagrado daquele povo - pois é nesse sentido que devemos entender «sua toura».

Vinham depois o «segitorio bem concertado e a serpe com huma silvagem grande».

O segitório era um homem de vestimenta colorida, armado de setas que brandia talvez contra a figuração de uma serpente ou dragão (porque serpe também significava dragão).

João Pedro Ribeiro leu: «Os carpinteiros da Cidade são obrigados de dar a Serpe com uma silvagem grande». Outros autores leram: «com um selvagem grande». A primeira leitura parece-nos mais correta: a serpe iria aos ombros de homens; e para que os pés deles não fossem demasiadamente visíveis iam encobertos por uma rede entretecida de silvas.

Provavelmente, segitório e serpente ora avançavam, ora recuavam, na simulação de um combate.

Seguia-se a «folia de fora», grupo de homens (e também de mulheres?) de fora da cidade, mas do seu termo, com seus instrumentos musicais, e talvez dançando.

Os fabricantes de cordas, de albardas, de odres e os tintureiros seguiam a folia, e levavam sua(s) bandeira(s) e quatro «cavalinhos fuscos bem feitos e pintados».

Os barqueiros, que vinham logo após, transportavam um S. Cristóvão «muito grande com um menino Jesus ao pescoço».

Iam no cortejo as regateiras e vendedeiras de peixe e fruta, com suas gaitas e tamboris. Deviam fazer duas «pelas», isto é, dois grupos. Temos dúvidas sobre se iriam em posição a seguir aos barqueiros, ou se acompanhavam lateralmente o cortejo, ora avançando, ora recuando.

Seguiam-se os oleiros. Eram pelo menos dez, e um deles ia disfarçado de rei e acompanhado de pajem, ambos «bem vestidos e louçãos».

Os pedreiros, seguindo os oleiros, levavam cada um seu castelo nas mãos.

Alfaiates e alfaiatas, juntos com as tecedeiras de tear baixo, deviam levar no grupo um imperador e uma imperatriz, com oito damas que seriam «moças honestas e gentis mulheres bem ataviadas».

Depois vinha a «folia da cidade».

Seguiam-se os sapateiros, formando a «mourisca». Esta era um grupo de homens vestidos como se fossem mouros. Levavam no grupo uma Santa Clara. A presença desta no meio da «mourisca» aludia ao ataque da cidade de Assis pelo Imperador Frederico II com um grupo de sarracenos - ataque que Santa Clara teria repelido exibindo a custódia com a hóstia. O episódio encontra-se representado num famoso retábulo de finais do séc. XIV que se guarda hoje no Museu Nacional de Machado de Castro.

Vinham agora os tecelões e tecedeiras de tear alto, com uma imagem de Santa Catarina.

Os correeiros levavam com eles um homem «que seja bem desposto e alvo» (isto é, de boa compleição e não moreno ou tisnado), que devia representar S. Sebastião.

Seguiam-se os sirgueiros, latoeiros, bordadores, seleiros, adargueiros. Os sirgueiros fariam cordões de seda; os seleiros, selas para cavalgaduras; os adargueiros, escudos de couro.

Vinham depois os cerieiros (que preparavam a cera e dela fariam velas, círios, ex-votos). Diz-se: «sam obrigados de fazerem Santa Maria de asninha, e Joaquim. "Asninha" é o mesmo que "burrinha". Com os cerieiros viria uma senhora (Santa Maria) montada numa burrinha, representando a fuga para o Egipto. Surpreende-nos que o acompanhante seja S. Joaquim, pois devia ser S. José. Ainda hoje se realiza, em Mafra e em Braga (mas com particular importância nesta última cidade), a Procissão da Burrinha. cuja figuração principal é a da Virgem, montada em jumenta e conduzida por S. José.

Não sendo comum a designação de "asninha" para burrinha, vamos encontrá-la no «Auto da Feira» de Gil Vicente, quando Branca Anes, amaldiçoando o marido, exclama: E rogo à Virgem da Estrela / e à Santa Gerjalem / i ós choros da Madanela / e à asninha de Belem / que o veja eu ir à vela / pera donde nunca vem». 

O episódio da fuga para o Egipto, recordado na procissão do «Corpus Christi», foi muito popular em Portugal. Na Beira e no Norte, em afloramentos rochosos,

encontram-se gravuras rupestres pré-históricas, em forma de ferradura, que o povo designa como Fraga das patinhas da burrinha de Nossa Senhora ou Pegadas da burrinha de Nossa Senhora.

A seguir aos cerieiros vinham livreiros e pintores. Os ataqueiros (fabricantes de cordões ou de outros elementos para apertar peças de vestuário ou de calçado?) eram seguidos pelos boticários.

Os espingardeiros, com suas armas de fogo, deviam dispará-las quando a procissão saía do largo da Sé, depois no Arnado, e de novo quando a procissão regressava à Sé.

Barbeiros e ferradores levavam um S. Jorge.

MC 6.JPG AHMC. S. Jorge, (séc. XVIII?). Imagem utilizada na procissão do Corpus Christi, em Coimbra

MC 7.JPGAHMC. do Corpus Christi, em Coimbra. Presumível vestimenta do pajem que segurava o cavalo onde ia montada a imagem de S. Jorge (séc. XVIII?)

Seguia-se uma moça com as armas da cidade.

«As armas da Cidade, que vão com uma moça formosa coroada, e aí detrás da bandeira da Cidade, e estas armas são dadas aos malgueiros tratantes. A bandeira da Cidade há-de ir de trás dos homens de armas, a qual há-de levar o alferes…. e os regedores da Cidade, hão-de de eleger em cada um ano Cidadãos antíguos, que acompanhem a dita bandeira, e irão quatro Cidadãos com a dita bandeira».

Vinha depois uma grande fogaça que as padeiras deviam tender e cozer e que, depois da procissão, era oferecida aos presos.

Na cauda da procissão ia a clerezia, e com ela a «gaiola» que levava a custódia com a hóstia. Junto da gaiola iam quatro anjos tangendo com violas e arrabis [arrabil, instrumento de cordas tocado com um arco]. Acompanhavam a gaiola doze cidadãos dos mais honrados da cidade.

…. Em 1724, por resolução régia, foi proibido que na procissão do Corpo de Deus houvesse danças e jogos, ou se representassem figuras, mesmo que fossem de santos, sendo admitidos somente a imagem de S. Jorge e os andores que as irmandades quisessem levar

…. A procissão do «Corpus Christi» não era a única da cidade. Além das que se faziam na Quaresma, realizavam-se a da Visitação de Nossa Senhora e a do Anjo Custódio, instituídas por D. Manuel ,,,,  e celebradas no dia 2 de Julho e no terceiro Domingo do mesmo mês.

Estas eram procissões que se realizavam em todas as cidades do reino.

Alarcão, J. Memórias de Coimbra. 2023. Coimbra, Edição Lápis de Memórias

 

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por Rodrigues Costa às 15:13

Terça-feira, 19.12.23

Coimbra: Implantação de República 3

Continuando a debruçar-nos sobre a obra Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação, de Carlos Santarém Andrade, abordaremos de seguida o último capítulo dedicado à Proclamação da República em Coimbra.

Segunda parte.

Na tarde do dia 13 de Outubro teria lugar a tomada de posse da Comissão Administrativa Municipal. Leia-se, sobre o acto, «A Defesa", do dia seguinte: "Foi ontem aclamada e tomou posse a comissão administrativa que há-de gerir os negócios municipais até às próximas eleições. Pelas 2 horas e meia da tarde, a convite do administrador do concelho, reuniu-se na sala nobre dos Paços Municipais o povo desta cidade". O jornal prossegue a descrição do acto, com a relação dos membros efectivos, constituída, entre outros vultos republicanos, pelo Dr. Sidónio Pais e António Augusto Gonçalves, respectivamente presidente e vice-presidentes da comissão, acrescentando: "Uma estrondosa salva de palmas acolhe a leitura desta lista, que se prolonga à medida que o Sr. Secretário da Câmara vai proclamando cada um dos nomes dos escolhidos e estes vão tomando o lugar que lhes é reservado".

CR.Op. cit., pg. 151.jpgSidónio Pais, 1.º Presidente da Comissão Administrativa Municipal. Op. cit., pg. 151

CR pg. 151 a.jpgAntónio Augusto Gonçalves. Vice-Presidente da Comissão Administrativa. Op. cit., pg. 151

 Seguem-se vários discursos: "Todos os oradores são muito aplaudidos, e entusiasticamente correspondidos os vivas soltados à República Portuguesa, à Pátria, ao Exército, à Marinha, ao Povo de Lisboa, à Câmara Republicana". Continua o jornal: “Encerrada a sessão, repetem-se os aplausos e os vivas à nova vereação, que se prolongam por vários minutos". E a terminar, "A banda do 23 tocou a «Portugueza» no átrio dos Paços Municipais.

A proclamação da República em Coimbra, que decorrera com normalidade, viria a ter um incidente que ocorreu na Universidade, quando um grupo de estudantes radicais, auto-denominado de ”Falange Demagógica'', provocou, no dia 17 de Outubro, distúrbios nas instalações universitárias, partindo peças de mobiliário, rasgando algumas vestes doutorais, destruindo mesmo diversos adereços na Sala dos Capelos, em que foram disparados tiros que atingiam os retratos de D. Carlos e de D. Manuel II.

CR.DisturbiosnaUniversidade.jpg

Distúrbios na Universidade. Op. cit., pg. 150

O acto, reprovado geralmente, incluindo a imprensa republicana, foi justificado pelos seus autores, num manifesto "Aos Espíritos Livres», no dia 18, em que declaravam: "Eis porque meia dúzia de caracteres impolutos que não se deixaram arrastar por essa onda de corrupção ignominiosa, vêm agora, impelidos por um nobre e altivo sentimento, livres das peias de preconceitos atávicos, quebrar os grilhões malditos que arroxeavam os pulsos de centenas de gerações".

Entretanto é nomeado Reitor da Universidade Manuel de Arriaga, que chega a Coimbra acompanhado por António José de Almeida, Ministro do Interior, sendo recebidos por uma enorme multidão na Estação Nova.

CR. Op. cit., pg. 153. chegada.jpgChegada de António José de Almeida e de Manuel de Arriaga à estação de Coimbra. Op cit., pg. 153

 E no dia 19 de Outubro reabria a Universidade, sendo o novo Reitor empossado no cargo por António José de Almeida. O acto, que decorreu sem as tradicionais    praxes académicas, foi relatado, no dia 27 de Outubro, pelo jornal "A Tribuna": "Usando da palavra, o Sr. Dr. António José de Almeida, começa por dizer que veio expressamente a Coimbra para, em nome do Governo Provisório da República, apresentar aos professores e alunos da Universidade o novo Reitor Manuel de Arriaga, a quem se faz uma entusiástica manifestação de carinho e respeito que profundamente o comove".

CR. Op.cit., pg. 153 MA.jpgManuel de Arriaga. Op. cit., pg. 153

 Usou da palavra em seguida o novo Reitor, que agradeceu com um discurso, findo o qual, como acrescenta o jornal: “Muitos lentes, seus condiscípulos e amigos, correm a abraçar o venerando velhinho cuja suave figura todos infunde um respeito profundo, uma carinhosa simpatia. O público dispensa-lhe uma carolíssima manifestação em que os vivas e as palmas se sucedem e se prologam”.

Em favor das vítimas da revolução em Lisboa, tem lugar no dia 1 de Novembro, em Coimbra, um bando precatório para angariar fundos, que saiu dos Paços do Concelho, percorrendo várias ruas da Cidade.

CR pg. 154a.jpgBando precatório para angariar fundos. Op. cit., pg. 154

ambém no dia 6 de Novembro, comemorando o 30.º dia da proclamação, é descerrada a lápide dando o nome de Praça da República ao largo até então denominado D. Luís.

CR pg. 154 b.jpgConvite comemorativo do 30.º dia da proclamação da República. Op. cit., pg. 154

Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.

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por Rodrigues Costa às 11:58

Sexta-feira, 01.12.23

Coimbra: Implantação de República 2

Continuando a debruçar-nos sobre a obra Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação, de Carlos Santarém Andrade, abordaremos de seguida o último capítulo, dedicado à Proclamação da República em Coimbra. Primeira parte.

No dia 4 de Outubro, o jornal "Defeza", de Coimbra, dá-nos uma curta, embora destacada, notícia sob o título "Revolução em Lisboa?", sem adiantar desenvolvimentos.

"A Tribuna", do dia 5, dá mais pormenores, no artigo "A revolução de Lisboa", sobre os sucessos na capital, descrevendo vários episódios da luta travada no dia anterior, mas cujo desfecho era ainda desconhecido. Sobre o assassínio de Miguel Bombarda, no dia 3, por um dos seus doentes do foro psiquiátrico, tenente do exército, informa-nos ser o seu autor natural de Coimbra, onde fez os Preparatórios para a Escola do Exército, tendo prestado serviço como alferes no Regimento de Infantaria 23, aquartelado nesta cidade. Sem conhecimento do rumo dos acontecimentos, os republicanos viveram horas de angústia e ansiedade, decidindo enviar a Lisboa um emissário para se inteirar do que se passava.

CR pg. 147a.jpgJornal “Defeza”, de Coimbra. Op. cit., pg. 147

No dia 5, à noite, corre em Coimbra que a República fora proclamada, o que provoca que, na Praça do Comércio (onde se situava o Centro José Falcão) se juntasse muita gente. E quando, cerca das 3 horas da manhã do dia 6 de Outubro, um emissário do governo republicano, entretanto formado, confirma a proclamação da República, há grandes manifestações de regozijo, acompanhadas do lançamento de foguetes, sendo arvorada no edifício da Câmara e na Universidade a bandeira republicana, como nos informa o "Notícias de Coimbra", do dia 8 de Outubro. O mesmo jornal descreve que "a filarmónica «Boa União» toca a «Portugueza», formando-se um cortejo em direcção ao Governo Civil, aonde se encontra já o novo Governador Sr. Dr. Fernandes Costa".

CR O alferes medico sr. João Augusto Ornellas, fa

O alferes medico sr. João Augusto Ornellas, falando ao povo das janellas da Camara de Coimbra, após a notificação da proclamação da Republica. In: Illustracção Portugueza, II-1910, n.º 224, Lisboa, 1910.10.24, p.539.

CR. Op. cit, pg.148.jpg

Dr. Fernandes Costa. 1.º Governador Civil de Coimbra após a implantação da República-Op- cit., pg. 148

Na sede do Governo Civil (então, na Rua Larga, onde hoje se encontra a Faculdade de Medicina) a passagem do testemunho do até então governador, Dr. José Jardim, faz-se com toda a urbanidade, sendo mesmo cumprimentado à saída do edifício. O extenso cortejo regressa à Baixa, ao som de vivas à Liberdade e à República, terminando na Praça do Comércio, cerca do meio-dia.

À uma da tarde desse dia 6 de Outubro estava prevista a proclamação da República nos Paços do Concelho. E essa tem lugar perante o Dr. Fernandes Costa e a vereação que até aí gerira o município, e que então pede a demissão. Como informa o mesmo jornal, no Salão Nobre completamente cheio, "esta cerimónia termina por constantes vivas à Pátria, a Portugal, ao exército e armada e à República, no meio do maior e mais indiscritível entusiasmo", que acrescenta: "Duas bandas de música, a «Boa União» e a «Conimbricense», tocam em frente, no largo, formando-se, em seguida novo cortejo, composto por milhares de pessoas que percorre, com as duas filarmónicas, várias ruas da cidade".

CR- O povo depois do discurso do sr. João Ornella

O povo depois do discurso do sr. João Ornellas a caminho do quartel de infantaria 23. In: Illustracção Portugueza, II-1910, n.º 224, Lisboa, 1910.10.24, p.539.

CR pg. 150a.jpgAuto da Proclamação da República em Coimbra em 6 de Outubro de 1910. Op. cit., pg. 150

Também o quartel do Regimento de Infantaria 23, então na Rua da Sofia, pelas quatro da tarde, se associa à proclamação, hasteando no seu mastro a bandeira do novo regime. Momento registado pelo referido periódico: "Há então um indiscritível entusiasmo, a que se associam os soldados, erguendo vivas à República e confraternizando com o povo. Ouvem-se pouco depois os primeiros acordes da «Portugueza»”. É a banda militar que a toca. Novas manifestações, igualmente calorosas, se ouvem, com vivas ao exército e à armada". À noite seriam iluminados os edifícios públicos e mesmo casas particulares, percorrendo as ruas da cidade grupos de populares em marchas «aux flambeaux». No dia seguinte novas manifestações de alegria teriam lugar em vários pontos de Coimbra.

Uma nota muito curiosa é-nos ainda revelada pelo jornal: "É agora cumprida a disposição testamentária do falecido Dr. Inácio Roxanes, em virtude da qual, no dia da implantação da República, devia ser distribuída a quantia de 100$000 réis pelos pobres da freguesia de Santa Cruz, desta cidade. O respectivo testamenteiro anda cumprindo já a referida disposição".

 Andrade, C.S. Coimbra e a República. Da propaganda à proclamação. 2022. Coimbra, Edição Lápis da Memória.

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por Rodrigues Costa às 12:22


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