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Entre os livros da minha biblioteca está num pequeno catálogo, editado em 1966, pelos Serviços Municipais de Turismo, que serviu de apoio à I Exposição de Armas Antigas do Distrito de Coimbra.
Depois da apresentação das peças então expostas, o texto publica a relação – Entidades e Pessoas – dos 24 expositores que emprestaram as peças patentes na exposição, diferenciadas pelos seguintes tipos: Espingardas de sistema pederneira; Pistolas de sistema pederneira; Espingardas de percussão por meio de fulminante, de carregar pela boca; Pistolas de percussão por meio de fulminante, de carregar pela boca; Polvorinhos; Espadas; e Punhais.
O maior interesse do folheto está no conjunto de 27 estampas, reproduzindo as principais peças expostas, que são aqui relembradas.
Catálogo, capa
O Plano de exposições que a Comissão Municipal de Turismo de Coimbra se propôs realizar ou patrocinar em 1966 tem não só o fim de dar aos turistas um motivo de interesse na sua passagem por esta região, mas também de ser útil à Cidade no campo cultural.
Dentro do esquema enunciado, integra-se, como segunda no ano em curso, a I Exposição de Armas Antigas do Distrito de Coimbra.
…. Espalhadas por casas particulares, perdidas entre coleções de pequenos Museus, vendidas para o Estrangeiro, abandonadas pelos seus possuidores, somente tem sido recolhidas e dignamente expostas em quantidade apreciável no Museu Militar de Lisboa.
Julgou o Departamento de Turismo de Coimbra oportuno tentar mostrar ao público alguns exemplares existentes nas coleções de Armas do Distrito e, ao fazê-lo, norteou-o a ideia de chamar as atenções não apenas para o aspeto artístico desta exposição.
…. Reunidas largo número de armas de fogo e armas brancas, sendo alguns dos exemplares expostos de rara categoria, mencionamos neste catálogo apenas as mais destacadas.
As imagens publicadas são as que a seguir se apresentam.
- N.º 1 – Bacamarte de abordagem com cano de bronze, arma do século XVIII. Est. 1
Op. cit., pg. 11
- N.º 3 – Bacamarte com cano de ferro lavrado, tipo de boca de sino, arma excecional do século XVIII. Est. II.
- N.º 6 – Espingarda de caça de origem espanhola, com o cano tauxiado a prata, mira e anilhas de prisão do mesmo metal. Exemplar raro do século XVIII. Est. III.
- N.º 20 – Espingarda de cavalaria com coronha de tipo árabe, fecharia sistema espanhol, do século XVIII. Est. IV.
Op. cit., pg. 12
- N.º 40 – Pistola inglesa, tipo Tower, usada na Guarda Real, do século XVIII. Est. VIII
- N.º 41 – Pistola do tipo espanhol, revestida a metal, com lavrados, com características do século XVIII. Est. V.
- N.º 45 – Pistola de cano longo, fecharia do sistema espanhol, do século XVIII. Est. VII.
- N.º 55 – Pistola inglesa, tipo militar, cano longo, marcada Tower – G. R., do século XVIII. Est. IX.
O exemplar a que corresponde a estampa VI, não está identificado.
Op. cit., pg. 13
- N.º 55 – Pistola inglesa, com pederneira superior, cano de bronze e punhal, por intermédio doo guarda-mato, do século XVIII. Est. X.
- N.º 50 – Pistola inglesa, de três canos, em bronze. com pederneira superior e relator dos canos, exemplar muito raro, do século XVIII. Est. XI.
Op. cit., pg.14
- N.º 67 – Espingarda de caça, de fabrico espanhol, com cano tauxiado a prata, fabricada em Eybar, por Aranguren, no século XIX. Est. XII.
- N.ºs 81.82 – Par de pistolas, com cano de bronze de boca elíptica, exemplares raros pelo formato, do século XIX. Ext. XIII.
Op. cit., pg.15
Serviços Municipais de Turismo. Primeira Exposição de Armas Antigas do Distrito de Coimbra. 1966. Coimbra, Comissão Municipal de Turismo.
Prosseguindo na divulgação do texto do Professor Doutor Amado Mendes, inserido na brochura Abastecimento de água a Coimbra: Reservatório do Botânico, dedicamos esta entrada à referida estrutura, conhecida de muitos poucos.
Aquando dos primórdios do abastecimento domiciliário de água a Coimbra, cujo sistema primitivo foi instalado em 1888 e entrou em funcionamento em meados de 1889, como se disse já, foram construídos dois reservatórios: um na Cumeada (considerado o principal e que se mantém em funcionamento), destinado ao abastecimento da zona mais elevada da cidade; o outro (especial, segundo os termos do contrato), na Cerca de São Bento / Jardim Botânico, que desde há anos se encontra desativado.
Reservatório do Jardim Botânico, na atualidade. Foto RC
O primeiro, localizado a uma cota de108 m, era o principal e enquadra-se na classificação de grande, pois a sua capacidade ultrapassa os 5000 m3. Por seu lado, o segundo, a uma cota de 50 m, era de média dimensão, pois tinha a capacidade de 3000 m3.
Reservatório do Jardim Botânico (desativado) Op. cit., pg. 7
Como são raros os reservatórios enterrados desativados, o do Jardim Botânico é um belo exemplar do património industrial da água, pelo que se reveste da maior relevância histórica e científica, suscetível de despertar interesse no âmbito do turismo cultural, a nível não só local, mas também nacional e internacional.
No que toca à sua localização, verificou-se uma certa hesitação inicial, não só pela natureza da respetiva área (parte integrante do Jardim Botânico, com toda a carga histórica e científica), mas também pela pouca adequação do terreno ao fim em vista. Aliás, praticamente na altura em que o sistema de abastecimento de água a Coimbra estava prestes a entrar em funcionamento (primeira metade do ano de 1889), já se manifestavam preocupações acerca da consolidação da estrutura. Com efeito, pode ler-se em ata camarária, acerca de alguns aspetos do empreendimento:
«Consolidação dos terrenos, na cerca de S. Bento, junto à casa das máquinas, que ameaçavam desmoronar-se; colocação de um portão de ferro no Arco da Traição, para serventia do reservatório das águas das zonas média e baixa da cidade»". Numa outra ata volta a focar-se o assunto, apontando as deficiências: «não foram construídos anexos da casa das máquinas; os reservatórios perdem quantidades de água assinaláveis; o reservatório das zonas média e baixa [Reservatório do Botânico] está ameaçado por desabamento de terras; o terreno vizinho ameaça escorregar por não ter sido drenado; não funcionam os indicadores elétricos de níveis de água».
Op. cit., pg. 8
… Uma observação atenta do Reservatório do Botânico permite-nos observar, «in loco», parte do que geralmente é referido nas publicações da especialidade e, bem assim, na própria legislação que enquadra este género de estruturas.
Comecemos pelo exterior.
Aqui destaca-se uma pequena construção (em alvenaria e tijolo e com janelas), à qual o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra se referia como a "casa das máquinas", na qual estava instalado o equipamento de controlo do Reservatório. Embora de pequenas dimensões, uma vez que já não alberga equipamento e que acaba de beneficiar de obras de consolidação, manutenção e restauro, esta pequena “casa” pode ser utilizada pra diversas funções culturais: espaço de exposições permanentes ou temporárias), centro de interpretação (sobre o património hidráulico da cidade e do próprio Botânico, local de realização de atividades lúdico-pedagógicas, etc.).
No amplo espaço envolvente, de terreno com alguma vegetação e que pode bem ser ajardinado, para ali também se efetuarem eventos adequados, entre os quais exposições sobre temáticas diversas, observam-se pequenas estruturas, partes integrantes dos ventiladores / chaminés ou respiradouros. No total são 10, quatro um pouco maiores e seis mais pequenos.
A ventilação tem uma função importante na qualidade da água, processo muito antigo e que antecedeu. inclusive, o uso do cloro (começado a utilizar nos Estados Unidos da América em 1908 e que chegou a Portugal (a Coimbra e a Lisboa), em finais dos anos 1920", e para manter a pressão atmosférica.
Acerca do assunto, e como alerta dc prevenção, já foi escrito: «As coberturas dos reservatórios devem ser providas de uma ou mais chaminés de ventilação, a fim de que o nível da água fique sempre sob pressão atmosférica.
Interior do Reservatório do Jardim Botânico (desativado). Op. cit., pg. 9
Da casa das máquinas, por duas escadas íngremes e com espaço reduzido (inclusive na altura, relativamente à estrutura superior o que obriga a fazei algum exercício para as utilizar), tem-se acesso às duas células ou câmaras, simétricas e que ocupam uma área considerável, cujas dimensões apenas são devidamente perspetivadas quando se acede ao seu interior. Aquelas encontram-se em estado razoável de conservação, não obstante no teto já se notarem certas fendas que podem denotar alguma fragilidade, em termos de futuro.
As paredes laterais assim como a parede divisória entre as duas células são em alvenaria rebocada. Em cada célula ou câmara se encontram 6 pilares, também de alvenaria, sendo o de uma das células (a do lado direito, quando se entra pela porta principal da casa das máquinas) reforçado.
Em termos de tecnologia, pouco se encontra no local, salvo algumas canalizações e equipamento metálico de regularização do fluxo de água,
…. Em suma: trata-se de um espaço amplo que, caso venha a ser devidamente restaurado e consolidado, bem poderá servir não só para visita turística mas também para eventos culturais, como espetáculos de teatro, música ou dança, exposições, oficinas de atividades pedagógicas, etc.
Mendes, J.A. Abastecimento de água a Coimbra: Reservatório do Botânico. Sem data. Coimbra, Águas de Coimbra E.M.
Começamos hoje a divulgar um texto do Professor Doutor Amado Mendes, inserido numa pequena, e muito interessante, brochura editada pelas, hoje, Águas de Coimbra, Empresa Municipal. O texto está dividido em duas partes, a que conta, de forma breve, a história do abastecimento de Água, em Coimbra e outra dedicada ao Reservatório do Botânico.
Op. cit., capa
Entre os maiores benefícios para o bem-estar das populações conta-se precisamente o abastecimento de água ao domicílio e, bem assim, a implantação do saneamento básico. Na sequência da invenção da máquina a vapor … viria a expandir-se por diversos países ao longo dos séculos XIX-XX, beneficiando não só a indústria, os transportes e comunicações e outro tipo de serviços como também o abastecimento de água ao domicílio.
Esta inovação, adotada por algumas grandes cidades nos anos de 1830-1850, viria depois a beneficiar muitos centros urbanos, inclusive em Portugal. Assim, Lisboa, teve acesso a esse melhoramento excecional em 1880, o Porto em 1886 e, Coimbra, pouco depois, ou seja, em 1889.
… A população da cidade, em1863, para se abastecer de água tinha que recorrer aos meios tradicionais. Nessa altura existiam em Coimbra 10 fontes, 2 poços e 2 cisternas. A situação era muito difícil, agravando-se com o desenvolvimento com o desenvolvimento urbano, espacialmente na parte alta da cidade e no verão, quando era mais frequente a ocorrência de incêndios. Por isso o abastecimento de água passou a ser um assunto prioritário, como se pode constar pelas notícias da imprensa local, com destaque para as de «O Conimbricense». Com efeito, neste podia ler-se, na sua edição de 05 de setembro de 1867:
“A primeira e, incontestavelmente, a mais urgente necessidade que há em Coimbra é a do abastecimento de águas. Pode-se mais ou menos suportar uma rua mal calçada; pode-se tolerar uma casa de residência municipal mais ou menos luxuosa e confortável – o que não se pode adiar, o que de forma nenhuma se pode sofrer é a falta de água.
E Coimbra está a esse respeito cada vez pior. Havia antigamente só no bairro baixo três chafarizes, um na Praça de S. Bartolomeu, hoje do Comércio, outro na Calçada e outro em Sansão, hoje Praça 8 de Maio; e até em épocas antigas, houve neste último local dois chafarizes. Atualmente não há nenhum, porque esse mesmo que se vê na Praça do Comércio é como se não existira, porque quase nunca tem água.
Se isto sucede no bairro baixo, no bairro alto é a situação dos habitantes muito mais deplorável. É certo que há um chafariz no Largo da Feira e outro na Sé Velha;
“Mãe" de água e chafariz do Largo da Feira
Fonte da Sé Velha, in “Arquivo Pitoresco”. Col. RA
Fontes do Largo de Sansão. “Estampas Coimbrãs.”, pormenor
mas de ano para ano vão cada vez mais diminuindo na porção de água que deitam; e; assim; aquele bairro, que se abastece quase exclusivamente de água as fontes, sofre das maiores inclemências pela falta deste género, indispensável à vida. As criadas aglomeram-se em número extraordinário junto dos dois chafarizes e ali se demoram longo tempo, até que possa achar vez para
encher os potes».
“Estampas Coimbrãs. Mulher de Coimbra conduzindo água da fonte ou do Mondego”
… O primeiro projeto de abastecimento de água à cidade, cujo contrato, entre a Câmara Municipal de Coimbra e a dita empresa. [empresa londrina da especialidade, representada pelo Eng.º James Easton] foi publicado no «Diário do Governo» de 09 de agosto de 1982.
Op. cit,, pg. 4-5
Todavia, o projeto não se concretizou, pois houve atrasos sucessivos quanto ao início das obras. Entre outros entraves, verificava-se uma divergência relativamente ao avanço simultâneo do processo de abastecimento de água ao domicílio e do saneamento (“canalização dos esgotos”), defendido pela empresa, mas não aprovado pela Câmara Municipal. Não tendo sido possível ultrapassar o impasse, na sessão camarária de 21 de setembro de 1887, foi apresentada a escritura de rescisão do contrato.
Logo no mês seguinte (outubro de 1887) foi publicado edital para abertura do concurso para o abastecimento de água a Coimbra (O Conimbricense, de 29-10-1887), bem como o respetivo regulamento.
… A proposta mais baixa foi a de Albert Nillus & C. (83 700$000 réis), pelo que as obras lhe foram adjudicadas.
Como previsto no contrato as obras terão começado no primeiro semestre de 1888, prolongando-se por cerca de ano e meio … até que «provavelmente na segunda quinzena de maio de 1889, Coimbra vê chegar o extraordinário melhoramento, que é o abastecimento de água por métodos modernos». O fenómeno é de tal relevância para a qualidade de vidas das confinidades que até já foi designado como “o Milagre da Torneira".
Op. ct., pg. de contra rosto
… o abastecimento é suportado por uma estrutura bastante complexa, da qual fazem parte, fundamentalmente, os seguintes pilares:
. Processo da captação da água no rio Mondego (junto ao Parque Dr. Manuel Braga, de 1889 a 1956-58 e, desde então, na Boavista), sua adução e respetivo tratamento;
. Estação elevatória (instalada na Rua da Alegria, de 1889 a 1924, no Parque da Cidade, de 1924 a meados dos anos de 1950 e, desde então, na Boavista), que tem por função conduzir a água para os reservatórios, distribuídos por locais estratégicos da cidade;
. Sua distribuição, por força da gravidade, através de uma vasta rede de canalizações, pelos numerosos locais de abastecimento (doméstico, público, industrial, institucional, etc.);
- O apertado controlo de qualidade é efetuado em laboratório e por meio de tecnologia adequada, enquanto a medição da água captada, consumida ou desperdiçada é realizada por equipamento apropriado e, obviamente pelos conhecidos contadores de água que, ao longo do tempo, têm registados sucessivos aperfeiçoamentos.
Mendes, J.A. Abastecimento de água a Coimbra: Reservatório do Botânico. Sem data. Coimbra, Águas de Coimbra E.M.
Em 21 de Junho de 2015 realizou-se um concerto destinado a apresentar, após o restauro a que, então, fora submetido, o “novo” órgão histórico da Igreja de Santa Cruz.
Folha de sala, rosto
O organista Paulo Bernardino foi o responsável pela execução do concerto que teve como tema “A música para órgão na Europa Ocidental nos sécs. XVI a XVIII”.
Extraímos da “Folha de sala” desta memorável audição o texto que ora apresentamos.
Resenha técnica e intervenção de restauro
O grande órgão de tubos da igreja de Santa Cruz é um instrumento que pela sua idade, história e tamanho tem um lugar especial na organaria portuguesa. As partes mais antigas têm aproximadamente 480 anos.
Igreja e órgão de Santa Cruz. Foto João Santos.
Foi construído ou teve intervenções de importantes organeiros (portugueses, espanhóis, flamengos) e possui 3 registos inteiros e 55 meios registos num total de 2920 tubos sonantes tendo na sua fachada um Flautado de 24.
É nas palavras de D. Dionísio da Glória, em 1726 "este Órgão um monstruo de
harmonia''.
A consola encontra-se na parte de trás do órgão, de forma que o organista não tem contacto visual direto com a ação litúrgica, mas por outro lado toda a superfície é aproveitada para colocar tubos.
Órgão de Santa Cruz. Acervo RA
O instrumento, apesar de ter um só teclado, está subdividido em 4 secções, designadas pelos respetivos registos mais graves: órgão de 24, de 12 e de 6 (palmos), sendo a quarta secção de cornetas. As secções podem ser controladas através da entrada de vento nos someiros.
Existe uma descrição do instrumento, com uma pequena resenha histórica do mesmo, feita numa linguagem peculiar, redigida logo a seguir ao final dos trabalhos de D. Manuel Benito Gomes de Herrera, feita pelo organista e Mestre-Capela D. Dionísio da Glória, na Páscoa de 1726.
Remetemos os interessados para esse capítulo.
A intervenção de restauro
Os trabalhos de restauro do instrumento tiveram lugar entre o verão de 2004 e a Páscoa de 2008.
O objetivo foi devolver a este instrumento a sua integridade histórica, técnica, estética e musical, de acordo com o estado concebido em 1719-24, pelo organeiro Manuel Benito de Herrera.
Órgão de Santa Cruz, pormenor. Acervo RA
Órgão de Santa Cruz, pormenor. Acervo RA
O sistema de vento foi objeto de uma solução nova, tendo em conta que as condições espaciais (local original dos foles) foram alteradas desde essa data (1724) até aos nossos dias.
Atualmente possui 3 foles novos, colocados atrás do órgão. Para além de funcionarem com motor, que lhes fornece o vento, é ainda possível manobrá-los manualmente...
Pedro Guimarães von Rohden
Mestre Organeiro
Von Rohden, P.G. Concerto. Órgão Histórico de Santa Cruz. Folha de sala. 2015. Coimbra.
O tema da “Mantilha Coimbrã”, já foi tratado no blogue “A’Cerca de Coimbra” em 21 e 23 de junho de 2022. Na altura, respigamos um artigo publicado no número 7 da Munda, revista do Grupo de Arqueologia e Arte do Centro [GAAC], assinado pelo Professor Doutor Nelson Correia Borges.
Posteriormente, aquele conceituado Investigador, publicou no Boletim Informativo da Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego um texto mais pormenorizado que intitulou “A Mantilha Portuguesa. Glória e declínio de uma peça do trajar das nossas Avós”. Dele extraímos as informações que ora se divulgam.
Como é sabido, não existe em Portugal um trajo nacional, antes, pelo contrário, uma grande variedade devido à diversificação e características próprias das múltiplas regiões e sub-regiões etnográficas. No entanto, ao longo dos tempos, houve algumas formas de trajar e certas peças de vestuário que tiveram implantação praticamente em todo o país. Estão neste caso os resguardos exteriores do corpo, em que podemos incluir o gabão e a mantilha.
A mantilha é, sem dúvida a peça mais interessante e também a mais bem documentada, apresentando-se com inúmeras variantes no que toca à parte que envolvia a cabeça. Referimo-nos obviamente, à que as nossas avós usaram desde tempos ancestrais até meados do século XIX e não à mantilha de rendas de uso mais recente.
…A mantilha de rendas, geralmente de cor preta, de origem espanhola, foi introduzida em Portugal depois de 1900. divulgada de terra em terra por mão dos vendedores ambulantes galegos. Utilizou-se para cobrir a cabeça da mulher quando ia à igreja, até aos tempos do Concílio Vaticano 11 (1962-1965). Finda a sua utilidade, caiu em desuso. As mulheres das classes populares, porém, sempre preferiram usar para o efeito o lenço de seda ou o cachené.
… À velha mantilha feminina surgem as primeiras referências em finais do século XIV e um século depois já ela podia ser incluída entre as muitas “coisas de folgar e gentilezas”, reunidas por Garcia de Resende no seu «Cancioneiro Geral».
… No século XVI o uso da mantilha era, sem dúvida, generalizado e, como peça estimada, deixada em testamento. Encontrámos-lhe o rasto, ocasionalmente, em dois documentos tabeliónicos de 1577, da região de Coimbra, que a referem a par com outros elementos de vestuário. Os séculos XVIl e XVIIl fizeram da mantilha uma peça imprescindível à indumentária barroca, introduzindo-lhe variantes no formato da parte que resguarda a cabeça. adaptada aos elaborados toucados então em moda.
A mantilha era uma espécie de manto ou capa, com alguma roda, que descia até abaixo do joelho, ou mesmo até ao tornozelo. Em cima, abrigando a cabeça, ficava a coca, espécie de arco, amado em papelão e barbas de baleia, terminando ou não em bico. Na sua confeção utilizavam-se tecidos de diversas texturas e materiais: a baeta, o durante, o camelão, o lapim, o "pano fino", ou mesmo tafetá de seda. A cor preferida era o preto, solene, mas havia-as também roxas e cor de pinhão, como a mencionada no «Cancioneiro Geral». Normalmente era debruada com uma tarja de veludo, liso ou lavrado, da mesma cor do tecido, e não tinha colchetes nem botões: fechavam-na à frente com a mão.
Embuçada na mantilha, que lhe podia esconder todo o corpo e mesmo grande parte da face, a mulher tinha a possibilidade de sair tranquilamente à rua sem receio de ser reconhecida. As portuguesas amantilhadas constituíam, por certo, uma nota de pitoresco nas ruas das cidades, captando a admiração dos estrangeiros que passavam pelo nosso país. É o caso de dois embaixadores venezianos, vindos a Lisboa em 1580, que salientam no trajar feminino " o manto grande de lã ou de seda, segundo a qualidade da pessoa. Com ele cobrem o rosto e o corpo inteiro, e vão aonde querem, tão disfarçadas que nem os próprios maridos as conhecem: vantagem esta que lhes dá maior liberdade do que convém a mulheres bem-nascidas e bem morigeradas".
Esta circunstância não podia deixar de ser refreada, tanto mais que os abusos acabariam sempre por surgir. Assim, e em 1644 foi decretado que nenhuma mulher andasse embuçada nas ruas de Lisboa, com graves penas, mas esta resolução não chegou a ser extensiva ao resto do reino onde amantilha continuou q ser usada com honra de proveito da mulher portuguesa.
… “Este adorno está hoje completamente fora de moda, e apenas fazem dele uso algumas mulheres antigas e nobres, ou as beatas de algumas terras da província”. “Eduardo Faria, porém em 1857, afirma que a mantilha era particularmente usada em Coimbra” e não restam dúvidas de que assim acontecia.
Cidade de cunho predominantemente eclesiástico, na sua instituição universitária, onde os colégios monásticos e os conventos se topavam a cada esquina, não admira que a mantilha fosse um correspondente modo de trajar feminino algo freirático. A mulher de Coimbra introduziu-lhe uma coca em bico que faz lembrar certas toucas da Renascença, ampliadas.
Conhecemo-la de gravuras e da descrição de alguns detratores. A representação mais antiga é uma belíssima gravura a "pointillé", incluída na obra de Henry L'Evêque. (The Costume of Portugal, Londres, 1812.), com a legenda que está na imagem,
Op. cit., pg 12
Nela se recorta uma esbelta figura feminina sobre paisagem da cidade, onde se reconhece a Sé Nova e o Mondego. Envolve-se na mantilha com graciosidade, deixando a descoberto parte da "camisa" e da saia preta. Calça sapato de cetim, meias finas e usa um colar de duas voltas. Em segundo plano segue, ao lado do homem, outra mulher também de mantilha. Parece-nos, todavia, que esta gravura não representa com fidelidade a parte envolvente da cabeça – a coca -, a qual. segundo outros testemunhos era de maior dimensão, e a forma, ainda que não se afastando das suas linhas gerais, aparece aqui mais comedida.
Assim a viu, por volta de1834, o oficial do exército britânico Carlos Van Zeller com a sua coca muito saliente, terminando num bico que, pelo que afirma, encurvava quase até ao nível do queixo. Não se poupa ao comentário depreciativo comum a quantos, nesta época,se referem a esta peça de vestuário.
… Van Zeller acompanhou as notas manuscritas de alguns esboços que se revelam preciosos para melhor conhecer esta parte da mantilha coimbrã.
Com efeito o que verdadeiramente aparta e define a mantilha de Coimbra é a coca, só encontrando rivais nas do Porto, Viseu e Braga, que não lhe ficam atrás na singularidade.
Op. cit., pg. 15
Outra representação da mantilha coimbrã é-nos dada pela muito divulgada água-tinta de George Vivian da obra Scenery of Porfugal & Spain, editada em Londres, em 1839.
Op. cit., pg. 11
Esta bela paisagem é um manancial de informações sobre o trajo popular em Coimbra, na época, já que junto à fonte de Santana se agrupam diversas figuras citadinas que vão desde os estudantes, à esquerda; às senhoras de mantilha, à direita. Ali as vemos conversando, uma de frente, outra de costas.
O desenho é em tudo coincidente com a descrição de Borges de Figueiredo. …. Creio que ainda nalgumas partes do nosso Portugal se veem as clássicas mantilhas.
Op. cit., pg. 26.
Mas a mantilha de Coimbra era muito diferente das outras, pelo menos não me consta que em outras partes se usassem do feito daquelas, Compunha-se de uma tira e papelão grossa arqueada e convenientemente coberta de fazenda preta; colocada sobre a cabeça e segura sob o queixo por fitas, caía o pano preto exterior pelas costas e peito a modo de mantéu: até aqui nada de extraordinário; mas dos diversos pontos do papelão que cobria a cabeça partiam algumas barbas de baleia que a distância de dois palmos da testa se uniam formando vértice, tudo isto coberto de fazenda igual à restante.
…. Existe ainda um outro desenho, certamente de autor nacional, desconhecido, e que deverá datar do segundo quartel do século passado.
Op. cit., pg. 14
O traço é desagradável, mas elucidativo, confirmando os testemunhos na anteriores. Nele se vê uma cena matutina. O garotito e a manteigueira descalços, contrastam com a senhora de mantilha que se dirige, possivelmente para a igreja.
A mantilha de Coimbra, reconstituição. Imagem acedida en https://www.facebook.com/grupofolcloricodecoimbra/photos/pb.100047535110552.-2207520000./1279911812121393/?type=3
Acrescentamos uma imagem da reconstituição deste trajo, feita segundo a orientação do Professor Doutor Nelson Correia, que é utlizada nas apresentações do Grupo Folclórico de Coimbra.
Borges, N.C. A Mantilha Portuguesa. Glória e declínio de uma peça do trajar das nossas Avós. Separata do Boletim Informativo da Associação de Folclore e Etnografia da Região do Mondego. Páginas 7 a 26. Sem data. Coimbra, AFERM.
Escondido numa das estantes da minha biblioteca, estava o trabalho policopiado que hoje saliento, da autoria de António Gonçalves que foi meu Colega na Biblioteca Municipal de Coimbra e que dele me faz uma pequena dedicatória.
Dupla falta a minha, pois tinha-me esquecido de uma obra que não devia ser esquecida – e que devia ter tido um outro tipo de edição – e de um artista conimbricense cuja memória não devemos deixar perder.
Op. cit., capa
A obra recolhe um significativo número dos muitos criados por Palhé da Silva, bem como alguns desenhos da sua autoria.
Op. cit., pg. 1
António Gonçalves iniciou a obra com uma breve introdução ao ex-librismo da qual citamos.
“O Ex-Libris” é uma das formas de arte da vaidade humana, a menos desagradável, sem dúvida, porque é artística”.
(Liebrecht, Henri)
Op. cit., pg. 7
"Leitor, aconselho-te esta vaidade. Ama os livros, decorando-os como mais te agradar. Que o Ex-Libris, de que usas exprima, resumidamente, tudo aquilo que te é precioso; que ele tire da tua vida ou dos símbolos a sua maior força de expressão".( Lamber)
Op. cit., pg. 40
O Artista a quem conferimos, com todo o merecimento, esta simples homenagem, nasceu em Coimbra, na freguesia de Almedina, a 16 de Junho de 1925.
De seu nome: RUY FERNAND0 PALHÉ DA SILVA.
Exerceu a profissão de compositor tipográfico durante 32 anos, tendo-se depois estabelecido, por algum tempo, na Praça do Comércio.
Autodidata, fotógrafo amador, gravador e desenhador, Rui Fernando Palhé da Silva, tem mãos profundamente artísticas, sendo gratificante ver as imagens de simplicidade e ternura com que ele segue o destino da sua própria intuição.
Testemunho de si próprio é o seu valor e perseverança.
Nos 66 Ex-Libris executados, reproduzidos neste trabalho, verificamos o gosto de reviver personagens da história literária, escolhendo temas "queirosianos", "camilianos", "pessoanos", "quixotescos”, e, também, como não podia deixar de ser, desenhando com aquele amor dedicado a Coimbra, os monumentos, jardins e paisagens da cidade que o viu criança e o vê homem, cidadão, trabalhador e Artista.
"O Ex-Libris tem o fascínio e a graça de uma pequena canção; e no campo da gravura e da arte é como o soneto no campo da poesia". (Montero, G.)
Op. cit., pg.38
Razão, insofismável, para salientar o reconhecimento que devemos a Rui Fernando Palhé da Silva.
O fascínio, a gravura, a xilogravura e a arte glorificam os trabalhos apresentados. De um modo geral, temos a oportunidade de distinguir a pureza estilística dos meios de expressão, sendo difícil conceber uma maior fidelidade `a essência e ao contexto manifestado nos temas e legendas expostas ao nosso olhar, realçando a consciência que o coloca como um autêntico Artista.
Rui Fernando Palhé da Silva, assim o quis nos Ex-Libris que nos presenteou.
Como se depreende da relação dos trabalhos enumerados, o Artista a partir de 1984 tem novo comportamento. Preterida a xilogravura Rui Fernando Palhé da Silva passou a demonstrar o seu mais elevado, nesta nova forma de comunicar, pondo em relevo a especificidade da sua nova ''arte''.
Op. cit., pg.55
Verificamos, pois, que a obra do Artista está dividida em partes distintas: a gravura e a xilogravura.
Op. cit., pg.73
Será oportuno e interessante chamar a atenção para a finura do primeiro trabalho apresentado. O Ex-Libris, em triângulo, para a sua biblioteca, assaz pouco vulgar, mas valioso para o Artista.
Vem a propósito distinguir, entre outras. algumas legendas que mais nos sensibilizaram, talvez por influência da profissão que desempenhamos.
Gonçalves, A. 1986. Rui Fernando Palhé da Silva. Um Ex-librista de Coimbra. Nota Introdutória Dr. Mário Nunes. Coimbra, Edição policopiada.
Reiniciando a série “documento do mês”, o Arquivo da Universidade de Coimbra acaba de divulgar um documento, que é mais um dos muitos exemplos das atribulações sofridas pelo Povo Português, aquando das invasões francesas com o seu cortejo de mortes e feridos, roubos e destruições.
Invasões francesas em Portugal. Imagem acedida em https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid ….
O documento ora divulgado, escrito em Leiria e datado de 1811, e constitui uma Petição de Maria Joaquina para que seja provada a sua viuvez, pois não existe registo de óbito de seu marido, por ter ocorrido “na occazião da invazão do Exército Francez”, em Leiria (1810).
Petição de Maria Joaquina para que seja provada a sua viuvez, AUC, PT/AUC/DIO/CDCBR – Cúria Diocesana de Coimbra (F), Processos de casamento (SR) – AUC-III-2.ª E-3-3-7
O documento que se dá a conhecer está inserido num processo, datado de setembro de 1811, relativo aos nubentes Manuel dos Santos e Maria Joaquina. Este processo não é, verdadeiramente, um processo de casamento, mas apenas uma justificação do óbito de José Pereira Carvalho, moleiro, morador em Leiria, com quem estivera casada Maria Joaquina e é isso mesmo que se refere na margem superior da folha de capa do processo: “Justificação de óbito” ou no título de abertura do processo: “Autos de Justificação de óbito a favor de Maria Joaquina viúva de Jozé Pereira Carvalho moleiro que foi desta cidade [i. e. Leiria]”. O processo foi redigido, em 30 de setembro de 1811, pelo escrivão da Câmara Episcopal de Leiria, tendo sido ouvidas diversas testemunhas pelo Provisor do Bispado de Leiria, André José Mariano Simões. O parágrafo final é bem revelador do desígnio da petição feita por Maria Joaquina: “que a admita à dita justificação e provando mandar-lhe passar ordem para o Reverendo Parroco da Sé desta cidade a receber com o noivo Manuel dos Santos, não havendo outro embaraço”. Este testemunho é indiciador de tantas situações que, à semelhança desta, ocorreram por ocasião da Guerra Peninsular, com a fuga de pessoas de umas localidades para outras, na procura da sua sobrevivência. E tantos documentos que também se perderam ou registos que ficaram por fazer como, no caso presente, a falta do registo de óbito do primeiro marido de Maria Joaquina, que falecera no Vidigal do Zambujo: “e foi a enterrar à Igreja das Cortes de que não se fez assento por andar toda a gente fugida e o mesmo Parroco dessa freguesia”.
AUC. Depósito da documentação
AUC. Petição de Maria Joaquina para que seja provada a sua viuvez, AUC, PT/AUC/DIO/CDCBR. AUC-III-2.ª E-3-3-7. Acedido em https://www.uc.pt/auc.
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