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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 11.07.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 12, António Maria da Conceição

António Maria da Conceição era um mestre considerado e, com outros artistas, foi contemporâneo e comparticipante na tentativa de aperfeiçoamento da arte do ferro forjado. A sua atividade não se encontra bem documentada, sabendo-se contudo, que, para além das obras coletivas já assinaladas, saíram da sua oficina as grades das escadas de S. Tiago (desenho de Silva Pinto), a que envolvia o monumento a Joaquim António de Aguiar (desenho de António Augusto Gonçalves) e a que foi colocada em torno do coreto, a fim de resguardar o maciço de verdura e de flores.

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Grade que envolvia o monumento a Joaquim António de Aguiar

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Grade que envolvia o monumento a Joaquim António de Aguiar. Pormenor

A Câmara de Coimbra, porque reconhecia “a obrigação que tem de ajudar todos os que por iniciativa individual pretendem fazer sair a sua classe para fora das práticas ronceiras da atrasada arte nacional, notabilizando-se como factores do progresso nacional” e porque “a arte do ferro é uma a proteger com a maior solicitude” encomendou a António Maria da Conceição, em 1907, um mictório de ferro forjado, que seria colocado no jardim do Cais, isto é, na avenida Navarro, próximo do largo das Ameias. Acerca desta peça de mobiliário urbano que ficou concluída no dia 14 de novembro de 1907, o Noticias de Coimbra escrevia que ela era muito mais elegante do que os [mictórios] que têm vindo de Lisboa; “recomenda[ndo]-se aquelle não só pela sua belleza mas, muito principalmente por ter bastante obra em ferro forjado, primorosamente executada pelo habil artista Antonio Maria da Conceição. É este um genero de trabalho em que a arte da serralheria se tem adeantada muito em Coimbra. Acertadamente andou a câmara encommendando aquella obra a um artista conimbricense. Ficará ella sendo um magnifico exemplar que honra os artistas da nossa terra. O projecto é do sr. João Machado, cuja modestia deve ficar contrariada com esta nossa revelação, mas tenha este distincto artista paciencia em termos o desjo de querer trazer os nossos leitores ao corrente da verdade dos factos”.

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Passeio Público. Mictório

Mais tarde, a 5 de abril de 1914, também foi inaugurado no mesmo Passeio Público um quiosque, coberto com uma cúpula de ferro, riscado por João Machado e executado na sua oficina; a decoração azulejar saiu do pincel de Adriano Costa.

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Castiçal

Mestre Conceição não se apresenta na cidade apenas como serralheiro de mérito, pois, assumindo-se como cidadão prestante, durante mais de vinte e nove anos desempenhou o lugar de comandante dos Bombeiros Voluntários, facto que, em 1919, esteva na origem da homenagem que a edilidade lhe prestou.

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Anúncio da oficina

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

 

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por Rodrigues Costa às 10:01

Quinta-feira, 06.07.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 11, Albertino Marques

Albertino Marques trabalhava muito e jamais deixou de estudar, o que lhe permitiu, a par com a sua capacidade de saber fazer falar o ferro tosco, tornando-o delicado, introduzir o seu nome entre os mais conhecidos artistas que, em Portugal, se dedicaram à arte de forjar.

RA 11. Albertino Marques.jpgAlbertino Marques

Os primeiros ensinamentos técnicos colheu-os na oficina de António Maria da Conceição, e depois, ainda muito novo, terminou o curso de desenho ornamental e de modelação da Escola Industrial Brotero, obtendo o diploma com distinção; frequentou também o curso de aperfeiçoamento do mesmo estabelecimento de ensino. Foi sempre um sócio empenhado e assíduo da Escola Livre, bem como da Associação dos Artistas, onde, em 1926, ocupou o lugar de tesoureiro.

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Tocheiro. Fundação e Restauração de Portugal

RA 11. Pal├ício da Justi├ºa. Lustre para a PPalácio da Justiça. Lustre para a Procuradoria da República

Já em 1924, o desamor pelo estudo era notório, e Albertino Marques lamentava-se de não ter ninguém de confiança que o pudesse ajudar, pois os serralheiros de então pouco ou nada sabiam de desenho e nem frequentavam a escola. Bem gostaria de empregar toda a sua criatividade na serralharia artística, mas, infelizmente, para além de se ver sozinho, também lhe não era permitido, certamente por questões de ordem económica, desprezar os trabalhos vulgares.

RA 11. Ferragens para um fog├úo de sala.jpgFerragens para um fogão de sala

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 Lanternas para o Jardim da Sereia

De entre a sua produção individual mais representativa salientem-se as lanternas e serpentinas, batidas ao gosto da Renascença, encomendadas pelo presidente, para a câmara de Coimbra e quatro candeeiros de parede, do mesmo estilo, destinados ao vestíbulo que dá acesso ao salão nobre; o cofre para o Doutor Bissaia Barreto (com desenho de António Augusto Gonçalves), exposto na montra de A Portugal, na rua Visconde da Luz; e o lampadário para o túmulo da Rainha Santa.

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Cofre para o Doutor Bissaia Barreto

RA 11. Lampad├írio para o t├║mulo da RainhaLampadário para o túmulo da Rainha Santa

Albertino Marques é o responsável por uma importante coleção de trabalhos, quase sempre composições decorativas de dimensões restritas; mas as peças saídas da sua oficina espalham-se por todo o país e passam por tocheiros, em estilo gótico, renascentista ou ‘modernizado’, por lâmpadas cinzeladas ou por portas e grades para jazigos e campas.

RA 11. Sacr├írio para a capela do Semin├írioSacrário para a capela do Seminário de Coimbra

Mestre Albertino, para quem a forja não tinha segredos, dispunha de invulgares recursos no afeiçoamento do ferro, sempre domado sob o influxo do seu temperamento de artista.

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Escritório para a Câmara Municipal de Coimbra

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

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por Rodrigues Costa às 11:11

Terça-feira, 04.07.23

Coimbra: A arte do ferro forjado 10, Daniel Rodrigues

Um outro artista do ferro, que não pode deixar de merecer referência especial é Daniel Rodrigues, homem que nasceu a 26 de março de 1886 no Largo das Ameias, em Coimbra, terra para onde os seus pais, oriundos de Penacova e de Figueira de Lorvão se haviam transferido. Penso poder dizer que o pai, também Daniel Rodrigues de seu nome, casou com Maria do Rosário a 9 de janeiro de 1881, na igreja de S. Bartolomeu.

RA 10. Daniel Rodrigues.jpgDaniel Rodrigues

Iniciou a sua aprendizagem numa oficina de serralharia civil, mas a sua habilidade invulgar para o desenho e manejo do ferro terão despertado o interesse de António Augusto Gonçalves, que o levou a frequentar as aulas de Desenho Ornamental e de Modelação, ministradas na Escola Industrial Brotero por Silva Pinto e pelo próprio Gonçalves.

Retrato de Bissaia Barreto. Desenho de Daniel Rodr Retrato de Bissaia Barreto. Desenho de Daniel Rodrigues

Foi também aluno da Escola Livre. Em 1933, conjuntamente com António Maria da Conceição e com Manuel de Jesus Cardoso, integra a direção daquela “universidade plebeia”, fazendo-se também sócio da Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Coimbra. Morreu, com 84 anos, quase à beira de cumprir mais um, a 11 ou 12 de fevereiro de 1971.

Daniel Rodrigues, começou a executar, em 1928, uma artística grade para o palacete Sotto-Mayor que foi construído na Figueira da Foz.

A fundição deste trabalho esteve a cargo da casa Alves Coimbra, Sucessores, desta cidade, e a cinzelagem e acabamento foram feitos na oficina do mestre serralheiro. A peça, que foi muito apreciada e mereceu rasgados elogios de João Ameal no Diário de Notícias, esteve exposta no estabelecimento “A Vigorosa”, da rua Ferreira Borges.

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Grade para o palacete Sotto Mayor

Daniel era um homem católico e, por conseguinte, de certo modo marginalizado pelos seus colegas e mestres, ateus ou agnósticos e que se encontravam fortemente ligados à maçonaria; por isso não admira que trabalhos como os que bateu para a igreja de Santo António dos Olivais não tivessem na imprensa o eco que alcançaram peças de igual gabarito saídas do malho de outros artistas. Mas, em 1934, por iniciativa do pároco daquela freguesia, padre Manuel Estrela Ferraz, fez o desenho e executou duas artísticas grades de ferro, em estilo gótico, destinadas às capelas laterais da escadaria da igreja. Quatro anos depois, bateu uns artísticos portões para a capela de Nossa Senhora das Dores e para a do Senhor dos Passos, da mesma igreja, bem como o lustre central do templo.

RA 10. Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores.

Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores

RA 10. Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores.

Porta da Capela de Nossa Senhora das Dores. Desenho

De entre as obras de Daniel Rodrigues, com temática religiosa, destaca-se o Anjo da paz eterna, “esculpido” em 1941, a fim de ser colocado no portão do cemitério da Conchada, a substituir o esqueleto que ali se encontrava. Trata-se de uma estátua vultuosa que teve por modelo uma das suas filhas; dir-se-ia que o artista trabalhou o ferro com a mesma facilidade com que as mãos do oleiro modelam o barro.

RA 10.Cemit├®rio da Conchada. Anjo da Paz EternCemitério da Conchada. Anjo da Paz Eterna

O anjo ergue as suas asas e, segurando a cruz, como que aponta o céu, num sinal de esperança e de evasão que é, afinal, o estigma de toda a arte. Neste trabalho deve salientar-se a perfeita nitidez das feições do rosto e a execução do cabelo, o subtil drapeado da túnica, apertada na cintura com um cordão, deixando aparecer, ligeiramente, os pés descalços, simbolizando a humildade e a fragilidade inerente ao ser humano.

Nas horas vagas, vai trabalhando a porta do jazigo da sua filha Berta que havia falecido prematuramente. Trata-se da obra mais sentimental saída da sua oficina A peça revela a forte sensibilidade do artista, que retrata, através da imagem esculpida no ferro duro e frio, o real-irreal ou o tempo-não-tempo, que é a transição vida-morte, numa quase ausência de dimensões. No tímpano retratou, ao mínimo pormenor o quarto onde a filha morreu, com o seu mobiliário, a janela que já não dá para este mundo e a jovem, soerguida no seu leito, enfrentando o Anjo da morte.

RA 10. Cemit├®rii da Conchada. Porta do jazigo Cemitério da Conchada. Porta do jazigo da filha

Sob o tímpano encontram-se esculpidas, duas almofadas: na da esquerda pode observar-se “Daniel na cova dos leões” e na da direita encontra-se representada “Santa Beatriz”; alusões diretas ao seu nome e ao de sua mulher.

Em baixo, a meio dos batentes, visualizam-se dois medalhões que mostram, respetivamente, Cristo e a Virgem, entre lírios e rosas, apontando, nitidamente, para a ressurreição.

RA 10. Cemit├®rii da Conchada. Cemit├®rii daTímpano da porta do jazigo da filha

Ao longo da sua vida, Daniel Rodrigues, que perde dinheiro em muitos trabalhos (a salvação do artista é o artífice), executa “relevos erguidos no ferro forjado à força de buris e martelada”. É um trabalho verdadeiramente “toledano, grosso de aspeto, mas de um valor que atesta bem as possibilidades da forja e do martelo ao serviço da arte”.

RA 10. Medalha da Casa da Criança Bissaia Barr

Medalha da Casa da Criança Bissaia Barreto

RA 10. Medalha da Casa da Crian├ºa Bissaia BarrMedalha da Casa da Criança Bissaia Barreto. Estudo

Na IV Exposição Oficial de Arte em Coimbra (1942), patrocinada pela Comissão Municipal de Turismo e que se realizou no edifício da Faculdade de Letras, o artista expôs uma banqueta de ferro forjado e cinzelado, que se destinava à capela da base aérea da Ota, posteriormente também mostrada na igreja de S. Tiago; o desenho e a execução pertencem-lhe, mas apoiou-se, para a riscar, na opinião avalizada do Doutor António Nogueira Gonçalves.

RA 10. Banqueta para a basa a├®rea da Ota.jpgBanqueta para a basa aérea da Ota

Em 1955, mestre Daniel foi encarregado de executar também dois portões para o edifício da Caixa Geral de Depósitos de Coimbra, mas resolveu ceder parte da empreitada ao artista industrial Joaquim Geraldo Lopes.

RA 10. Port├úo cinzelado por Daniel Rodrigues cPortão cinzelado por Daniel Rodrigues com desenho de Raúl Lino

Os seus trabalhos, e já se não refere Coimbra, encontram-se espalhados por todo o país, desde a Régua, a Odemira, passando por Braga, Porto, Aveiro, Figueira da Foz, Torres Novas, Beja, Lisboa, Covilhã, Belmonte, Figueiró dos Vinhos, Espinhal, Santa Comba ou Mortágua.

RA 10. Oficina de serralharia. Desenho de Daniel ROficina de serralharia. Desenho de Daniel Rodrigues

Daniel Rodrigues é um dos artistas que integram a vasta plêiade de serralheiros da cidade do Mondego; para ele, a arte de alindar o ferro não tem segredos: aproveitou bem as lições dos seus mestres.

Anacleto, R. A arte do ferro forjado na cidade do Mondego, primeira metade do século XX.  In: História, Empresas, Arqueologia Industrial e Museologia. 2021.Edição Imprensa da Universidade de Coimbra, pg. 259-292.

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por Rodrigues Costa às 10:04


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